Perspectivas VozesA manipulação mediática e a Covid-19 Jorge Rodrigues Simão - 13 Mai 2020 “Whoever controls the media, controls the mind.” Jim Morrison [dropcap]A[/dropcap] exortação de Mahatma Ghandi de sermos a mudança que desejamos ver no mundo é de que devemos começar por nós a implementar essa mudança; abrir os nossos olhos às desigualdades e às injustiças. A desigualdade e a discriminação não são um destino inelutável e devem ser combatidas a todos os níveis, incentivando simultaneamente as pessoas a reagir. É de começar por uma consideração básica sobre a Covid-19 e como esta pandemia se tem manifestado e está a ser combatida. A dificuldade em fazer face a esta pandemia deve-se principalmente à escassez de pessoal e de infra-estruturas de saúde. A inadequação dos serviços de saúde pública é o resultado de décadas de reduções nas despesas de saúde pública dos países. De onde vem se é sempre o investimento mais baixo em despesas de saúde pública? Vem de uma orientação (política e, consequentemente, económica e, provavelmente, vice-versa, uma orientação económica que “influenciou” as escolhas políticas) que pode ser traçada desde a economia neoliberal que impulsiona a globalização dos mercados e a privatização também dos serviços essenciais (água, energia, saúde, transportes). A situação agravou-se dramaticamente na maioria dos países europeus desde a sua adesão à União Europeia (UE), onde, na sequência de uma série de tratados (por exemplo, o Pacto de Estabilidade), tiveram sempre de fazer milagres para se manterem dentro dos parâmetros indicados. Assim, é claro para todos como o sistema conduziu ao empobrecimento dos patrimónios público nacionais e à forte redução de todos os investimentos relacionados com o bem-estar social: Saúde, Escola, Trabalho, Transportes, Investigação e Desenvolvimento e, por último mas não menos importante, a valorização dos produtos e serviços de alguns Estados-membros. O outro perigo, para além da grave pandemia, é que esta situação se torne um instrumento para os países hegemónicos da Europa (Alemanha e França), para os “investidores internacionais implacáveis e perversos” e outros países não europeus (potências económicas) tomarem posse do património público de alguns Estados-membros, através de um novo aumento da dívida pública em detrimento dos povos desses países. É importante considerar neste contexto o papel dos meios de comunicação social e os modos de comunicação generalizados, não tanto para entrar no mérito, mas para fornecer elementos de reflexão relacionados com as dinâmicas passadas e actuais (TV, jornais, web, etc.). As consequências económicas desta pandemia são comparáveis às de uma guerra militar, no sentido mais clássico. A guerra que vivemos actualmente (e há muitos anos) é uma guerra financeira, que nos vê sucumbir e regredir dia após dia, graças à incapacidade (ou melhor, à falta de vontade.) dos políticos para defender os interesses dos países, respeitando a cooperação e a solidariedade com outros países e outras populações. Se não forem tomadas medidas adequadas, imediatas e directas para facilitar os investimentos públicos em infra-estruturas, bem como para proporcionar liquidez directamente às empresas, as consequências serão desastrosas, comparáveis ou piores que as da “Grande Depressão Americana de 1929”. Nesta lógica, a “crise da Covid-19” representa, deste ponto de vista, uma grande oportunidade para os europeus e quiçá outros países de diferentes latitudes. A oportunidade de reafirmar os direitos constitucionais e valores conexos. As constituições dos Estados-membros da UE apesar das particularidades e especificidades de cada uma são reconhecidas como das melhores do mundo e, mais uma vez, a maioria dos cidadãos europeus, não apreciam o que têm ou, pior ainda, não a aplicam nos fóruns políticos e jurídicos internacionais adequados. Talvez seja uma escolha forte, sofrida e oposta, mas têm seguramente talvez de sair deste modelo europeu que se tornou para os países (mais fracos), uma gaiola financeira e regulamentar que os levará ao empobrecimento e à aniquilação social, cultural e económica (veja-se a Grécia). É um desafio que, conjuntamente é possível vencer se os europeus estiverem plenamente conscientes de tudo o que está a acontecer por detrás da falsa frente da protecção do bem comum e se tiverem a força e a coragem de tomar as decisões necessárias. No entanto, isto deve andar a par com a evolução pessoal e espiritual, devendo esforçarem-se por desenvolver sentimentos e acções que possam alimentarem valores saudáveis de solidariedade (e não egoísmo), cooperação (e não competição) e mesmo algum sentido de pertença saudável, que perderam. Qual é a importância de se sentir parte de uma comunidade? Seja uma família, um bairro, um país, uma união económica e política! É a hora de rebelião para que a UE seja aquilo que deveria sempre ter sido e que é o seu desiderato. A verdadeira dificuldade não está em aceitar ideias novas, mas escapar das antigas segundo afirmou John Maynard Keynes. A Covidd-19 tem servido à ganância para a manipulação e controlo dos meios de comunicação social sendo o prato forte a distracção, sensibilidade, culpabilidade e complacência da mediocridade. Todos os dias somos sujeitos a centenas de estímulos externos que inevitavelmente influenciam a nossa opinião. Mesmo a pessoa mais objectiva e imperturbável é inevitavelmente condicionada por algo ou alguém. Quer se trate da imprensa, da televisão, do “magnum mare” da Internet, não é apenas um quarto poder, ou seja, a capacidade da imprensa para orientar a opinião pública, mas também um quinto e um sexto poderes. É de pensar no papel ainda dominante do pequeno ecrã e no cada vez mais penetrante das redes sociais. Tudo começa com a pergunta se o que realmente pensamos deriva daquilo em que os outros querem que acreditemos? Esta pergunta foi respondida por Noam Chomsky, linguista americano, filósofo, teórico da comunicação e anarquista que elaborou as dez regras de controlo social, ou seja, as estratégias utilizadas para manipular o público através dos meios de comunicação social. Começa com a estratégia de distracção, implementada para desviar a nossa atenção dos problemas reais e focalizá-la naqueles que têm menos importância. Segue a regra baseada na criação de um problema, como uma crise económica ou uma ameaça terrorista (um vírus letal), à qual é proposta a solução. No entanto, tudo isto deve ter lugar gradualmente para evitar traumas e motins. A decisão, portanto, deve ser dolorosa e necessária e tem de ser explicada às pessoas como se fossem crianças, sem uma análise crítica absoluta, usando a emoção em vez da reflexão na base de toda a manutenção de um povo medíocre e ignorante. Por outro lado, como argumenta Chomsky, os sistemas democráticos, não estão dispostos a manter a obediência pela força, devem controlar não só o que as pessoas fazem, mas também o que pensam. Foi por isso que o filósofo elaborou a lista das dez regras para o controlo social. A premissa necessária é que os maiores meios de comunicação estão nas mãos dos grandes potentados económico-financeiros, interessados em filtrar apenas certas mensagens. Mas como é que eles condicionam as nossas vidas? O decálogo para o controlo social passa por mencionar a estratégia da distracção, criar o problema e depois oferecer a solução, a estratégia da gradualidade, a estratégia de adiamento, o dirigir-se às pessoas enquanto crianças, usar o aspecto emocional muito mais do que a reflexão, manter as pessoas na ignorância e na mediocridade, estimular o público a ser a favor da mediocridade, reforçar a culpabilidade e conhecer as pessoas melhor do que elas se conhecem. A estratégia da distracção é a primeira e mais importante regra, pois “desviar a atenção do público dos problemas sociais e mantê-lo preso por questões sem verdadeira importância”. Manter as pessoas ocupadas, sem lhe dar tempo para pensar, voltando sempre à “quinta como os outros animais”. O elemento primordial do controlo social é, portanto, distrair as pessoas, desviá-las dos problemas e mudanças importantes decididos pelas elites políticas e económicas, através da técnica de dilúvio ou inundação de distracções contínuas e de informação insignificante. A estratégia de distracção é também indispensável para evitar que o público se interesse por conhecimentos essenciais nas áreas da ciência, economia, psicologia, neurobiologia e cibernética. Em suma, manter a atenção do público presa por temas sem verdadeira importância e desviá-la dos problemas sociais. A segunda regra é criar o problema e depois oferecer a solução. Esta regra parece mais actual do que nunca. O método é também designado por “problema-reacção-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” que irá produzir uma certa reacção no público, de modo que esta é a razão das medidas que se pretende que sejam aceites. Há muitos exemplos, como deixar a violência urbana propagar-se ou intensificar-se, ou organizar ataques sangrentos para que o público exija leis e políticas de segurança à custa das liberdades, ou mesmo criar uma crise económica para que a redução dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos sejam aceites como um mal necessário. A terceira regra é estratégia do gradualismo e para que uma medida inaceitável seja aceite, basta aplicá-la gradualmente, com o conta-gotas, durante um certo número de anos consecutivos. Foi assim que foram impostas condições socioeconómicas radicalmente novas (neoliberalismo) nos anos de 1980 e 1990 com um Estado mínimo, privatização, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que não garantiam rendimentos decentes, tantas mudanças que teriam causado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez. Oferecê-las ao “público” pouco a pouco, permite ao poder fazer aceitar estas condições de uma forma menos traumática e como inevitável. A quarta regra é estratégia de adiamento, ou seja, outra forma de conseguir que uma decisão impopular seja aceite é apresentá-la como “dolorosa e necessária”, obtendo o consentimento das pessoas para uma futura aplicação. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Em primeiro lugar, porque o esforço não tem de ser feito de imediato. E depois, porque as pessoas, o povo, tende sempre a esperar ingenuamente que “tudo será melhor amanhã” e que o sacrifício necessário poderia ser evitado, o que dá às pessoas mais tempo para se habituarem à ideia de mudança e para a aceitarem com resignação quando chegar o momento da execução. A quinta regra é dirigir-se às pessoas enquanto crianças, pois a maioria da publicidade directa ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e uma entoação particularmente infantil, muitas vezes com uma voz fraca, como se o espectador fosse uma criatura de poucos anos ou um idiota. Quanto mais se tenta enganar o espectador, mais se tende a usar um tom infantil. Se alguém, de facto, se dirige a uma pessoa como se ela tivesse doze anos de idade ou menos, então, devido à sua sugestibilidade, tenderá provavelmente a responder ou a reagir de uma forma crítica sem sentido como uma pessoa com doze anos de idade ou menos. A sexta regra é usar o aspecto emocional muito mais do que a reflexão, pois alavancar a emocionalidade é uma técnica clássica para provocar um curto-circuito na análise racional e, finalmente, no sentido crítico do indivíduo. Além disso, o uso do tom emocional abre a porta ao inconsciente para implantar ou injectar ideias, desejos e medos, ou para induzir comportamentos. A sétima regra é manter as pessoas na ignorância e na mediocridade. Tornar as pessoas incapazes de compreender as técnicas e métodos utilizados para o seu controlo e escravatura. A qualidade da educação dada às classes sociais mais baixas deve ser tão pobre e medíocre quanto possível, de modo que a distância criada pela ignorância entre as classes mais baixas e mais altas é e continua a ser impossível para as classes mais baixas ultrapassar. A oitava regra é incentivar o público a ser a favor da mediocridade. Encorajar o público a acreditar que está na moda ser estúpido, vulgar e ignorante. A nona regra é reforçar a culpabilidade. Fazer o indivíduo acreditar que só ele é responsável pelo seu infortúnio devido a inteligência, capacidade ou esforço insuficiente. Desta forma, em vez de se revoltar contra o sistema económico, o indivíduo desvaloriza-se e sente-se culpado, o que, por sua vez, cria um estado de repressão do qual um dos efeitos é a inibição de agir. A décima regra é de conhecer as pessoas melhor do que elas próprias. Nos últimos 50 anos, os rápidos avanços da ciência criaram um fosso crescente entre o conhecimento das pessoas e o das elites dominantes. Graças à biologia, neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem podido beneficiar de conhecimentos avançados do ser humano, tanto física como psicologicamente. O sistema tem sido capaz de conhecer o indivíduo comum muito melhor do que ele próprio se conhece, o que significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um maior controlo e poder sobre as pessoas, muito maior do que as pessoas exercem sobre si próprias. Será possível escapar ao controlo social? A resposta é positiva, quebrando essas mesmas regras que nos querem enjaular. Ao visar o conhecimento e a análise, o confronto e a pluralidade de opiniões, ao voltar a ser público crítico e ao não aceitar a priori o que nos é imposto. Trata-se de escavar para além da superfície. Este é o verdadeiro desafio que se coloca, na sua esmagadora maioria. Os noticiários-media não se limitam apenas a estabelecer a pertinência de determinados argumentos. A investigação sobre o “enquadramento das notícias” considera que a forma ao qual é apresentada uma notícia também afecta o que as pessoas pensam dos problemas. A nova geração de notícias diz respeito aos aspectos estruturais da crónica, incluindo o exame dos símbolos utilizados na construção de notícias. Com o termo enquadramento significa uma ideia de organização central ou a linha da história que fornece o significado. “Para enquadrar” (configurar) significa seleccionar certos aspectos de uma realidade percebida e tornar estes aspectos mais salientes numa comunicação, de modo a promover uma definição do problema específico, uma interpretação causal, uma avaliação moral, ou uma recomendação de tratamento. As notícias falsas ou verdadeiras sobre a Covid-19 podem ser formuladas de várias formas, como uma história de tragédia humanitária, como uma história de má sanidade, como uma história de heroísmo dos profissionais de saúde ou como uma conspiração económica.