China / ÁsiaPortugal realizou primeira emissão de dívida em moeda chinesa Andreia Sofia Silva e Sofia Margarida Mota - 30 Mai 201931 Mai 2019 Portugal começou ontem a emitir dívida no valor de dois mil milhões de renmimbis. A operação, intitulada “Obrigações Panda”, deverá implicar nova venda de dívida, com o mesmo montante, em 2020. Economistas falam numa tentativa da China de internacionalização da sua moeda [dropcap]A[/dropcap] operação tem o nome do mais famoso animal chinês e é inédita para um país europeu. Portugal fez ontem uma emissão de dívida em moeda chinesa no valor de dois mil milhões de renmimbi (260 milhões de euros), com uma maturidade a três anos. As “Obrigações Panda” (Panda Bonds) prevêem, de acordo com o jornal Expresso, que em 2020 se fará nova emissão de dívida com o mesmo valor. Ainda assim, esta operação representa um pequeno montante, tendo em conta que a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) vai emitir, este ano, obrigações no valor de quase 16 mil milhões de euros, a maioria na moeda europeia. Com esta colocação, Portugal será o primeiro país da zona euro a emitir dívida em renmimbi. Na semana passada, quando confirmou a realização da operação, o secretário de Estado das Finanças afirmou que “o ‘pricing’ só será fechado no dia da operação, mas antecipa-se que seja superior ao equivalente em euros”. Ricardo Mourinho Félix adiantou que “é o custo de entrada num novo mercado”. Também a presidente da IGCP, Cristina Casalinho, já disse que a emissão de ‘Panda Bonds’ surgiu como “uma oportunidade” para Portugal continuar a alargar a base de investidores. “Hoje em dia dependemos crucialmente da base de investidores que temos e o que sabemos é que investidores que compram por exemplo em dívida alemã não investem em dívidas com níveis de risco mais elevado. Se a China pode surgir como uma alternativa de continuar no esforço de alargamento da base de investidores, é importante”, afirmou ainda a presidente do IGCP quando, na semana passada foi questionada sobre a operação. Na ocasião, a presidente do IGCP disse que a operação demorou dois anos a ser negociada e que acredita que, apesar de ter uma taxa de juro associada “significativamente” mais elevada, compensará no longo prazo. Entretanto, Mário Centeno, ministro português das Finanças, declarou ao canal de televisão CNBC que a colocação das “Obrigações Panda” a três anos em renminbis é “um passo positivo na gestão da dívida externa portuguesa no médio prazo”, disse. Segundo a Global Capital, esta operação no mercado obrigacionista interbancário chinês dirige-se a investidores institucionais tanto a nível onshore como offshore, incluindo o uso da plataforma Bond Connect, lançada em 2017, que permite a investidores adquirirem obrigações tanto no mercado da China como de Hong Kong. Por cá, Lionel Leung congratulou-se com a iniciativa lusa incentivando o reforço do papel de Macau enquanto plataforma entre a China e os países de língua portuguesa seja reforçado. “Fui, ainda, informado que Portugal será o primeiro país da zona Euro a concretizar a emissão de obrigações Panda denominadas em RMB no Interior da China. Esta circunstância, além de nos encorajar a continuar a envidar os maiores esforços nos nossos trabalhos, fomentando o papel de Macau enquanto plataforma de prestação de serviços entre a China e os países de língua portuguesa é também, bastante significativa”, disse o secretário para a Economia e Finanças durante a conferência sobre a promoção da cooperação entre instituições bancárias de Macau e dos países de língua portuguesa, que decorreu ontem na RAEM. Em prol da internacionalização Para o economista Albano Martins, ao permitir que Portugal faça emissão de dívida na sua moeda é mais um passo para a internacionalização do renmimbi. “À China interessa que isto aconteça porque faz circular moeda chinesa e fá-la tornar-se mais global. O renmimbi é uma moeda que está em constante depreciação”, defendeu ao HM. Esta quarta-feira foi divulgado um relatório por parte do Departamento do Tesouro norte-americano que pede à China que evite a contínua desvalorização da sua moeda, mantendo o gigante asiático na lista de economias que merecem atenção por más práticas de câmbio. O Tesouro norte-americano apontou que continua a ter “preocupações significativas” sobre as práticas monetárias chinesas, particularmente à luz do “desalinhamento e desvalorização ” do renminbi (nome oficial do yuan, a moeda nacional chinesa) em relação ao dólar. “A China deve fazer um esforço conjunto para melhorar a transparência das suas operações e taxas de câmbio”, lê-se no documento. A moeda chinesa desvalorizou 8 por cento em relação ao dólar, no ano passado, representando um superavit comercial bilateral “extremamente grande e crescente” que, segundo o documento, cifrou-se 419.000 milhões de dólares em 2018. José Morgado, economista, falou ao HM precisamente dos riscos cambiais para o Euro com a emissão de dívida em renmimbis. Tais operações “acarretam sempre um risco quando os países não têm resultados na moeda em que se endividam”. “Quando Portugal tem financiamento numa moeda diferente, a questão que se põe é se, na altura do financiamento, tem receitas nessa moeda ou não. Se não tem, deve fazer a troca na moeda cambial e terá de comprar a moeda que necessita. Aí pode haver um risco, porque se a moeda que está a comprar for mais cara, pode ter um custo superior.” Ainda assim, Morgado acredita que este é mais um passo dado pelo Governo Central em prol da internacionalização da sua moeda. “Para que o renmimbi se internacionalize é necessário que haja mais negócios nessa moeda. A China, de modo a não estar dependente das moedas tradicionais e mais internacionais, como o dólar e o Euro, está cada vez mais a tentar fomentar os negócios na moeda chinesa.” Tal “é importante em termos estratégicos para a economia chinesa, porque lhe dá uma posição geopolítica estratégica relativamente à moeda. Além disso, as empresas chinesas, que possuem negócios em renmimbis, não tem riscos cambiais associados por realizarem negócios noutras moedas”, acrescentou José Morgado. Zona Euro “frágil” Apesar de Portugal ser o único país da União Europeia (UE) a emitir dívida na moeda chinesa, cinco Estados-membros, nomeadamente a Alemanha, Bélgica, França, Irlanda e Itália colocaram, na semana passada, um total de 35 mil milhões de euros em títulos de médio e longo prazo através de leilões e operações organizadas por sindicatos bancários. Pagaram juros mais baixos em todas as emissões e registaram uma procura muito elevada nas operações sindicadas que chegou a mais de 70 mil milhões de euros. O mercado pareceu funcionar apesar dos avisos feitos a semana passada pelo Banco Central Europeu (BCE), que disse que a economia da zona Euro está “frágil”, escreveu o Expresso. Esta quarta-feira o Euro registou um valor mais baixo face ao dólar americano, numa altura em que se mantém a tensão entre Estados Unidos e China e os investidores procuram divisas consideradas refúgio, como o iene e o franco suíço. O Euro valia, no final da tarde de quarta-feira, 1,1134 dólares, abaixo dos 1,1165 a que negociava na terça-feira quase à mesma hora. O conflito entre Estados Unidos e China, que começou com a imposição de novas taxas alfandegárias, agravou-se depois da recente decisão do Governo norte-americano de colocar o grupo chinês de telecomunicações Huawei numa ‘lista negra’, invocando argumentos de segurança nacional. O Presidente norte-americano, Donald Trump, afirmou no Japão que os Estados Unidos “não estão prontos” para concluir um acordo com a China, mas também disse que existem “muito boas hipóteses” de isso acontecer em breve.