Zhang Fu De tornou-se Tu Di Gong

[dropcap]O[/dropcap] deus da terra, (土地) Tu Di em mandarim e em cantonense Tou Tei, é em Fujian, Guangdong, Hunan, Jiangsu e Jiangxi conhecido através dos tauistas Zhengyi por Fok Tak (福德, Fu De), enquanto nas restantes províncias da China é designado por Tu Di. Para Fok (福, Fu) temos o significado de felicidade e para Tak (德, De), virtude. Informação obtida ao visitar o templo do deus da terra Fok Tak Chi na Avenida do Almirante Sérgio, quando questionamos sobre a diferença entre Tou Tei e Fok Tak a senhora Va, encarregue do templo. Deslocando-se ao edifício do lado, o Centro de Lazer e Recriação dos Anciãos da Associação dos Residentes do Bairro da Praia do Manduco, foi buscar uma folha escrita em chinês que nos passou para as mãos. Traduzida, ficamos a saber quem era a personagem histórica que deu origem à divindade Fu De.

Durante a dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.), no segundo ano do reinado do Rei Wu, em 1044 a.n.E. nasceu Zhang Fu De (张福德) no dia 2 da segunda Lua. Aos sete anos conseguia já ler textos antigos, sendo um jovem inteligente e respeitador. No décimo segundo ano do Rei Kang, Fu De com 35 anos de idade era oficial cobrador de taxas e, apesar da sua posição elevada, tratava as pessoas com consideração, fossem elas quem fossem.

Viveu durante a governação dos cinco primeiros reis da dinastia Zhou do Oeste (Wu, Cheng, Kang, Zhao e Mu) e no terceiro ano de reinado de Wang Mu, em 973 a.n.E., com a idade de 72 anos passou para o outro mundo. Durante três dias a sua face nada mudou, parecendo estar vivo, surpreendendo as pessoas que dele se foram despedir.

Com a sua morte, o lugar de cobrador de impostos foi ocupado por outro oficial, mas Wei Chao era completamento o oposto de Zhang Fu De. Não queria saber das pessoas e apenas pensava em dinheiro, roubando-as e por isso, estas empobreciam rapidamente. Os habitantes, comparando os comportamentos distintos entre os dois, sentiam grandes saudades daquele que, para além de ser oficial responsável por colectar taxas, se mostrara durante toda a sua vida, honesto, compreensivo, caritativo e mais do que tudo, um amigo em quem se podia confiar.

Certa vez, um dos habitantes mais pobres resolveu fazer-lhe sacrifícios para prestar homenagem ao querido defunto oficial, suspirando por esses tempos tão diferentes dos que então se viviam e os seus vizinhos começaram a ver a prosperidade a entrar-lhe em casa. Por isso, resolveram ergue-lhe um altar e para tal, com três pedras como paredes e uma outra por cima a cobrir, criaram um abrigo onde colocavam incenso e ofereciam sacrifícios àquele que, pelo seu digno comportamento se mostrou durante a vida um Ser Superior.

Tratavam-no como a divindade Fu De e estranhanhamente, quem a ele orava rapidamente se tornava rico, as suas plantações desenvolviam-se bem, o gado procriava bastante e a riqueza afluía. As pessoas passaram a acreditar que Zhang Fu De era mesmo um Deus e assim, resolveram construir-lhe um templo, onde colocaram no altar a sua imagem dourada.

Aos que lhe ofereciam sacrifícios, passavam pela sua influência a ter uma vida abastada e tal foi correndo de boca em boca, sendo cada vez mais as pessoas que ali iam venerá-lo. Muitas resolveram fazer em casa um nicho em sua honra e dessa maneira o seu culto propagou-se por toda a China, de tal maneira que chegou aos ouvidos do Rei Mu. Este, escutando a história de Fu De, deu-lhe então o título de Tu Di Gong (em cantonense Tou Tei Kong), sendo o significado de gong, ancião. Por isso existem dois nomes para o deus da terra, Fu De, o nome do oficial e o nome que o Rei Mu lhe deu, Tu Di Gong.

Como o panteão tauista só mil anos depois foi criado, pode-se assim perceber ser Tu Di um dos deuses mais antigos existentes na China.

O espírito da terra

Tu Di começara em tempos ancestrais por ser uma entidade abstracta, She Ji (社稷) o Espírito da terra (solo e grão), um dos mais antigos reverenciados pois conectado com a Agricultura a representar toda a terra arável. Teve referência especial no Livro dos Ritos (Li Ji), um dos Clássicos chineses compilados por Kong Fuzi (Confúcio) quando apenas a Filosofia do Dao era usada para governar o social e explicar o Universo.

Passou depois este, como guardião, a estar subdividido pelas cinco direcções, repartidas pelas cinco partes do Império Chinês. Segundo Ana Maria Amaro, “Os espíritos Tou Tei agrupam-se em cinco categorias, ou esferas administrativas: os Tou Tei do oriente, relacionados com a cor verde, os do sul, relacionados com o vermelho, os do oeste, relacionados com o branco, os do norte, relacionados com o negro e, finalmente, os do centro, relacionados com o amarelo.”

O culto do espírito da terra, She (社, Se em cantonense), foi oficializado em 198 a.n.E. pelo Imperador Liu Bang (206-195 a.n.E.), fundador da dinastia Han, que decretou dever o povo venerá-lo e fazer-lhe sacrifícios.

Com a introdução do Budismo na China no século I a.n,E, e sobretudo após a disseminação das suas divindades na Religião Taoista, criada no século II, passou-se a admitir uma série de cargos e de hierarquias no mundo dos deuses, semelhantes aos terrestres. A Tu Di, espírito protector de cada parcela do território, foi-lhe atribuído o cargo de Celeste Guarda Campestre. Este novo Tu Di, conhecido por Tu Di Lao Ye (土地老爷, Tou Tei Lou Ye), correspondia inteiramente ao anterior, que simbolizava o espírito da própria terra, She (社). A única diferença que, aliás, é costume atribuir-se a cada uma destas divindades, é a extensão da sua área de jurisdição. Enquanto o Espírito da terra, o She Ji (社稷), antigo Patrono do Solo, exerce a sua protecção sobre uma província inteira, ou, pelo menos, sobre uma prefeitura ou sub-prefeitura, as cidades muralhadas têm Cheng Huang (城隍, Seng Vong) como deus protector e por isso conhecido por Deus da Muralha e do Fosso e os Tu Di Lao Ye (土地老爷) apenas tem a seu cargo uma pequena porção de território, uma aldeia, montanha, gruta ou uma comuna, como refere Ana Maria Amaro.

Daí passou Tu Di a ser um deus com função, guardião local de uma pequena área de terra e dos seus habitantes e por isso, também considerado o deus da família. O deus da terra encarnava o espírito de uma pessoa que na zona vivera e após falecer, os habitantes, distinguindo-o pela sua virtude ou poderes sobrenaturais, escolhiam-no para seu protector e do lugar. Apresenta-se em dourados caracteres gravados ou impressos e em estátua, sendo também representado na forma de ancião, por vezes acompanhado pela consorte.

Tu Di preside ao bem-estar geral da localidade e cada uma realiza a sua festa particular. Na segunda Lua, refere Luiz Gonzaga Gomes, no dia 2 comemora-se o aniversário dos deuses locais, T’ôu-Têi Tán (土地诞, Tu Di Dan) e no dia 10 faz-se-lhe uma segunda festividade, assim como às Cinco Divindades dos Pontos Cardiais, os Ung-Fóng T’ôu-Sân (五方土神, Wu Fang Tu Shen). Já a 12, comemora-se Fôk-Tâk T’ôu-Têi-Kông tán (福德土地公诞, Fu De Tu Di Gong Dan), aniversário da divindade tutelar Fôk-Tâk, o Deus da Riqueza.

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