Chuxia Deng, investigador e reitor da Faculdade de Ciências Médicas da UM: “É possível prevenir o cancro da mama”

Ao fim de quatro anos, uma equipa de 12 investigadores da Universidade de Macau (UM) descobriu um meio de travar a proliferação do cancro da mama e bloquear o aparecimento de metástases após cirurgia. Chuxia Deng, professor que liderou a investigação, aponta o caminho a percorrer e a razão porque Macau, assim como outros países asiáticos, regista muito menos casos que o Ocidente

 

[dropcap]Q[/dropcap]ual a importância deste estudo?

A importância desta descoberta assenta sobre vários aspectos. O primeiro de todos é que o cancro da mama ocorre com maior frequência nas mulheres, afectando anualmente mais de dois milhões de pacientes do sexo feminino e provocando a morte a mais de 600 mil. O gene sobre o qual estivemos a trabalhar chama-se BRCA1, cuja mutação está relacionada com o aumento do risco de desenvolver cancro da mama. O que isso quer dizer é que, estando a mutação deste gene relacionada com o aparecimento de cancro da mama de origem hereditária, as pessoas portadoras da mutação do gene BRCA1 têm muito mais possibilidades de contrair cancro da mama. Outro ponto de foco da nossa equipa foi o facto da mutação provocada pelo BRCA1 estar relacionado com os casos mais graves de cancro da mama, os do tipo triplo negativo (TNBC). Apesar deste tipo de cancro da mama ser muito difícil de tratar, descobrimos que o BRCA1 tem uma nova função que revelou ser de extrema importância. Isto porque antes, pensávamos que este gene estava apenas relacionado com a regeneração de ADN, mas no nosso estudo descobrimos que é também responsável por manter a integridade das mitocôndrias que, no caso de estarem danificadas, podem provocar inflamações e, consequentemente, a criação de tumores e metástases. Foi essa a nossa descoberta. Mas fomos mais longe e descobrimos que, ao utilizarmos inibidores contra inflamações, é possível parar a proliferação do cancro e bloquear o aparecimento de metástases. Portanto, esse é também um ponto muito importante desta pesquisa.

O que é que na prática passa a poder ser feito de forma diferente no tratamento e prevenção do reaparecimento do cancro da mama?

O nosso estudo aborda também um ângulo muito interessante porque em muitas pessoas, após serem operadas para a remoção dos tecidos cancerígenas, por vezes, volta a verificar-se a recorrência e o aparecimento de metástases. Isso quer dizer que após a cirurgia, mesmo que o cancro tenha sido removido, por vezes, ele pode voltar a aparecer. Nesse sentido, descobrimos que a ocorrência de inflamações desempenha um papel crucial porque, no nosso caso, ao conseguirmos tratar da inflamação, bloqueamos a formação de tecido cancerígena e também o aparecimento de metástases. Por isso, o nosso estudo sugere que, em alguns casos, após a cirurgia, o paciente seja tratado com inibidores inflamatórios para reduzir o risco do cancro voltar a aparecer. Isto é algo que temos muita vontade de aplicar.

Em que é que o vosso estudo se distância de outros sobre o cancro da mama e quais os próximos passos para futuras investigações?

O nosso estudo abordou apenas uma pequena parcela daquilo que é o universo do cancro da mama, porque a maioria dos cancros da mama não estão relacionados com o gene BRCA1. Mas, na minha opinião, podemos começar por assumir uma pequena parte para entender o mecanismo inerente a este tipo de cancro e, assim, gradualmente, sermos capazes de entender uma regra que pode ser aplicável a outros tipos de cancro. Por isso, faseadamente, pretendemos expandir o nosso trabalho a outros tipos de cancro da mama e compreender se o mesmo mecanismo se aplica. Outro objectivo do nosso estudo é compreender se o microambiente tumoral implicado no cancro da mama, também pode ser estendido a outros tipos de cancro, generalizando-o a uma maior fatia da população.

Acredita que a evolução do panorama do cancro da mama tem sido positiva?

Existem actualmente muitas abordagens relativas ao cancro da mama. O cancro da mama pode ser de vários tipos e, para a maior parte, já estamos preparados para lidar com eles e curá-los. Mas o problema são aqueles que estão relacionados com a mutação do gene BRAC1 ou do tipo triplo negativo, que são os mais difíceis de tratar. Por isso, a nossa estratégia passa por “atacar” estes dois tipos de cancros. No entanto, para os cancros relacionados com a mutação de gene, muitas pessoas já estão sensibilizadas para a questão da prevenção, como são exemplo as doenças genéticas. Nestes casos, é possível fazer sequências para descobrir essas mutações e actuar sobre elas. Um desses exemplos é o caso de Angelina Jolie, que em 2013, quando descobriu que tinha sofrido uma mutação do gene BRCA1, tomou a iniciativa de se sujeitar a uma cirurgia para remover a mama. Mais tarde, acabaria também por remover a outra mama como forma de prevenção. No entanto, existem muitos progressos que estão a ser feitos nesta área e outros factores de prevenção, nomeadamente ambientais e imunológicos relativos ao mecanismo inflamatório. Podemos tomar muitas acções para tentar impedir o aparecimento deste tipo de cancro.

O que deve ser feito ao nível da sensibilização e prevenção do cancro da mama? Quais os sinais para os quais as pessoas devem estar atentas?

Temos de transmitir que o cancro da mama afecta essencialmente as mulheres e que tem uma elevada taxa de frequência, causando muitas mortes. Mas também queremos que as pessoas saibam que é possível prevenir este tipo de cancro. É possível fazer uma detecção precoce. Em muitos países ocidentais, como os EUA, as mulheres a partir dos 50 anos devem fazer uma mamografia anual, de forma a actuar numa fase inicial sobre um eventual problema. O mesmo deve ser feito também em relação aos casos em que existem antecedentes familiares de cancro da mama. Por isso, este é um tipo de cancro em que é possível actuar de forma preventiva e essa mensagem tem de chegar às pessoas. Também é preciso estar atento às questões do sistema imunitário. Um sistema imunitário forte pode reduzir o aparecimento de inflamações e, consequentemente, deste tipo de cancro.

Quais os principais desafios que encontraram durante a investigação?

O principal desafio diz respeito à dificuldade na obtenção de amostras clínicas, isto porque Macau não tem assim tantos pacientes diagnosticados com cancro da mama. Por isso, para futuros trabalhos estamos a considerar proceder a ensaios clínicos fora de Macau. Por outro lado, as áreas circundantes têm vários exemplos como Zhuhai e, por isso, gostaríamos de examinar mais casos clínicos.

Porque decidiu avançar com este estudo e quando começou a estudar o tema do cancro da mama?

Participei num estudo sobre o cancro da mama em 1992, na Universidade de Harvard. A partir desse ano, optei pelo estudo nesta área porque sinto que é muito interessante e porque a taxa de incidência é muito elevada. Nos EUA, a taxa de incidência do cancro da mama é muito maior do que a de Macau ou da China e, por isso, acho que é um grande desafio. Em 1994 comecei a trabalhar sobre o gene BRAC1, por isso já levo 26 anos de trabalho sobre este tema.

Qual é o panorama do cancro da mama em Macau?

Em Macau, apesar de a taxa de incidência ser inferior à dos países ocidentais, existem anualmente cerca de 150 casos de cancro da mama, acabando por morrer cerca de 30 mulheres. É o tipo de cancro mais comum entre as mulheres de Macau. É preciso actuar. Através da prevenção é possível reduzir, no futuro, os riscos relacionados com o cancro da mama.

Qual a razão para o número de casos em Macau e noutros países asiáticos ser consideravelmente mais baixo que nos países ocidentais?

O cancro da mama pode ter origem em múltiplos factores. Um diz respeito à própria genética e neste aspecto, os países ocidentais têm maior incidência entre a sua população, nomeadamente quanto à mutação dos genes BRAC1 ou BRAC2. Outro aspecto está relacionado com o estilo de vida, por exemplo, o tipo de alimentação dos países ocidentais pode promover a formação do cancro da mama. Existem estudos a relatar que a taxa de incidência do cancro da mama aumentou em mulheres asiáticas a partir do momento em que se mudaram para os EUA. Por isso, acredito que há uma forte possibilidade de estar relacionado com a alimentação. O mesmo acontece, por exemplo, com o cancro do cólon que é muito mais frequente no Ocidente que no Oriente.

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