Guilherme Pegado, um ilustre macaense

[dropcap]O[/dropcap] Professor Guilherme José António Dias Pegado nasceu em Macau em 1803. Além de académico (lente de Física e Matemática da Escola Politécnica de Lisboa e professor de Matemática na Universidade de Coimbra), foi também deputado às Cortes pelo círculo de Macau, em sucessivas legislaturas a partir de 1834. Era irmão de outro ilustre macaense, Manuel Maria Dias Pegado, fundador de três jornais em Macau: “Gazeta de Macau” (semanário), “O Portuguez na China” e “Procurador dos Macaístas”, que se publicaram sequencialmente entre 1839 e 1845”.

Professor Guilherme Pegado, fundador da meteorologia do Estado em Portugal

Na sequência da Conferência Marítima de Bruxelas que se realizou no verão de 1853, Guilherme Pegado divulgou em Portugal os critérios para a uniformização dos procedimentos referentes às observações meteorológicas no mar, tendo preparado, para esse efeito, a publicação “Notas explicativas para compor os extratos do diário náutico, conforme o plano aprovado e recomendado pela conferência marítima de Bruxelas”. Foi na viagem entre Lisboa e Macau da corveta D.João I, em 1853, que estas instruções foram postas pela primeira vez em prática em navios portugueses.

Deve-se aos seus conhecimentos e perseverança a criação da primeira estrutura em Portugal que se pode classificar como meteorologia do Estado. Foi sob sua proposta, numa reunião do Conselho da Escola Politécnica de Lisboa, em 21 de julho de 1853, que foi criado o Observatório Meteorológico do Infante D. Luís (OMIDL), numa torre junto do que restava daquela Escola após um violento incêndio, dez anos antes. O Observatório começou a funcionar em 1 de outubro de 1854, data a partir da qual se passaram a registar séries ininterruptas de observações meteorológicas em Lisboa.

Segundo Mário Calado, diretor dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau em 1967-1970, na sua publicação “A Meteorologia em Portugal antes do Serviço Meteorológico Nacional”, “o célebre médico higienista Dr. Ricardo Jorge (1858-1939) refere no seu estudo Demografia e Higiene da Cidade do Porto que em 1854 o Estado decidiu cortar o vergonhoso atraso da Meteorologia nacional pela criação em Lisboa do Observatório do Infante D. Luís”.

Observatório Meteorológico do Infante D. Luís, em 1854

Por falta de pessoal, Guilherme Pegado exerceu sozinho durante quase um ano múltiplas tarefas, entre as quais zelar pelo edifício, calibrar os instrumentos e proceder às observações do meio dia. Em agosto de 1855, ajudado por dois oficiais da marinha, passaram-se a fazer quatro observações diárias, às 9, 12, 15 e 21 horas.

Pouco depois da inauguração do OMIDL, um acontecimento relacionado com a guerra da Crimeia alertou a comunidade científica para a necessidade de os vários observatórios meteorológicos já existentes na Europa estarem ligados por telégrafo elétrico. Em 14 de novembro de 1854, uma forte tempestade afundou cerca de quarenta navios da esquadra franco-anglo-turca, que combatia as forças do Império Russo no mar Negro.

Este acontecimento contribuiu para reforçar a ideia de se criar um serviço meteorológico internacional, através do qual passaria a ser possível a troca de dados meteorológicos observados simultaneamente em vários países. Nessa altura já se sabia que as tempestades eram precedidas por uma descida acentuada da pressão atmosférica e da rotação significativa da direção do vento. Atendendo a que o deslocamento dos fenómenos meteorológicos na Europa se processam, em geral, com forte componente de oeste para leste, se fosse possível comunicar aos países mais a leste os dados observados, por exemplo, nos Açores e em Lisboa, esses países poderiam acompanhar a evolução do tempo e precaverem-se em caso de tempestades.

Após o desaire da esquadra franco-anglo-turca, o matemático e astrónomo francês Urbain Le Verrier (1811-1877), diretor do Observatório Astronómico de Paris, procedeu, em 1855, à recolha de dados de observações meteorológicas de outros observatórios europeus então existentes, referentes a alguns dias antes da data do naufrágio, o que lhe permitiu fazer uma análise post mortem. Assim, Le Verrier pôde verificar que a depressão que originou o naufrágio da esquadra já existia dois dias antes, em 12 de novembro de 1854, no noroeste da Europa, e que se deslocou para sueste durante os dois dias posteriores.

Feito o balanço deste desastre, concluiu-se que poderia ter sido evitado, se se conhecesse antecipadamente a localização e desenvolvimento do fenómeno meteorológico que lhe deu origem. Este acontecimento serviu de motivação para o governo francês incumbir Le Verrier de contactar os outros observatórios meteorológicos europeus que já possuíam telégrafo elétrico (nessa altura ainda não havia sido inventado o telégrafo sem fios), tendo-se estabelecido uma rede que permitiu a troca diária dos valores dos parâmetros meteorológicos medidos às 9 horas, constituindo assim, o que se denominou o primeiro serviço de meteorologia internacional.

Logo após a instalação do telégrafo no OMIDL, em 1857, os dados referentes às observações meteorológicas das 9 horas passaram a ser enviados para o Observatório de Paris. Em troca, o OMIDL passou a receber diariamente informação sobre a probabilidade do tempo que iria fazer em Lisboa no dia seguinte, informação esta que era difundida pelos jornais diários.

Faltava ainda a ligação telegráfica entre os Açores e Lisboa para que as previsões do tempo na Europa tivessem maior fiabilidade, o que só veio a concretizar-se com a instalação de um cabo submarino. Assim, a partir de 1893, os Açores passaram a estar ligados ao serviço de meteorologia internacional, o que foi muito apreciado pela comunidade meteorológica europeia, na medida em que as informações vindas de oeste eram imprescindíveis para uma maior fiabilidade das previsões nos países europeus.

A ação do Professor Guilherme Pegado constituiu um passo importante para a criação de um serviço meteorológico verdadeiramente nacional, o que só veio a concretizar-se em 1946, com a criação do Serviço Meteorológico Nacional, antecessor dos Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, Instituto de Meteorologia e Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

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