EntrevistaJosé Cesário, candidato à AR pelo Círculo Fora da Europa: “A EPM tem de estar na agenda política” Andreia Sofia Silva - 21 Ago 2019 José Cesário volta a candidatar-se ao lugar de deputado da Assembleia da República pelo Círculo Fora da Europa nas eleições legislativas de Outubro. Lamenta que o funcionamento dos consulados se tenha degradado ainda mais e espera colocar os conteúdos pedagógicos da Escola Portuguesa de Macau na sua agenda política Que balanço faz desta legislatura na Assembleia da República (AR)? [dropcap]F[/dropcap]oi muito marcada por alguns problemas muito específicos, isto falando na área das comunidades portuguesas. Foi uma legislatura muito condicionada pela questão da Venezuela, uma situação que evoluiu de forma anormal e que se mantém grave. O Brexit fez com que mantivéssemos uma grande atenção face à evolução da situação no Reino Unido na óptica do acompanhamento da nossa comunidade. Foi uma legislatura em que sentimos necessidade de manter o Governo sob uma grande pressão porque achámos, a partir de determinada altura, que a resposta dos nossos serviços administrativos na relação com os portugueses da diáspora, sobretudo no plano consular, foi uma resposta que ficou muito aquém do necessário e que, aliás, se foi degradando de forma muito visível. Registou-se um atraso nas marcações nos postos consulares, bem como enormes e brutais atrasos em Portugal que são essenciais para o funcionamento dos consulados, ligados à emissão de documentos e com a questão da nacionalidade. Esses atrasos passaram de três meses para dois anos. Houve muitas condicionantes, mas evidentemente que demos alguns passos. Quais? Um dos passos dado foi no plano da legislação eleitoral, tendo sido introduzidas algumas alterações na lei que acho que facilitam um pouco a votação dos portugueses na diáspora. Foi a regulamentação da lei da nacionalidade, embora não tenha sido a regulamentação que nós desejámos. Mesmo com a reprovação de várias propostas nossas neste domínio que visavam a simplificação dos procedimentos de aquisição de nacionalidade originária por parte dos netos dos descendentes portugueses, a verdade é que se deu um passo positivo, pois as pessoas já podem apresentar os seus pedidos e em alguns casos vão vê-los despachados favoravelmente. No âmbito da lei da nacionalidade há muitos pedidos em Macau? Macau tem pedidos, mas não lhe posso particularizar se são muitos ou poucos. As grandes alterações que se fizeram nos últimos tempos não são alterações que se repercutam muito em Macau, porque são direccionadas para as segundas gerações, os netos de cidadãos nacionais. Mas sei que mesmo no domínio da inscrição para nacionalidade de filhos portugueses já há muita gente de Macau e de Hong Kong, e sei que há alguns atrasos. Mantiveram-se os problemas de funcionamento do consulado em Macau. Gostava de ter visto uma melhoria neste campo? O que se passou em Macau passou-se noutros postos consulares, mas de facto a situação degradou-se muito. Sabemos que neste momento as marcações para a renovação de documentos estão com um período de espera de vários meses e isto tem a ver com vários factores que se arrastam desde o tempo em que estivemos no Governo, sobretudo as questões ligadas aos salários dos funcionários. Mas há novos factores, como a alteração do horário de trabalho dos funcionários sem que isto tenha sido acompanhado de um recrutamento de um número significativo de pessoas. O Governo quis tomar uma atitude simpática para com os funcionários, mas isso traduziu-se numa redução de um sexto ou um sétimo dos trabalhadores nos postos consulares. Não tendo havido esse recrutamento, e não se tendo recorrido mais a uma terciarização de serviços, é evidente que o resultado foi negativo. Macau é um desses casos, mas não é o único. No encontro anual do PSD sobre emigração, que decorreu este fim-de-semana em Portugal, quais foram os maiores problemas apontados? Discutiram-se opções políticas relativamente ao que faremos no futuro uma vez eleitos, quer na óptica de sermos Governo ou de ficarmos na AR. Essas opções serão divulgadas em breve, mas traduzem-se numa linha de continuidade com aquilo que tem sido a nossa acção. Existe a necessidade da legislação sobre a nacionalidade continuar a evoluir para que os processos sejam mais expeditos e menos burocratizados. Também é preciso que a rede de escolas portuguesas no estrangeiro continue a desenvolver-se e a legislação eleitoral ser mais ajustada à realidade actual. O voto electrónico tem de ser encarado de forma muito clara. São aspectos que no devido tempo serão discutidos e apresentados às pessoas. Sobre as próximas eleições legislativas. Volta a candidatar-se ao lugar de deputado, e Augusto Santos Silva é candidato pelo PS ao Círculo Fora da Europa. Que expectativas deposita neste acto eleitoral? A nossa expectativa é simples, é ganhar as eleições. É isso que está em causa e esperamos ganhá-las em Macau e no resto do círculo para onde me candidato. É evidente que respeito muito a candidatura de Santos Silva e tenho muita consideração por ele, acho que é um ministro com muita visibilidade. É um homem competente mas acho que no domínio das comunidades teve algumas falhas, até no domínio da proximidade com as pessoas. Mas é um adversário que valoriza muito este confronto eleitoral. Que falhas mais especificas aponta? Hoje os consulados estão a funcionar muito pior do que quando estava no Governo, não há comparação possível. Houve promessas que foram feitas no domínio da rede de escolas portuguesas. Ele (Augusto Santos Silva) assumiu, com data de início, a escola portuguesa de São Paulo e ainda hoje nada existe. No domínio da legislação eleitoral, o Governo não quis que se fosse mais longe do que se foi. Poder-se-ia ter ido mais longe e uniformizado, pelo menos, o método de votação para todas as eleições e não apenas para as legislativas. Por exemplo, a opção pelo voto presencial não foi divulgada e o Governo era obrigado a fazê-lo. Hoje, na área social, há menos apoios para as comunidades carenciadas do que quando estávamos no Governo. Santos Silva era o ministro (dos Negócios Estrangeiros), sei que estava mais preocupado com outras questões, mas aí falhou. Um estudo académico diz que o voto dos emigrantes portugueses tem menor representatividade face ao voto dos que residem em Portugal, e que os partidos são culpados disso. Qual o seu comentário sobre esta matéria? Desconheço o estudo. O que posso dizer é que houve mais propostas do que aquelas que foram aprovadas e que se deram passos positivos. Muitas não mereceram consenso por uma questão de fundo, pelo facto de haver posições de princípio na sociedade portuguesa, nomeadamente da parte de partidos de esquerda, que não permitem, por exemplo, que os cidadãos da diáspora possam votar nas mesmas condições em que votam os que residem em Portugal, com medo que isso altere completamente os resultados de actos eleitorais, como a eleição para o Presidente da República e o Parlamento Europeu sem que o círculo seja único. Este aspecto é basilar e fez com que, durante muito tempo, esses partidos de esquerda não aceitassem os votos dos não residentes em Portugal para a Presidência da República. A história não se reescreve, está escrita e dá-nos os factos. Essas forças políticas mais à esquerda têm estado a anos luz daquela que é a realidade da integração na diáspora na vida política portuguesa. Preocupa-se com a possibilidade de a abstenção voltar a ser elevada nestas eleições? Assusta-me, fico muito preocupado. Até porque há outro aspecto que é preciso ter em consideração, que é o facto de os sistemas de correios estarem a funcionar pior na generalidade dos países face ao que funcionavam há alguns anos. Em países como o Brasil ou a Venezuela os correios praticamente não funcionam. Admito que isso venha a influenciar fortemente o resultado final, que muita gente queira votar e não consiga, embora eu esteja à espera de mais votos do que nas últimas eleições. Tenho muito receio que a abstenção seja brutal. Macau tem um contexto específico de ter muitas pessoas com capacidade de voto nas eleições portuguesas que não dominam a língua. É necessário que os partidos tenham maior aproximação e mais medidas para estas pessoas, que passem pela tradução dos programas políticos? Claro que sim, por isso é que o meu partido tem procurado que nas suas estruturas locais haja pessoas com o domínio da língua chinesa, para poder haver uma interacção. Essa é uma realidade incontornável na China, Macau e Hong Kong, onde residem 30 mil portadores de passaporte português, mas é valido também na Índia, EUA ou Canadá, onde temos milhões de luso descendentes que não falam português. Neste sentido, a secção do PSD em Macau tem feito um bom trabalho ou podia ser mais activa? Esta resposta não lha posso dar como deputado pois têm de ser os militantes do partido a responder. A minha opinião pessoal é de que tem sido desenvolvido um trabalho interessante. Caso seja eleito, quais os pontos principais que terá na sua agenda? Há um aspecto muito importante em Macau que se prende com a Escola Portuguesa de Macau (EPM), e que tem de ser colocado de forma muito clara na agenda política, e eu vou continuar a insistir nesse ponto. Diz respeito ao projecto pedagógico da EPM, pois esta tem de ser olhada como uma escola que serve públicos muito diferenciados, pois há muitos possíveis alunos da escola que não vão prosseguir os seus estudos em Portugal. Esse projecto pedagógico tem de considerar esta parte oriental, mas que dá à EPM uma dimensão muito maior do que aquela que tem hoje. No domínio dos consulados e da resposta administrativa do Estado português, uma questão à qual me vou dedicar muito é sobre a possibilidade do passaporte português passar a ter uma maior data de validade do que aquela que tem hoje. Tem cinco anos de validade e poderia ir para dez anos ou um prazo superior. Assunção Cristas, líder do CDS-PP, defendeu a criação de um novo círculo eleitoral, destinado aos países lusófonos. Macau não é um país mas é um território onde se fala português. Qual a sua posição sobre esta matéria? Essa ideia não é nova, já foi discutida várias vezes. Não vou dizer como Macau ficaria porque só poderia ser analisada depois. Mas desejaria que o CDS-PP pudesse ter tido uma participação mais activa na discussão e aprovação deste tipo de legislação eleitoral. Foi o único partido que não votou favoravelmente sobre nenhuma das disposições que estiveram em cima da mesa, nem a gratuitidade do voto, o automatismo do recenseamento, a adopção do voto presencial e postal nas legislativas, a adopção do voto electrónico. O CDS-PP esteve muito longe de tudo isto e também das alterações à lei da nacionalidade. Acho que o partido é importante neste domínio, mas não basta atirar para o ar uma ideia ou outra. O que tem a dizer sobre a reacção das autoridades políticas portuguesas ao que se está a passar em Hong Kong, sobretudo face à forma como isso pode afectar as comunidades portuguesas residentes em Hong Kong e Macau? Estava à espera de uma melhor resposta? Nessa matéria nada nos separa do Governo, pois neste momento não existe a proposta em causa, porque foi retirada de discussão. Temos o princípio de respeito pela soberania de outros países e quebramos o nosso silêncio quando estão em causa de forma clara e inequívoca direitos fundamentais. Faríamos isso numa situação muito grave e extrema. Como a proposta foi retirada, não merece discussão.