h | Artes, Letras e IdeiasO Fok Tak Chi da Avenida António Sérgio José Simões Morais - 24 Fev 2020 [dropcap]H[/dropcap]oje, dia 2 da 2.ª Lua celebra-se o aniversário de Tou Tei. Em Macau encontram-se nichos com o Tou Tei em toda a parte, uns pequenos colocados ao nível do chão na entrada de lojas e habitações, que actualmente tem vindo rapidamente a desaparecer, e outros em pequenos pavilhões, muitos estranhamente situados pois fora do alinhamento das ruas. Há ainda pequenos edifícios feitos para albergar o deus da terra (Tou Tei) em quase todos os bairros de Macau e o único que não tem creio ser S. Lázaro. Dois dos mais interessantes pequenos templos na península de Macau situam-se na Rua da Barca da Lenha e na Rua do Patane. Já os três principais templos são, o Tou Tei miu do Largo do Pagode do Patane, o Fok Tak Chi na Rua de Tomás da Rosa, no bairro da Horta da Mitra e o Templo da Felicidade e da Virtude da Avenida do Almirante Sérgio, entre os prédios 131 e 133. É sobre este último que aqui vamos escrever, através do que lemos da folha entregue pela senhora Va, que dele toma conta. Sendo o maior templo a Fok Tak em Macau, foi construído em 1868, sétimo ano do reinado Tong Zhi (1862-1874), após o governo português, por Portaria Provincial de 8/2/1867, ordenar que fossem ultimados os aterros que iam das Portas do Cerco até à Barra. Dava-se preferência aos proprietários locais, anteriores residentes nessa margem do Rio Oeste, que os quisessem aproveitar, retirando-lhes se os não ultimassem, ou exigissem um prazo excessivo para o fazer. Nesse local existira já um pequeno templo, como se constata no Edital de 29/10/1828, quando o mandarim de Heong-San proibia ao português Miguel Benvindo continuar as obras efectuadas à esquerda dum pequeno templo e à direita duma misteriosa pedra, denominada de Manduco, assim chamada devido a uma rocha aí existente e que pelo bater das águas parecia o coaxar das rãs, ou manducos, como são conhecidas em Macau as rãs grandes de água doce. Segundo o Boletim da Província de Macau e Timor de 24/2/1869: “Em Macau o aterro do rio, para o lado da Barra, acha-se já unido ao terreno do Pagode chinês, de sorte que hoje as povoações da Barra e Patane se acham em comunicação pela estrada marginal.” A zona da Praia do Manduco, sendo de grande actividade comercial, estava já toda ocupada com estabelecimentos e casas de habitação. Arranjou-se então um pequeno espaço (que pela localização acima referida era a do anterior templo) e aí os locais decidiram mandar construir o templo a Fok Tak. Por isso, o geomante que decidiu sobre a sua construção teve pouco espaço de manobra, pois os habitantes queriam rapidamente o templo para os ajudar a fazer bons negócios. Num artigo anterior referimos ser Fok Tak (Fu De) o nome dado em algumas províncias da China aos locais deuses da terra, que se tornou também o Deus da Riqueza devido a propiciar prosperidade a quem homenageava o falecido Zhang Fu De (张福德, 1044-973), cujo nome de cortesia era LianHui (濂辉). Oficial cobrador de impostos durante a dinastia Zhou do Oeste foi muito querido da população pela sua honestidade e bondade e por isso, após a sua morte espalhou-se a fama de proporcionar prosperidade a quem lhe oferecia sacrifícios. Nos três primeiros anos, as pessoas, que ofereceram dinheiro para a construção do templo, foram muito ajudadas pela divindade Fok Tak, correndo muito bem os negócios, levando muita gente a aí se dirigir para lhe pedir ajuda. Mas depois começaram os problemas devido ao fong-soi (Feng Shui) do templo. Um tufão ao passar por Macau em 2 de Setembro de 1871 levou-lhe todo o telhado, mas as casas ao lado não sofreram nada; algo muito estranho. Então as pessoas facilmente deram dinheiro para a sua reconstrução. O Templo da Felicidade e da Virtude da Avenida do Almirante Sérgio têm o ancião Weiling como o deus local da terra, cuja estátua no nicho principal é a única em Macau do Tou Tei com o tamanho de uma pessoa, sendo mesmo a maior existente na cidade; está sentada e é feita de madeira, que foi dourada. Outras são as divindades aqui adoradas, onde não poderia faltar Tin Hau, não estivesse o templo outrora junto à água de um dos ramais do Xijiang. Apresenta também um incensório em cobre de 1827, sétimo ano do reinado do Imperador Daoguang da dinastia Qing, sobre uma mesa de sacrifício do ano de 1868, uma das vinte mesas que no templo existiram. Já na última visita, encontramos na parede um papel encaixilhado onde o Instituto Cultural referia ter dali levado cinco peças do espólio, uma mesa, um carimbo em madeira, duas caixas onde os deuses Ziwei e Guan Yi se encontravam protegidos, assim como um tchim t’ông, recipiente cilíndrico de bambu onde são colocados dezenas de pauzinhos numerados, os tchôk tchim. Festa de Panchong Grande No B.O. de 1867 há uma pequena referência à Festa do Panchão Grande realizada no largo da Fonte do Lilau, mas uma das primeiras descrições sobre a festividade aparece num jornal de 1873. Ocorrida em Macau no dia 2 da segunda Lua, era então o deus da terra chamado deus penate, numa alusão ao Deus romano do Lar e da Família. Celebrada pelos chineses em vários quarteirões da cidade, era-lhe então dada o nome popular de Festa de Panchong Grande, talvez devido à longa tira de cartuchos de pólvora, o panchão grande, que aceso, interminavelmente vai estourando e provoca um imenso estardalhaço com uma intensa fumarada. A crónica referia: “Houve este ano grande emulação entre os festeiros, que se esmeraram principalmente em fazer longas e pomposas procissões, acompanhadas de muitas bandas de música, grandes bandeiras, lindos quadros e bailéus, em cima dos quais apareciam meninos e meninas representando vários episódios da mitologia chinesa, sendo o mais notável deles em que uma menina parecia estar de pé sobre um leque aberto, pois o ferro que sustentava a criança estava tão bem escondido, que fazia uma completa ilusão aos espectadores. Os chineses levam a origem desta festa aos tempos imemoriais, e não há casa nem família alguma que não tenha o seu deus penate, em honra do qual queima em certos dias da lua pivete e velas de cebo. Deu-se em Macau a esta festa o nome de panchong grande por queimarem por essa ocasião grandes petardos e muitos foguetes. Os chineses entusiasmam-se e dão muito dinheiro para as despesas da festa, porque julgam que quanto maior for a pompa e mais estrondosa for a festa, mais felizes serão os festeiros, os quais além disto se esforçam à porfia para apanharem o resto dos foguetes depois da explosão, porque encontram nisso um bom agouro. Cada quarteirão da cidade faz a sua festa em separado; as diversas comissões dos festeiros esforçam-se para sobressaírem uns aos outros, e com isso gasta-se uma grande quantidade de dinheiro. Há em Macau dois pagodes especialmente destinados aos deuses penates, um em Sankio, e outro na Praia do Manduco, e por isso são muito concorridos nestes dias, tanto por homens como por mulheres. Festa onde não entram os bonzos, porque não têm ligação com as religiões de Fo [Budismo] e Tau.”