Paulo Cunha-Alves | “Crise criou vaga de migrantes portugueses que não devem ficar para sempre”

O cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong acredita que a vaga mais recente de portugueses em Macau não tenciona ficar no território, ao contrário do que aconteceu nos anos 80 e 90. Apesar de elogiar os esforços da manutenção do legado português, Paulo Cunha-Alves defendeu que é preciso alargar o uso do português na Justiça e ainda, apostar na melhoria das ligações aéreas Macau-Lisboa

 
[dropcap]O[/dropcap] cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong disse, numa entrevista por escrito à agência Lusa, que a crise económica e a falta de oportunidades motivaram a mais recente vaga de portugueses no território, acreditando que estes “talvez (…) não tencionem ficar para sempre”.
Paulo Cunha-Alves traçou uma distinção entre os expatriados portugueses que se encontram em Macau há 20 ou mais anos e aqueles que emigraram na última década: “Diria que a principal diferença tem a ver com a experiência que os primeiros têm do território e das mudanças a que este foi sujeito nos últimos 20 anos”. Já a comunidade mais recente, segundo o diplomata, “veio para Macau à procura de oportunidades que escassearam em Portugal, no período subsequente à crise financeira internacional iniciada em 2008/2009”.
O embaixador defendeu que “talvez estes últimos não tencionem ficar para sempre em Macau, ao contrário de muitos que aqui chegaram nos anos 80 e 90 do século passado, ainda antes da transição da administração do território para a RPC [República Popular da China]”.
Estimando que existam 170 mil portadores de passaporte português entre os residentes em Macau e em Hong Kong, embora destes apenas cerca de seis ou sete mil serão expatriados, Paulo Cunha-Alves sublinhou que a actual comunidade portuguesa está “bem integrada no meio” e que o seu “papel tem sido reconhecido pelas autoridades da RAEM em diversas ocasiões”.
“É uma comunidade constituída essencialmente por quadros profissionais liberais, como engenheiros, arquitectos, médicos, professores, advogados, jornalistas, que aqui encontraram boas condições de trabalho e de vida”, assinalou o diplomata.
Em relação a Hong Kong, especificamente, Paulo Cunha-Alves retratou-a como “uma comunidade antiga, ali existente há já várias gerações, com origem em Macau e Xangai, muito bem integrada na sociedade e bem sucedida do ponto de vista económico e social”.
Com os protestos pró-democracia há mais de seis meses naquele território vizinho, têm crescido as solicitações. “Sim, temos notado esse aumento. As principais razões (…) estão relacionadas com a revalidação de cartões de cidadão, de passaportes, pedidos de nacionalidade e pedidos de informação sobre a obtenção de vistos Gold (Autorização de Residência para Investimento)”, explicou o embaixador.

Português na Justiça

Paulo Cunha-Alves elogiou ainda os esforços locais na preservação, manutenção e consolidação do legado português, mas defendeu que é possível melhorar a utilização do português na administração da Justiça em Macau.
“No que respeita ao património, material e imaterial, edifícios e língua portuguesa, penso que o Governo da RAEM tem feito um esforço de investimento considerável pela sua preservação, manutenção e consolidação, também fruto da orientação estabelecida pelo Governo central da RPC”, sublinhou na mesma entrevista.
“Obviamente que será sempre possível fazer melhor, em particular no que respeita ao uso mais alargado do português, por exemplo, na administração da Justiça”, defendeu o diplomata.
Questionado se o compromisso sino-português tem sido respeitado em Macau, desde a liberdade de expressão até outros direitos básicos da população, Paulo Cunha-Alves disse que se encontra “plenamente reflectido na Lei Básica” da RAEM.
“O Governo português tem acompanhado a sua implementação ao longo dos últimos 20 anos e considera que os compromissos assumidos em matéria da especificidade jurídica de Macau têm sido cumpridos de forma satisfatória”, sustentou.
Quanto às queixas e situações mais relevantes com as quais o consulado é confrontado, o cônsul admitiu que “as principais dificuldades (…) estão relacionadas com escassez de recursos humanos e com o ritmo de rotação do pessoal que é elevado”.

Nos dois sentidos

Na mesma entrevista escrita, o Embaixador considerou que melhorar as ligações aéreas Macau-Lisboa, desenvolver parcerias empresariais e falar-se mais de Macau em Portugal seria importante para reforçar a cooperação mútua. Paulo Cunha-Alves disse ainda que para se reforçar a diplomacia económica e cultural “seria também importante desenvolver o turismo nos dois sentidos e melhorar as ligações aéreas entre Macau e Lisboa”.
“Julgo ainda pertinente o desenvolvimento de parcerias empresariais entre empresários de Portugal e da RAEM, com a disponibilização de ambas as partes para acções de investimento nos dois sentidos”, sustentou o diplomata.
O embaixador salientou que, “sem que exista um conhecimento mais aprofundado entre os dois povos, não será fácil convencer empresários, artistas e outros agentes da cultura a visitarem Macau e a relacionarem-se com a RAEM”.

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