InternacionalAmbiente | Mais de um milhão de espécies ameaçadas de extinção Sofia Margarida Mota - 9 Mai 2019 O cenário é preocupante e a responsabilidade é da acção humana, submissa ao paradigma do desenvolvimento económico e sem olhar a meios no que respeita à preservação do ambiente. Em causa está a possibilidade de extinção de mais de um milhão de espécies nas próximas décadas. A conclusão é da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecos sistémicos (IPBES) das Nações Unidas [dropcap]A[/dropcap]s próximas décadas podem levar à extinção de mais de um milhão, das cerca de oito milhões de espécies – animais e plantas – conhecidas no planeta. A conclusão é clara e faz parte do mais recente relatório apresentado pela Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecos sistémicos (IPBES na sigla inglesa) em Paris, no passado dia 7 de Maio. De acordo com o documento, a quantidade de animais por espécie, presente nos habitats naturais terrestres diminuiu em pelo menos 20 por cento, desde 1900. Actualmente, mais de 40 por cento das espécies de anfíbios, quase 33 por cento dos corais de recife e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos estão ameaçados. Os dados não são tão claros quando se fala de insectos, mas, ainda assim, os especialistas estimam que 10 por cento das espécies estejam fortemente ameaçadas. Pelo menos 680 espécies de vertebrados têm desaparecido, desde o séc. XVI e mais de nove por cento dos mamíferos que foram domesticados para uso alimentar e funções agrícolas também deixaram de existir, estando “pelo menos mais de mil raças ameaçadas”. Trata-se de uma “situação sem precedentes” alerta o relatório. A preocupação é sublinhada pelo presidente do IPBES, Robert Watson. “A esmagadora evidência da Avaliação Global do IPBES, vinda de um vasto leque de diferentes áreas de conhecimento, apresenta um quadro sinistro” aponta. Suicídio global O desequilíbrio do ecossistema, cada vez mais acentuado, não representa apenas o fim de outras espécies. É uma ameaça à própria espécie humana que desta forma acaba por destruir “a sua economia, os seus meios de subsistência, a sua segurança alimentar e a sua saúde e qualidade de vida”, sublinhou. Este é o alerta daquele que é “é o documento mais abrangente acerca deste tema, e o primeiro Relatório intergovernamental do seu tipo”, referiu Watson. O conteúdo foi compilado por 145 especialistas oriundos de 50 países e avalia as mudanças nas últimas cinco décadas, “fornecendo uma visão abrangente da relação entre os caminhos do desenvolvimento económico e o seu impacto na natureza”. Ainda há tempo Apesar do cenário actual ser assumidamente desanimador, Robert Watson não perde a esperança e aponta que ainda é tempo de evitar o pior. Mas para o efeito são precisas “mudanças transformadoras” a todos os níveis “do local ao global”. “Através de uma ‘mudança transformadora’, a natureza ainda pode ser conservada, restaurada e usada de forma sustentável”, revela, sendo que “por mudança transformadora” se entende “uma reorganização fundamental em todo o sistema, através de medidas tecnológicas, económicas e sociais, incluindo a mudança de paradigmas, de metas e de valores”. Tendo em conta que o mundo se tem comportado conforme os ditames de um desenvolvimento económico desenfreado, e dos interesses a ele associados, o reverter da situação actual não é fácil, e qualquer acção nesse sentido pode encontrar obstáculos erguidos “pelos interesses dominantes”. Por isso, o apelo é dirigido à maioria, ao público em geral que quer deixar um mundo aos seus descendentes. A este respeito a especialista argentina, Sandra Díaz que co-presidiu a avaliação global em conjunto com o alemão Josef Settele e o brasileiro Eduardo S. Brondízio, foi peremptória ao exaltar o papel do legado da biodiversidade para as gerações futuras. “A biodiversidade e as contribuições da natureza para as pessoas são a nossa herança comum e a mais importante ‘rede de segurança’ e de apoio à vida da humanidade. Mas a nossa rede de segurança está esticada até quase um ponto de ruptura (…), embora ainda tenhamos os meios para garantir um futuro sustentável para as pessoas e para o planeta”, refere a especialista. Relevância política Para lançar o alerta político, os autores deste relatório apresentaram pela primeira vez uma classificação dos grandes responsáveis pelo cenário actual e dos quais é necessária uma acção imediata. Por ordem decrescente de importância o relatório aponta a responsabilidade das mudanças no uso da terra e do mar; da exploração directa de recursos naturais; das alterações climáticas; da poluição e das espécies invasoras. A título de exemplo, o número de espécies exóticas invasoras por cada país, dos 21 que integram a plataforma, aumentou cerca de 70 por cento desde 1970, revelam os especialistas. Embora de forma mais indirecta, a perda da biodiversidade do planeta está relacionada com o aumento da população e do consumo per capita; com a inovação tecnológica e com questões de governação irresponsável. Um padrão que entretanto emerge no desenvolvimento mundial é o da interconectividade global que tem tido efeitos no desequilíbrio da vida no planeta. Trata-se do “fenómeno em que se dá a exploração de recursos numa parte do mundo para satisfazer as necessidades dos consumidores de outras regiões”, o que está a esgotar os recursos existentes. Pedidos repetidos O apelo a mudanças económicas e sociais profundas tem sido reiterado por peritos para proteger o planeta. Em Outubro do ano passado, a Plataforma Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, frisou esta questão, como sendo uma necessidade imprescindível para conter os gases que provocam o efeito de estufa com “a rapidez suficiente para evitar as consequências mais devastadoras do aquecimento global”. Agora, o relatório apresentado em Paris, não deixa de apontar que, desde 1980, as emissões de gases que provocam o efeito estufa duplicaram e a temperatura média global já aumentou em 0,7 graus. De acordo com os especialistas, “o impacto deve aumentar nas próximas décadas, superando as transformações provindas da utilização de terras e dos mares”. Direcção futura O relatório apresenta ainda uma série de acções a tomar tendo em conta a sustentabilidade e os caminhos para a alcançar, especificando medidas em sectores como a agricultura, a silvicultura, os sistemas marinhos, os sistemas de água doce, as áreas urbanas, a energia e as finanças. É destacada a importância em adoptar abordagens integradas de gestão que valorizem o equilíbrio na produção de alimentos e de energia, das infraestrutura, e no consumo de água doce e exploração costeira. Também identificada como um elemento-chave de políticas futuras mais sustentáveis está a evolução dos sistemas financeiros e económicos para a construção de uma economia global sustentável, “afastando-se do actual paradigma limitado ao crescimento económico”. Para o efeito, é necessária a adopção de uma ciência autoritária para dominar o conhecimento e as opções políticas, frisa a secretária executiva do IPBES, Anne Larigauderie. Os especialistas acreditam ainda que os resultados deste relatório vão permitir o aumento da pressão sobre os países para a protecção da vida selvagem. A esperança de novas opções políticas é já depositada numa conferência que deverá ocorrer na China no final do próximo ano. “A iniciativa pode reforçar o reconhecimento da necessidade de novas políticas tendo em conta a ameaça de extinção de espécies e as alterações climáticas”, aponta o documento. Números População global – duplicou desde 1970 de 3,7 para 7,6 mil milhões 75 por cento dos recursos de água doce aplicados na agricultura e pecuária Produção agrícola – aumentou 300 por cento desde 1970 Exploração de recursos naturais – duplicou desde 1980 100 milhões de hectares de floresta tropical foram perdidos entre 1980 e 2000 75% do ambiente terrestre “severamente alterado” por acções humanas