Extradição de condenados em fuga

Nos últimos dias, o Conselho Legislativo de Hong Kong tem estado ao rubro devido ao debate da Lei de Extradição de Condenados em Fuga. Treze mil pessoas saíram à rua para protestar contra a promulgação da lei, mas ainda não obtiveram qualquer resposta da Chefe do Executivo, Carrie Lam. O jovem residente de Hong Kong que alegadamente matou a namorada em Taiwan, caso que desencadeou este processo, já foi condenado a 29 meses de prisão, com uma acusação de lavagem de dinheiro. O Governo de Hong Kong terá por isso tempo suficiente para discutir com Taiwan a possibilidade (incluindo a sugestão avançada pelo campo Pró-democracia) de extradição do jovem. Mas, em vez de escutar as sugestões apresentadas, o Executivo da cidade faz ouvidos moucos e mantém a vontade de avançar com a lei. O campo Pró-governamental, devido à impaciência para aprovar o documento, despreza inclusivamente as Regras de Procedimento do Conselho Legislativo de Hong Kong, ao votar na substituição do pró-democrata James To, no cargo de Presidente do Comité da Proposta de Lei de Extradição. Este tipo de abuso de poder vai contra o espírito do Conselho Legislativo e contra a implementação do ideal “Um País Dois Sistemas”, ao mesmo tempo que sugere que o caso do jovem que matou a namorada não passa de um pretexto para implementar a Lei de Extradição dos Condenados em Fuga .

É óbvio que existe um consenso geral na condenação da infracção e de quem a pratica, mas a forma de lidar com crimes que envolvem dois sistemas jurídicos distintos tem de ser feita ponderadamente. Embora todos sejam iguais aos olhos da lei, as penas prescritas pelas diferentes legislações variam.

Na implementação do ideal “Um País Dois Sistemas”, o Governo da RAE de Macau tem actuado muitas vezes de forma pioneira, servindo de cobaia e posteriormente de modelo. Colaborou em pleno com o Governo Central na elaboração do Artigo 23 da Lei Básica e na criação da Comissão de Defesa da Segurança do Estado da RAEM. Mas no caso proposta da “Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal”, submetida à Assembleia Legislativa em Dezembro de 2015 para elaboração e posteriormente retirada pelo Governo da RAEM, a situação foi absolutamente extraordinária.

Devido à composição única da Assembleia Legislativa de Macau, apenas alguns deputados, poucos e sempre os mesmos, se atrevem a manifestar a sua oposição às diferentes propostas da lei. Além disso, desde que os diferentes comités da Assembleia Legislativa são presididos por deputados do campo pró-govenamental, a Assembleia Legislativa passou a ser um eco da voz do Governo. Qualquer proposta de lei é basicamente adoptada, a menos que seja retirada pelo próprio Governo. Não são necessárias quaisquer preocupações, as propostas de lei nunca são rejeitadas. Antigamente, só eram retiradas propostas de lei quando existia uma forte oposição popular (ex. Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções) ou aquelas que eram difíceis de implementar (ex. Regime Jurídico do Reordenamento dos Bairros Antigos). Mas a proposta de “Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal”, submetida à Assembleia Legislativa em finais de 2015, após discussão no Conselho Executivo, foi retirada pelo Governo. Segundo o comunicado oficial da altura, a secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, explicou que “devido às grandes diferenças no regime de jurisdição de Macau, China interior e Hong Kong, o tempo necessário para as negociações no âmbito da assistência judiciária em matéria penal com as partes tem requerido mais tempo do que o previsto. Assim, para que a Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal possa ser funcional, foi decidido alterar a estratégia e o processo legislativo”.

Três anos volvidos, a proposta de “Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal” continua a não ser enviada à Assembleia Legislativa para discussão. Aparentemente, a sua complexidade ultrapassa largamente qualquer previsão e requer muito mais tempo para estudos e negociações, de forma a evitar efeitos adversos a qualquer das partes envolvidas. No entanto, no caso da Lei de Extradição de Condenados em Fuga, o povo de Macau tem de estar preparado para desempenhar mais uma vez um papel patriótico de forma ainda mais fervorosa, no sentido de executar uma “missão irrealista mas que tem de ser viável”.

Macau e Hong Kong assinaram o “Acordo entre o Governo da Região Administrativa Especial de Macau e o Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong sobre a Transferência de Pessoas Condenadas” em 2005. Mas quanto à extradição de fugitivos, Macau não tomou medidas concretas como requeria o Código de Processo Penal (entrega de delinquentes – a entrega de delinquentes a outro Território ou Estado é regulada em lei especial). A retirada da proposta da “Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal” ilustra as diferenças jurídicas entre os Governos da China, de Taiwan, Hong Kong e de Macau. Embora o Governo da RAEHK reitere que, de acordo com a proposta de lei de Extradição de Condenados em Fuga, não haverá extradições por motivos políticos, poderão estar envolvidos imensos casos de crimes civis e financeiros. No quadro actual, em que a China e Hong Kong não vivem um momento de confiança mútua, a forma como o Governo da RAEHK está a forçar a aprovação da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga vai provocar mais dissensão social e aumentar o grau de desconfiança entre a China e Hong Kong.

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