Relicário de sonhos III

[dropcap]S[/dropcap]onhei que toda a gente me perguntava constantemente pelos sapatos verdes de andar para trás. E eu ficava ofendida e magoada. Sei que a dada altura queria provar que não eram assim, que não eram verdes e que não os usava com esse propósito, e procurava por eles num grupo de caixas, em frente a algumas dessas pessoas, para depois encontrar, no meio de tantos, que pertenciam aos outros, um par de sapatos verdes intactos, que eram do meu número mas que eu sabia nunca ter calçado. Estava triste, e alguém me dizia que ia falar com o Rufus Wainwright, e ligava-lhe, na verdade eu estava chateada com o namorado dele, que não me consigo lembrar quem era, mas acho que também era conhecido, e ia procurar um poema que sabia ter escrito sobre isso. Quando o achei rasguei a folha em duas sem querer. Na altura já estava noutra sala e queria fazer as pazes, visto que eram ambos meus amigos. Não estava com eles mas conseguia vê-los de onde estavam. Para além disso, antes sonhei que o Lou Reed ia lá a casa para conhecer as minhas irmãs, que eram as Jenner mais novas, e tínhamos de provar que elas faziam bodyboard porque era o desporto preferido dele, e elas tinham de fingir que não sabiam que ele vinha. Mas o Lou só queria dormir, e até tive de o aconchegar. Quando se levantou finalmente e mesmo antes da apresentação, decidiu voltar para a cama, e as miúdas ficaram muito desapontadas, sentadas na beira da banheira com os seus fatos de bodyboard e as pranchas que mal cabiam no wc. Havia um buraco na porta que estávamos todos preocupados em ocultar, embora não perceba porquê.

Sonhei que fazia parte da família Kardashian e que estava com eles num hotel, e passava uma manhã inteira a nadar sem me cansar, toda a gente na piscina, Kim e Kanye inclusive, conversando, não me recordo sobre o quê, e eu tinha acabado de sair do hospital. A dada altura subia para escolher o quarto, havia muitos dentro da nossa suite, de seu nome Bairro Alto. Antes disso, andava pelas ruas com outras personagens, mas personagens mesmo, que fugiam, e talvez eu também, de alguém, e se disfarçavam, a dada altura, de apanhadores de lixo. Após passar o perigo eu tirava fotos, com as mãos, do edifício em frente, e o que fixei foi que iam sempre aparecendo cães diferentes em cada janela, que às vezes ocupavam a janela inteira, cães gigantes.

O prédio estava quase em ruínas, mas viviam lá pessoas que ocasionalmente surgiam ao lado dos cães. Ao lado havia um café muito bonito, onde vivia uma senhora que, diziam, também não era bem o que parecia. Eventualmente alguém ia lá obter informações, mas não me recordo de mais nada.

Sonhei que ia a uma livraria com a minha irmã, e ela dizia que eu tinha mesmo, mesmo de ler o “…Valsa Lenta” (ela nunca dizia o título todo, evitava De Profundis), e que não bastava ler o livro, tinha de ouvir a música, mas quando o folheava havia uma dedicatória para uma Joana e imagens de livro de receitas na contracapa. Havia mais dois livros que eu estava a ver, de capa preta, do mesmo autor, e um tinha capítulos minúsculos, mas do que li e agora não recordo, parecia ser muito bom; supostamente havia uma ordem correcta de leitura do conjunto de três. O dono da livraria estava ao nosso lado a aconselhar-nos, no entanto havia um casal a causar distúrbios mais à frente e então ele foi lá. Quando olhei para o lado direito (o senhor tinha estado do lado esquerdo), havia uma criança a treinar uma espécie de vira, para gáudio da avó. A mãe também aparecia, estava a arranjar a maquilhagem, e tinha um colar em forma de casa gigante e colorida que por algum motivo me lembrava os Pauliteiros de Miranda. Sei que tanto a mãe como a filha olhavam para os livros como se estivessem a ver-se ao espelho, e que antes de chegar à livraria tivemos de passar por muitos outros espaços e ficámos sempre paradas a falar com alguém. O resto ficou lá, mas fica sempre, não é?

Outro dia sonhei que ia a uma faculdade que ficava numa espécie de castelo, e que se podia adicionar/fazer amigos sem ter de estar com eles, e havia um rapaz que eu ia adicionar por recomendação de um amigo, no entanto hesitei e ele acabou por aparecer e impôr-se. Entretanto, aparecia um ex-amor, amigo desse rapaz, que me dizia que já sabia que eu ali estava mas tinha esperado pelo momento certo e fazia um belo discurso que, por algum motivo eu ficava muito feliz por ouvir. Em seguida eu atravessava um campo de futebol durante um jogo e defendia-me da bola com as mãos, acabando por pedir desculpa a todos, embora não fizesse parte de nenhuma das equipas. Depois, encontrava uma foto a preto e branco do futuro vencedor, lavado em lágrimas, de um prémio que vinha numa garrafa de cerveja. No cimo da torre estavam o Jorge Gabriel e uma apresentadora que não conheço a anunciar o dito. O chão coberto de tampas de abertura fácil de cerveja, gigantes e cinzentas, mas não havia ninguém na rua.

Sonhei que estava na faculdade e ia ao wc apenas para ser encurralada por três miúdas faladoras que pediam a minha opinião sobre um trabalho que iriam apresentar nesse mesmo dia, acerca da Barbie. Para além de o trabalho ser uma apresentação feita em quadro branco de sala de aula que elas transportavam para todo o lado, estava muito mal feito e parecia-me plágio de um trabalho que a minha irmã tinha apresentado. Como se não bastasse, a palavra Barbie estava mal escrita, “Barby”, e eu disse-lhes isto, mas elas não alteraram, e foram embora mas não sem antes me olharem com aquele desdém de quem sabe melhor do que eu como se escreve o nome da boneca mais famosa do mundo porque até há bem pouco tempo ainda brincavam com ela. Fui ter com a minha irmã e pelos vistos ela já estava em paz com o facto de toda a gente andar a copiar o trabalho dela, mas eu continuava preocupada com a palavra Barbie, receosa de estar errada, e não descansei enquanto não vi o logo algures e acabei o sonho dizendo, aliviada, “Eu sabia que era com ie no fim!”

2014

Sonhei que entrava no autocarro errado (ia para Sintra, vindo de muito longe), e assim que me apercebia pedia ao motorista para parar e deixar-me sair, contudo ele recusava, dizendo que se eu pagasse mais um euro ou lá o que era podia desviar-se até à cidade que me interessava. Eu ia à frente e o lugar do motorista era a meio, virado de lado, e conduzia com umas manivelas estranhas. O autocarro só tinha cinco bancos, todos eles ocupados, embora fosse de tamanho normal. Eu estava em constante assombro porque todas as pessoas estavam calmamente no meio da estrada e ninguém se desviava senão no último segundo. Era de noite e eu tinha muita pressa para ir pagar o condomínio de uma casa onde já não vivia há tanto tempo que tinha dificuldade em recordar-me da cidade e da rua onde vivera, e a única pessoa que poderia ajudar, e de quem eu só recordava o nome e o rosto, não atendia (tinha algumas pistas num papel que tentava ler, em vão, porque aparecia tudo em branco).

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