h | Artes, Letras e IdeiasOs jesuítas instalam-se em Macau José Simões Morais - 18 Nov 2019 [dropcap]A[/dropcap] Embaixada de Diogo Pereira e Gil de Góis à corte de Beijing falhou, muito devido à falta de qualidade dos presentes enviados de Malaca e das informações dadas para a capital do Celeste Império (China) pelo Comandante dos dois Guangs e Vice-ministro da Guerra Wu Guifang, que fez tudo para esta ser recusada. O comandante Tang Kekuan faltara à palavra dada aos portugueses aquando da ajuda militar por eles prestada, considerando como “uma vitória do seu próprio mérito e o Haidao [Wu Guifang], desconhecendo também o conteúdo do prometido, não os isentou do pagamento da mediação. Os bárbaros, inconformados com a situação, recusavam-se a pagar os direitos das suas mercadorias, o que fez com que as autoridades provinciais procurassem meios para colocá-los em apuros. Foi decretada a proibição de exportação de víveres para Macau. Esfomeados, os bárbaros acabaram por pagar os direitos em causa, mas lamentavam a falta de dignidade e de palavra por parte dos Chineses, sem saber que tudo tivesse sido obra do comandante Tang”, segundo Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, que sugerem uma justificação para os mandarins faltarem ao compromisso: “conseguida a vitória, eles tinham de informar Pequim do sucesso e não podiam revelar o auxílio militar português, que fora o factor decisivo da repressão do motim, pelo menos, em documentos oficiais, embora Pequim pudesse saber a verdade, que não convinha ser divulgada. E, por último, para isentar os Portugueses do pagamento dos direitos era preciso justificar perante a Corte.” Tien-Tsê Chang refere, “o governo em Pequim recusava-se firmemente a ter quaisquer relações oficiais com os portugueses.” Já Beatriz Basto da Silva, corrigindo na segunda edição da Cronologia da História de Macau o que deixara escrito na primeira, escreve, “Os portugueses de Macau recebem um agradecimento formal pela ajuda prestada na luta contra a rebelião de 1564, mas não se livram de pagar 20.000 taéis de prata pela ancoragem dos seus navios, nem do ‘foro do chão’ pelo uso da terra e do porto de Macau, que já vinha de 1559/1560 (500 taéis só para o foro). Recebem ainda a promessa de caso cumpram os direitos alfandegários, não lhes serem ‘tolhidos’ os mantimentos, antes ‘dobrados’. Trata-se do fecho e abertura das Portas do Cerco”, porta grande que João de Escobar refere existir em 1565. O fracasso da Embaixada levou também a Companhia de Jesus a não conseguir estabelecer-se na China. Aos jesuítas vindos na embaixada com Gil de Góis, os padres Francisco Perez e Manuel Teixeira e o Irmão André Pinto, nos finais do ano de 1565 o provincial da Índia António de Quadros deu-lhes ordens para ficar em Macau e estabelecerem-se em casa própria. Em Dezembro deixavam a habitação de Pero Quintero, andaluz e ex-mordomo do vice-rei do México, onde tinham duas dependências muito boas e cómodas e uma varanda com um altar, em que diziam cada dia duas missas, e junto a ela edificaram a primeira residência estável da Companhia de Jesus em Macau, construída de palha como eram todas as casas. Ao lado da actual igreja de Sto. António, local onde já em 1558 existia uma capela, a construção ficou a cargo do padre Francisco Perez. O padre André Fernandes chegava em 1565 para, juntamente com o padre Manuel Teixeira e o irmão André Pinto, dar assistência religiosa aos mercadores portugueses que sempre são muitos, mas durante esse século XVI os jesuítas não se mostraram interessados em converter os chineses que aí viviam. Rápido desenvolvimento de Macau Na península de Macau, situada no extremo Sul da grande ilha de Heung Shan (em mandarim Xiangshan), começava a surgir uma povoação de características portuguesas. O Censor Provincial de Guangdong/Guangxi Pang Shanpeng, que em 1564 esteve em Haojing (Macau), é o primeiro a referir o nome Ao Men (Ou Mun em cantonense) e escreveu que em menos de um ano os portugueses “construíram centenas de casas, existindo então mais de mil”, segundo José Maria Braga. Victor F. S. Sit refere, em 1563 Macau “por um lado, possuía apenas uma estrutura social fracamente organizada, e por outro lado, a China ainda não tinha reconhecido aos portugueses o direito de residência. A povoação portuguesa era governada pelo Capitão-mor das Viagens da China e do Japão, quando ele se encontrava em Macau. Na sua ausência, a administração competia a um senado localmente eleito, constituído por um juiz e três comerciantes proeminentes. Todavia, tratava-se duma organização que não possuía ratificação nem do Rei de Portugal, nem do vice-rei da Índia portuguesa. Nesse ano, o pirata chinês Zeng Yiben fez ataques a Cantão, Zhongshan e Macau. Foi nestas circunstâncias que, em Macau, chineses e portugueses se reuniram na construção, em 16 dias, duma muralha em terra batida à volta da povoação, com quatro torres quadradas de vigilância e 460 metros de comprimento. Isto pode ser considerado o primeiro passo na construção duma cidade permanente.” No período 1571/72 fora “formalizado o pagamento regular de Macau às autoridades chinesas provinciais de Guandong (500 taéis de prata que seguirão para o tesouro do Império)”, refere Beatriz Basto da Silva, que diz, “Entre 1573 e 1575, Macau consistia numa rua central cercada de grades de madeira, dando acesso a quatro quarteirões. Nada mais. Mas com paróquias e Igreja Matriz, Sto. António, depois N.ª Senhora, junto da Santa Casa, vigários e autoridades, e com cidadãos de mérito!” As primeiras instituições que apareceram em Macau foram obra de D. Melchior Carneiro Leitão S.J. (1515-1583). Sagrado Bispo de Niceia em Goa a 15 de Dezembro de 1555, foi em 1567 designado pelo Papa Pio V para governar as Missões da China e do Japão. Já em 1559, a par com o cardeal D. Henrique, tinha sido um dos fundadores e reitor da Universidade de Évora. Chegara em Junho de 1568 a Macau, onde fixou residência e logo criou um hospital para leprosos e em 1569 a Santa Casa da Misericórdia. Ano em que terá ido a Cantão, onde se demorou algum tempo e aí voltou em 1575, fazendo “em vão todos os esforços por estabelecer-se em Cantão, como Bispo da China que era”, segundo Benjamim Videira Pires. “O Bispo passaria a ter uma intervenção directa, embora informal, no governo daquele estabelecimento, juntamente com o capitão-mor da viagem ao Japão, uma vez que Macau não dispunha ainda de autoridades municipais.” Por bula de Gregório XIII de 23 de Janeiro de 1576, anexada ao Arcebispado de Goa foi criada a Diocese de Macau, desligando-se da de Malaca, à qual pertencera durante dezoito anos, sendo nomeado bispo D. Diogo Nunes de Figueira. Pela renúncia deste, foi D. Leonardo de Sá eleito Bispo do Japão e da China em 1578, mas só aqui chegou em 1581. Assim com jurisdição eclesiástica sobre o Extremo Oriente, que abrangia toda a China, Japão, terras vizinhas e ilhas adjacentes, ficou D. Melchior Carneiro como primeiro prelado a governar a Diocese de Macau. Assistia-se no Oriente a um enorme desenvolvimento missionário.