InternacionalONU | Último relatório revela que mudanças climáticas ameaçam progresso e desenvolvimento sustentável Sofia Margarida Mota - 12 Jul 2019 A promoção do desenvolvimento sustentável corre a um ritmo demasiado lento. A conclusão é do último relatório da ONU, que está em discussão até dia 18 em Nova Iorque e que faz o balanço das metas a atingir até 2030. António Guterres apela a mais ambição por parte dos governos [dropcap]O[/dropcap]s desenvolvimentos alcançados ao longo das últimas décadas no âmbito do desenvolvimento sustentável do planeta estão em fase de regressão. O alerta foi dado na passada terça feira pela Organização das Nações Unidas (ONU) com a divulgação do relatório sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A razão, segundo o documento, deve-se aos impactos das mudanças climáticas e a “crescente desigualdade entre e dentro dos países” que estão a “minar o progresso na agenda de desenvolvimento sustentável. O resultado é a reversão de “muitos dos ganhos alcançados ao longo das últimas décadas que melhoraram as vidas das pessoas”, aponta o documento lançado no dia de abertura do Fórum Político de Alto Nível da ONU sobre a temática – um evento anual de revisão das metas. A recessão é “particularmente evidente nos objectivos relacionados com o meio ambiente”, aponta o documento que destaca as faltas no cumprimento de metas nas acções climáticas e de protecção da biodiversidade. Este último aspecto vai de encontro a outros relatórios oficiais emitidos recentemente que alertaram sobre “uma ameaça sem precedentes à biodiversidade”. Recorde-se que de acordo com a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecos Sistémicos, as próximas décadas podem levar à extinção de mais de um milhão, das cerca de oito milhões de espécies – animais e plantas – conhecidas no planeta, de acordo com os dados revelados em Paris, numa apresentação realizada no passado dia 7 de Maio. A situação foi sublinhada no encontro da ONU pelo secretário-geral António Guterres na abertura do evento que teve início dia 9 e se estende até dia 18. “O ambiente natural está a deteriorar-se a uma taxa alarmante: os níveis do mar estão a subir; a acidificação dos oceanos está a acelerar; os últimos quatro anos foram os mais quentes já registados; um milhão de espécies de plantas e animais estão em risco de extinção e a degradação do solo continua sem controlo”, disse. Mas a degradação ambiental não está apenas a ameaçar a vida de fauna e flora. A própria existência condigna do ser humano também enfrenta sérios riscos. De acordo com o relatório da ONU, as “condições climáticas extremas, desastres naturais mais frequentes e severos e o colapso dos ecossistemas estão a causar maior insegurança alimentar e a agravar seriamente a segurança e a saúde das pessoas, forçando muitas comunidades a sofrer com a pobreza, o deslocamento e as desigualdades crescentes”. Respostas necessárias Para combater as ameaças crescentes, o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Económicos e Sociais, Liu Zhenmin, frisou, na abertura da reunião, a importância de “fortalecer a cooperação internacional e a acção multilateral para enfrentar os desafios globais monumentais”, até porque “o tempo está a passar e é necessário tomar acções decisivas sobre mudanças climáticas”. “Os desafios assinalados neste relatório são problemas globais que exigem soluções globais”, acrescentou Liu na mesma ocasião. “Assim como os problemas estão inter-relacionados, as soluções para a pobreza, a desigualdade, as mudanças climáticas e outros desafios globais também estão interligadas”, acrescentou. António Guterres não deixou de apelar aos países por mais ambição na resolução de uma questão urgente. “Está claro que uma resposta bem mais profunda, mais rápida e mais ambiciosa é necessária para promover a transformação social e económica necessária para alcançar os nossos objectivos de 2030”, afirmou o secretário-geral da ONU. O Fórum Político de Alto Nível da Organização da ONU, está a ser realizado em Nova Iorque e conta com cerca de 2 000 participantes. O objectivo do encontro é analisar os avanços e desafios para atingir até 2030 os 17 objectivos que a organização internacional definiu em 2015. Estes objectivos agem sobre áreas como a erradicação da pobreza e da fome, saúde, educação, protecção ambiental ou igualdade de género. Pobreza estagnada, fome a aumentar Apesar da “extrema pobreza continuar a cair”, de acordo com a definição da ONU, a queda tem vindo a desacelerar de tal modo que as metas a atingir em 2030 se encontram ameaçadas. “A queda desacelerou de tal modo que o mundo, caso se mantenha o ritmo actual, não vai alcançar a meta de ter menos de 3 por cento da população vivendo nesta condição até 2030”, lê-se. De acordo com as estimativas actuais, é mais provável que essa taxa fique em torno de 6 por cento o que representa 420 milhões de pessoas afectadas. Na base da diminuição de ritmo, estão “conflitos violentos e desastres naturais”. O documento aponta como exemplo o Médio Oriente em que “a extrema pobreza era calculada em menos de 3 por cento, mas os confrontos na Síria e no Iémen levaram a um aumento da taxa de pobreza na região, deixando mais pessoas sem ter o que comer e sem ter onde morar”. Uma das consequências da pobreza é a fome, fenómeno que tem vindo a crescer com 821 milhões de pessoas subnutridas em 2017, segundo dados compilados pelo relatório. O continente africano continua a ser o mais atingido, onde o problema afecta um quinto da população, o equivalente a mais de 256 milhões de pessoas. António Guterres defendeu que o combate à fome pode passar pelo apoio à agricultura em pequena escala. “Produtores de alimentos em pequena escala e em regime familiar precisam de um apoio muito maior, e de um maior investimento em infra-estruturas e tecnologias para manter a agricultura sustentável, o que é necessário com urgência”, defendeu. O documento recorda que os países em desenvolvimento são os mais afectados pela falta de investimento no sector. “A proporção de pequenos produtores em países da África, Ásia e América Latina varia de 40 por cento a 85 por cento, bem acima do índice europeu, por exemplo, que fica abaixo dos 10 por cento”, aponta o relatório. De pouca saúde A saúde é outra área que continua ameaçada. Segundo o relatório da ONU, “pelo menos metade da população mundial — o equivalente a 3,5 mil milhões de pessoas — não tem acesso a serviços essenciais de saúde”. Em 2015, segundo a pesquisa, estimava-se que 303 mil mulheres morreram devido a complicações na gravidez e no parto”. Os números referem-se à escala global, mas a maioria dos casos que afectam a saúde reprodutiva das mulheres tem lugar na África Subsaariana. A pesquisa da ONU aponta ainda que o progresso nesta matéria está em fase de estagnação, sem desenvolvimento com a rapidez necessária para combater doenças como malária e a tuberculose. Recorde-se que, de acordo com os objectivos estabelecidos, o alvo é eliminar por completo estas doenças enquanto ameaças à saúde pública até 2030. “São necessários esforços coordenados para alcançar a cobertura universal de saúde, o financiamento sustentável da saúde e para enfrentar o impacto crescente das doenças não transmissíveis, inclusive (as associadas a) saúde mental”, afirmou Guterres. Igualdade sem progresso A nível global, nos últimos 12 meses, 20 por cento das mulheres entre os 15 e os 49 anos sofreram de actos de violência física ou sexual por parte dos parceiros. O índice de agressões é mais alto nos 47 países mais pobres do mundo designados pela ONU como países menos desenvolvidos. A pesquisa denuncia “progressos insuficientes” no combate às questões estruturais que estão na base do problema. Entre os problemas elencados pelo documento, estão “a discriminação legal, normas e atitudes sociais injustas, o processo de tomada de decisões sobre questões sexuais e reprodutivas e os baixos níveis de participação política”. “Estes desafios estão a minar os esforços para cumprir os objetivos da ONU”, acrescenta o relatório. António Guterres considera impossível o cumprimento das 17 metas para o desenvolvimento sustentável previstas para 2030 “sem alcançar a igualdade de género e a afirmação social da mulheres e meninas”, disse. Ainda assim, há alguns aspectos destacados como alvo de desenvolvimento positivo. “O levantamento recorda a queda significativa na ocorrência da mutilação genital feminina e no casamento infantil”, ressaltando, no entanto, “que os números para essas violações de direitos continuam altos”.