EntrevistaLam U Tou, presidente da Associação da Sinergia de Macau: “Não me sinto restringido em termos de liberdade de expressão” Juana Ng Cen - 20 Dez 2019 Lam U Tou, um dos mais jovens líderes chineses de Macau, partilha a sua visão acerca dos assuntos que marcaram a região nos últimos vinte anos, fala de liberdade de expressão e antevê as principais questões e desafios do novo Executivo Como foram os últimos vinte anos após o retorno de Macau para administração chinesa? [dropcap]N[/dropcap]asci em Macau e nunca pensei que em vinte anos pudessem existir tantas mudanças. Ainda me lembro dos dias em que o Hotel Presidente e o Hotel Lisboa eram os mais luxuosos e em que, ao abrir a janela, podia olhar directamente para o mar, sem ver outros edifícios pelo meio. 15 anos depois, apareceram resorts como o Sands, o Wynn ou o MGM, que me impressionam muito. Outra parte interessante foi que, a partir de 2007, foi realizado pela primeira vez o NBA China Game no Fórum de Macau, até mesmo antes de ir para Hong Kong. Tudo isto foram para mim sinais de que o desenvolvimento económico de Macau se estava a tornar cada vez melhor, mas isso não significa que não tenhamos sofrido. Em 2003, por exemplo, por causa da epidemia do Síndroma Respiratório Agudo Severo (SARS), a economia ressentiu-se muito, sendo que o salário era apenas de 3.000 patacas para um administrativo recém-licenciado ou de 3.800 patacas para um engenheiro. Muito diferentes eram também a maioria dos procedimentos relacionados com o Governo, que eram complicados e confusos. Na época da administração portuguesa, aqueles que não sabiam português, não se atreviam a apresentar as suas dúvidas aos funcionários públicos e era assim o ambiente na altura. Depois do retorno de Macau para a administração chinesa, voltando a usar o cantonês, tudo se tornou mais cómodo. Na sua opinião, quais os assuntos que mais preocupam os cidadãos de Macau? A maioria dos problemas são derivados do crescimento acelerado, feito sem pensar no bem-estar da população e da questão da habitação. Apesar de não ser tão preocupante quando comparada com Hong Kong, a questão da habitação não permite aos jovens, adquirir a sua própria casa no futuro. O preço de uma residência semi-nova é bastante elevado, não sendo compatível com os seus salários. Falando sobre a lei das habitações públicas, às vezes parece que é preciso lutar para ver quem é o mais miserável ou quem tem mais sorte, para obter uma habitação. Para evitar este tipo de problemas, o Governo deve ter uma política e um planeamento específico para as habitações públicas, disponibilizando uma quantia anual de fracções aos cidadãos. Acho que o Governo tem sempre dificuldade em ver a realidade na discussão das suas políticas, pois defende que o arrendamento das habitações sociais, podem ter lucros. No entanto, os custos de operação, recursos, reparação e manutenção das instalações, entre outros elementos que é preciso manter para assegurar o seu normal funcionamento, custam ao Governo mais de mil milhões de patacas, valor esse, não recuperado pelo baixo valor da renda recebida mensalmente. Já a situação da habitação económica é totalmente oposta, pois os custos de construção do edifício, estacionamento, valor do terreno, despesas relacionadas com a consulta de especialistas, avaliação ambiental, e todos os outros gastos necessários para a concretização de uma fracção são mais baixos, sendo que a área da obra tem apenas o custo de 1600 patacas por metro quadrado. Além disso, existem, no total, 40 mil habitações públicas que podem ser construídas nos terrenos recuperados pelo Governo. No entanto, nos últimos anos, foram apenas construídas 4.100 fracções. Por isso, espero que as autoridades possam acelerar o processo de planeamento dos terrenos, de forma a construir 4 mil habitações por ano, e ter as 40 mil fracções públicas prontas ao fim dos próximos 10 anos. Outro problema que é urgente resolver diz respeito à expansão da linha do metro ligeiro. Nos próximos cinco anos Ho Iat Seng deve ser capaz de construir a linha leste do metro ligeiro juntamente com a quarta travessia marítima Macau-Taipa. O que pensa sobre a juventude de Macau ao nível do sentido patriótico? Licenciei-me na Universidade de Jinan e fiz o meu mestrado na Universidade de Pequim. Não rejeito o patriotismo, sou de Macau, mas também sou chinês. Não vou rejeitar a minha identidade chinesa e os trabalhos de educação sobre o amor patriótico. No entanto, os jovens têm agora de saber quais são os prós e contras do país, e ser eles a avaliar o que é bom e o que é mau, para depois, decidir a sua própria visão do país. Mas tenho de dizer que é inegável que a China está a fazer esforços para liderar a população rumo ao crescimento social e está a conseguir. Ainda assim existem problemas que devem ser resolvidos o mais rapidamente possível, relacionados com a justiça social e a extrema disparidade entre ricos e pobres. O que espera dos próximos 30 anos? Não sei o que vai acontecer nos próximos trinta anos, mas temos de enfrentá-los com optimismo. Actualmente existem políticas que não acompanham a evolução dos tempos e que podem estar na base da origem de conflitos sociais semelhantes à situação de Hong Kong. Mas é positivo pensar que, se forem lançadas políticas favoráveis neste período de transformação social, muitas situações negativas poderão ser evitadas. Espero, por isso que o futuro governo, possa construir um sistema baseado na mudança da regulamentação em vigor. O que mais contribuiu para a sua decisão de concorrer às eleições legislativas? Comecei a trabalhar, primeiro, como assistente de Kwan Tsui Hang, ex-deputada à Assembleia Legislativa e, a partir daí, tanto a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) como a ex-deputada ofereceram-me muitas oportunidades. Fui aos bairros para falar com os cidadãos e conhecer quais os problemas a que a sociedade deve prestar atenção. Mas durante os anos em que estive na FAOM, descobri que existem temas que não estão a ser abordados, portanto, achei que era importante ter um espaço independente das associações e decidi criar a Associação da Sinergia de Macau. Foi tudo decidido rapidamente. Comecei a falar com os interessados em Dezembro de 2016, tendo a associação sido estabelecida logo em Março do ano seguinte. Depois, candidatei-me às eleições legislativas. Confesso que não esperava garantir um lugar no hemiciclo, mas sinto-me muito grato pelos 7.162 votos que obtive. Revelámos somente o nosso programa político à imagem das “linhas de acção governativa”, o qual tinha mais de 18.000 caracteres chineses, fornecendo formas de resolver os problemas sociais. Sente que existe liberdade de expressão em Macau? Em Macau, não me sinto restringido em termos de liberdade de expressão, mesmo falando inúmeras vezes sobre assuntos onde considerei a acção do Governo insuficiente. Eu sei que há pessoas que pensam que existe “terror branco” ou um “tecto transparente” na cidade que não permite que as pessoas expressem livremente as suas opiniões sobre o Governo ou outros temas relevantes. Mas tenho de dizer que, até agora, ainda não recebi nenhuma chamada ou alerta para não falar acerca de casos específicos. Talvez seja porque estou mais preocupado com os factos e não particularmente com os indivíduos. Para mim, o mais importante é alcançar medidas para solucionar as questões. Sobre a liberdade de expressão, desconheço situações de censura mas, de facto, nunca me senti visado. O nosso papel na sociedade é servir de ponte entre os cidadãos e o Governo para, juntos, encontrarmos soluções. É impossível resolver um problema apenas por nós próprios.