h | Artes, Letras e IdeiasRelógios e a divisão do tempo na China José Simões Morais - 20 Jan 2020 [dropcap]E[/dropcap]ra tal o desenvolvimento de Macau que em 1586 o Vice-rei da Índia D. Duarte de Meneses a passou a cidade, dando-lhe o nome de Cidade do Nome de Deus na China, assim como proibiu “a entrada na China a outros missionários além dos jesuítas”, segundo monsenhor Manuel Teixeira, que refere terem em Macau todos os frades espanhóis sido substituídos pelos portugueses em 1589. Para finalizar a História dos relógios como presentes, seguimos usando as informações deste religioso historiador, que refere, Ricci na China tornou-se o deus dos relojoeiros. Matteo Ricci chegou em Setembro de 1598 às portas de Beijing, mas encontrou um ambiente hostil contra os estrangeiros devido à invasão da Coreia pelo Japão e por isso foi para Nanjing, à espera que o clima na capital desanuviasse. Daí remeteu um memorial ao Imperador Wan Li referindo querer-lhe oferecer um sino que tocava sozinho. O tempo foi passando, até que um dia o Imperador se lembrou da carta escrita por forasteiros e logo os mandou chamar. Ricci e Diogo Pantoja partiram a 18 de Maio de 1600 num junco que transportava mercadorias pelo Grande Canal para a capital, onde chegaram a 24 de Janeiro de 1601 e três dias depois foram recebidos na corte imperial. O Imperador, que já ouvira falar de Ricci, ficou encantado com os presentes. Seguimos aqui a descrição do padre Manuel Teixeira do resto dessa história, “Explicaram então ao que os relógios eram instrumentos que, de dia e noite, davam as horas ou pela campainha, que os tocava, ou pelo mostrador, onde uns ponteiros as indicavam. Todavia, para isso, era preciso que S. Majestade destinasse alguém que aprendesse a tratar deles e que, em dois ou três dias, lhe seria ensinado tudo o que era preciso. Foram destinados para isso quatro eunucos; mas o imperador Van-li sentenciou: . Os mandarins tremeram e eles, que até ali se opunham a que os Padres se fixassem na capital, eram agora os primeiros a suplicar-lhes que ficassem ali. É que tinham medo de perder a cabeça se qualquer peça se desarranjasse. Como o relógio precisou de várias reparações, os Padres iam à corte fazê-las e entretinham-se com o imperador.” Os relógios mecânicos eram ainda uma novidade em todo o mundo, sendo normalmente usados os relógios de Água, os de maior precisão. Os relógios de Sol eram comuns e de fácil leitura, enquanto as ampulhetas de areia, as velas e os pauzinhos de incenso, exigiam alguém a tempo inteiro para deles cuidar, pois era preciso serem mudados quando chegassem ao fim. Nas cidades muralhadas chinesas as portas eram abertas ao amanhecer por oficiais locais com um toque de sino e à noite eram fechadas com uma batida de tambor. Os tambores davam as horas à noite e os sinos durante o dia. O marcar das horas era assinalado com 18 rápidas batidas e 18 lentas. Nas torres do tambor existiam desde a dinastia Song as clepsidras ou relógios de água e mais tarde paus de incenso, para que os toques não se realizassem fora de tempo. Já na dinastia Qing, a noite começava às 19 horas, quando os tambores tocavam por treze vezes, o que correspondia a acertar as horas. Divisão do tempo na China Na antiguidade o ser humano descobriu o Tempo através do ciclo diário de dia e noite e logo de seguida, durante o dia pela mudança do tamanho da projecção da sua sombra criada pelo Sol. A necessidade de fixar o Tempo e a sua passagem levou-o a observações mais atentas e se o relógio de Sol terá sido o primeiro instrumento que encontrou, outros foram aparecendo. “O relógio astronómico inventado na China muito antes da Europa ter descoberto o relógio mecânico no século XVII é considerado por Joseph Needham como o primeiro protótipo de relógio no mundo”, segundo refere Maria Trigoso. Desde a dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.), o dia contava com 12 shichen, relacionados com os ramos/raízes terrestres do sistema sexagenário (12 Di Zhi 地支) e adicionado a este talvez ainda antes, na dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.), o dia estava já dividido em 100 ke (cem partes), relacionado com os dez caules celestes (10 Tian Gan 天干). Se na dinastia Qin (221-206 a.n.E.) cada dia tinha dez partes, cabendo à noite cinco, já na Han (206 a.n.E.-220) apareceu o geng (a dividir o período nocturno em 5 geng) e o dia passou a estar dividido em 120 ke. Na dinastia Liang (907-923) um dia tinha 96 ke e 108 ke (108 número budista), até que na dinastia Ming, com a chegada dos relógios mecânicos provenientes do ocidente, ficou dividido em 96 ke tornando-se tal oficial na dinastia Qing. Ke Zero caia na meia-noite e Ke 50 no meio-dia, enquanto o início de quatro Ke coincidia com um shichen. Apenas o início de 96 ke precisava de ser anunciado. Já quanto à divisão do dia por os 12 ramos terrestres do sistema sexagenário, na dinastia Zhou do Oeste o dia contava com 12 shichen, correspondendo o primeiro a Zi Shi, mas tinha também outra denominação, Ye Ban (meio da noite), tornada oficial na dinastia Han; o segundo, Chou Shi ou Ji Ming (canto do galo); o terceiro, Yin Shi, ou Ping Dan (Sol abaixo do horizonte); o quarto, Mao Shi ou Ri Chu (Alvorada); o quinto, Chen Shi ou Shi Shi (tempo para comer); o sexto, Si Shi ou Yu Zhong (próximo do meio-dia); o sétimo Wu Shi ou Ri Zhong (meio do dia); o oitavo, Wei Shi ou Ri Die (após o meio do dia); o nono, Shen Shi ou Bu Shi (tempo de jantar); o décimo You Shi ou Ri Ru (Sol cai dentro da montanha); o décimo primeiro Xu Shi ou Huang Hun (Sol abaixo do horizonte); e o décimo segundo, Hai Shi ou Ren Ding (tempo para dormir). Se até ao início da dinastia Tang (618-907), Zi Shi, pela divisão actual das horas, começava à meia-noite e ia até às duas da manhã, a partir daí, Zi Shi passou a corresponder das 23h à uma da manhã e assim decorria sucessivamente pelos restantes onze shichen. Na dinastia Song, quando em 1088 Su Sung (1020-1101) criou o seu relógio de água, cada shichen passou a ter duas partes: a primeira era chu e a segunda zheng, isto é, zichu e zizheng, passando assim o dia a estar dividido em 24 partes. Com a chegada dos relógios mecânicos trazidos pelos jesuítas e o conceito de dia de 24 horas, para distinguirem os dois sistemas, as pessoas chamavam Xiaoshi (Pequeno Tempo) ao dia de 24 horas e Dashi (Grande Tempo) ao dia de 12 shichen e como já desde a dinastia Song cada shichen era dividido em dois passou cada um a ser chamado xiaoshi, correspondendo a uma hora. Assim apareceram os números a denominar as horas. Já quanto aos minutos, eles foram retirados da divisão do dia, que no início tinha 100 ke e mais tarde 96 ke, o que dava para cada hora 4 ke, correspondendo 1 ke a 15 minutos. Segundo J. Gernet, “os relógios serão uma das primeiras novidades importadas na China pelos jesuítas e Matteo Ricci parece ter-se tornado mais tarde o deus patrono dos relojoeiros chineses: no século XIX era venerado em Xangai com o nome de Bodhisattva Ricci.”