António Júlio Duarte, fotógrafo de Macau em mudança: “Era uma terra adormecida… parada no tempo…”

Primeiro fotografou Macau durante os anos 90, quando o pequeno território lhe pareceu parado no tempo à espera de algo. No ano da transferência de administração de Macau, António Júlio Duarte voltou para registar com a lente um ano especial que ficaria para a História. Mais tarde, publicou livros de fotografia sobre o desenvolvimento que Macau conheceu, sem esquecer a campanha eleitoral protagonizada por Chui Sai On em 2009, que cobriu para o Hoje Macau

 

[dropcap]N[/dropcap]ão estava previsto, mas a vida profissional do fotógrafo António Júlio Duarte ficou ligada a Macau. Desde as primeiras fotografias, tiradas na década de 90, às imagens captadas no ano da transferência de soberania, sem esquecer a era RAEM, o trabalho de António Júlio Duarte tem acompanhado a evolução do território.

Em Lisboa, o fotógrafo recorda o primeiro momento em que pisou Macau. “A primeira vez que fui a Macau foi em 1990 e um bocado por acaso: fui por mim. Tinha interesse em viajar e trabalhar no Extremo Oriente, na altura tinha pessoas conhecidas em Macau e decidi ir. Depois de Macau fui para outros lados. Tinha pessoas lá e isso era bom para um primeiro contacto com o Oriente.”

António Júlio Duarte recorda-se sobretudo da melancolia. “Fotografei essencialmente pessoas nos jardins. Na altura pareceu-me uma terra um bocado adormecida, perdida no tempo, mas isto é relativo, porque a Ásia está sempre um bocado à frente daquilo que se passa no resto do mundo. Deve ser uma das razões pelas quais trabalho lá.”

“Mas, dos contactos que tive com a comunidade portuguesa, havia ali uma certa melancolia que não é comum ao resto da Ásia, talvez por causa dessa presença portuguesa, que é uma coisa que me irrita profundamente”, acrescentou.

Em 1995 o fotógrafo publicaria o livro “East West”, com fotografias de Macau, um território “que se tornou numa espécie de sítio onde gosta de trabalhar”. À época, achou “o território triste, e as fotografias que fiz nessa altura são todas muito melancólicas”. “Estava a aproximar-se uma grande mudança, talvez fosse por isso”, frisou.

António Júlio Duarte acabaria por protagonizar, ainda antes da transferência de administração, uma exposição em Macau com o apoio da Fundação Oriente (FO).

Formado na escola Ar.Co, em Lisboa, e no Royal College of Arts de Londres, António Júlio Duarte acabaria por ser novamente convidado pela FO para fotografar o último ano da administração portuguesa, liderada pelo Governador Vasco Rocha Vieira.

Na década de 90, António Júlio Duarte diz ter ficado surpreendido com o distanciamento entre as comunidades chinesa e portuguesa. “Era quase como se houvesse duas cidades paralelas que raramente se tocam. Essa é uma das razoes pelas quais Macau me fascina, por causa dessa estranheza que vem daí, de haver dois povos que raramente comunicam com uma grande barreira linguística grande, num espaço tão pequeno como é Macau.”

Quando regressa, em 1999, António Júlio Duarte depara-se com uma cidade em constante mutação. “Havia a conclusão de obras grandes, uma preocupação do Governo português em deixar obra feita, a fim de permitir que Macau tivesse uma maior autonomia. Mas também foi uma altura conturbada em Macau, com o fim do monopólio do jogo.” O fotógrafo recorda “clima de inquietação no ar”.

Depois de 1999, António Júlio Duarte dedicou-se a fotografar os casinos de Macau, símbolo de um fulgor económico, imagens que constam no livro “White Noise”, publicado em 2011. “O território já se tinha tornado noutra coisa qualquer, e foi isso que me interessou”, aponta.

Fotografar Chui Sai On

Em 2009, o fotógrafo abraçou um projecto político ao fotografar a campanha eleitoral de Chui Sai On para o cargo de Chefe do Executivo, para o qual foi eleito para um primeiro mandato. Daí nasceu o livro “O Candidato”, graças a um trabalho realizado na redacção do HM.

“Entre 2008 e 2011 fui com mais frequência a Macau por causa de um colectivo de fotógrafos que existia em Lisboa na altura que era o KameraPhoto, em que produzíamos mais trabalho ligado à prática jornalística. Havia essa campanha eleitoral e achei que era bom trabalhar sobre isso pelo lado quase ficcional que tinha, pelo facto de ser um único candidato fazer uma campanha de sensibilização à população como se fosse uma campanha eleitoral com todo o aparato de uma campanha em qualquer outro ponto do mundo.”

O que atraiu o fotógrafo foi “esse lado de figura inatingível”. “Havia todo um mecanismo de segurança à volta da campanha e do próprio candidato que para mim não fazia nenhum sentido, sendo Macau pequeno e seguro. Havia a construção dessa máquina mediática e de segurança à volta de uma coisa que na realidade não existe. Por isso é que no trabalho eu fotografo quase sempre Chui Sai On de costas, porque não quero trabalhar sobre ele mas sobre esta figura, do aparato, e sobre o candidato, numa coisa mais abstracta”, recorda.

“Mercúrio” nasceria em 2015 enquanto projecto fruto de uma parceria com a Galeria Pedro Alfacinha e produzido pela Galeria Zé dos Bois. “Foi feito sempre em ambientes nocturnos mas são coisas muito abstractas, não necessariamente documentais. Esse foi um fechar de ciclo, e de momento não tenho planos para Macau.”

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