h | Artes, Letras e IdeiasProntuário Amélia Vieira - 8 Jan 2020 [dropcap]P[/dropcap]rontifiquemo-nos na língua pronta a usar pelos acordes programáticos da ortografia e vejamos como se pode comunicar sem “concordância” alguma, nem no passado, nem no presente, e muito menos no futuro que nos acolhe. O que fazem com a língua é uma questão bastante exaltante, e o que se escuta destas reformas dá-nos que pensar: talvez nem tenhamos já idade para aprender a mesma coisa outra vez da forma que desejam que se saiba. Ditongos e tritongos todos em lista de espera para ser pronunciados enquanto aguardam pela vistoria da norma, hiatos mal plantados, vogais mudas de espanto, e consoantes consoante a norma a sair. Sequências consequências, dobradas… Bem possível que o exercício da poesia nesta língua fuja para remotos locais com as Maiúsculas atrás… Aspas para citações comprometedoras… verbos defectivos e falantes defecáveis, uma imensa confusão se instalou nas mentes das gentes que também não prezam por características cartesianas na sua moldura penal e penosa, de pensamento. Que fazer? Continuar. Se por tudo e por nada tivermos de andar agarrados uns aos outros é certo e sabido que não fazemos nada. A arbitrariedade das normas de cada um para bem de todos é uma demonstração trepidante que pode paralisar as grandes soluções. Temos direito ao silêncio como nos Tribunais, e temos mais direitos ainda: que é o de não reparar. Repare-se nos níveis de trepidação, ou, sejamos claros: as normas existem para ser mudadas, mas mudar a norma equivale a um grande equívoco e as fracturas ao nível metafórico da substância de uma língua equivalem a longos períodos de padecimento. Ao tempo numeral juntámos um vocabulário cada vez mais amputado – para nos entendermos melhor, dizem – gentes que nem nunca falaram connosco e nós falamos uns com os outros em termos cada vez mais acusatórios, ficando assim uma inibidora impressão, de que, e para, que serve a língua. Fica-se triste! Os Pronomes Pessoais são imprecisos e não passam a átonos de forma natural. Há, no entanto, muitas Interjeições, está tudo mais ou menos espantado acerca de tudo e de nada, o que leva a pensar que não estão preparados para as novidades. Um ponto final arrasta-se sempre parecendo uma reticência, que bem encolhida, de novo se aproxima como se nada tivesse acontecido: uma capacidade de perdão sem sentido para uma incapacidade de dialogar que não há memória. Mas ele há sempre Verbos com um duplo particípio passado e formas ortográficas que desmantelam o aparelho fonador a níveis insustentáveis, aliás, este aparelho é um bem que possuímos, daí o atentado à sua geografia física durante séculos – cortando a cabeça solucionava-se assim um problema que a própria transcendência não conseguia resolver- e foi pensando no trauma de uma realidade outrora vivida que a Humanidade começou a gaguejar, arrastando vogais como se nas mãos de seus carrascos ainda estivesse. Há Acordos para estas coisas? Não. Mas elas são consensuais perante os falantes. Os Pronomes Átonos que devido a um socalco de voz passaram a “átomos”? E os factos que passaram a fatos, e os fatos que passaram a andrajos? E o “ir de encontro” em vez de ir ao encontro? De forma subliminar todos chocam de forma agreste, em vez de propor a coisa mais gentil que é rumar para outro. E o pronto e os pronto (s) e o pois e o depois, e o pá e o portanto? Uma grande disformidade por épocas tolhe a língua em grande dimensão que a voz como seu suporte logo nos faz sono e uma turbulência nos aflige. Talvez aulas de dicção, oratória, um Prontuário de palavras em canto… voz nos respectivos palatos e algum secreto amor por uma fonte gasosa que é a língua. O “Sujeito Composto” não chega para dignificar o verbo e os prestidigitadores devem aprender a ultrapassar a barreira da inconsequência. O discurso indirecto não trata da lateralidade, e o discurso directo não é nenhuma verdade sustentável, com pontos vitais e contenção poética se deve então vigiar as margens de uma língua. Para tanto se requer qualidade e graça e uma aturada sensibilidade, nunca esquecendo os seus trabalhadores: a língua nunca foi o dizer coisas. É outra coisa, que requer uma atenção que agora não tem.