Emigração | Portugueses em Xangai, entre o chegar e o partir

Xangai, a maior cidade da China, é o grande centro financeiro do país e um destino para muitos portugueses, mas a volatilidade dos mercados também se estende aos emigrantes, que ora chegam, ora partem

 

[dropcap]C[/dropcap]elso Benídio chegou no dia anterior, enquanto Bruno Colaço parte após seis anos. São os extremos da comunidade portuguesa em Xangai, limitada pelas dificuldades em obter vistos e a fraca presença empresarial portuguesa.

No Consulado-Geral de Portugal em Xangai, que cobre também as províncias vizinhas de Jiangsu, Zhejiang, Anhui e Jiangxi, estão registados cerca de 580 portugueses. Mas o próprio cônsul-geral Israel Saraiva admite que haja muitos que tenham partido sem avisar as autoridades. A comunidade estará mais perto das 300 pessoas, estima Bruno Colaço, um dos fundadores do Clube Português de Xangai.

O número de portugueses registados no consulado estagnou desde 2017, coincidindo com um período em que a comunidade estrangeira em Xangai tem vindo a decrescer, diz Israel Saraiva. Uma das explicações, refere o diplomata, é a “questão complexa” dos vistos de trabalho para a China.

No caso de Celso Benídio, a empresa suíça que contratou o especialista em tecnologia já investiu mais de mil euros para conseguir um visto.

“Podes ser muito talentoso mas se não falas a língua a tua empresa tem que explicar muito bem porque vai contratar um estrangeiro e não um local”, diz o português. “Temos visto esta dinâmica a acentuar-se, sobretudo nos últimos três anos”, confirma Bruno Colaço.

O gestor lamenta que a comunidade esteja também limitada pela falta de uma diáspora empresarial na China. “Não há uma câmara de comércio e contam-se pelos dedos de uma mão o número de empresas portuguesas presentes efectivamente na China, com uma representação própria, um escritório e uma empresa legalmente estabelecida”, diz Bruno.

“Embora haja promessas e mais promessas, o quadro regulatório da China permanece relativamente complexo, o que não tem criado facilidades para as empresas”, explica Israel Saraiva. Ainda assim, o cônsul acredita a pressão externa, nomeadamente da União Europeia, tem levado a novas leis que vão no sentido de “tornar o ambiente regulatório mais previsível e menos aleatório”.

Marcelo e a reviravolta

Durante a visita oficial à China, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que existe “uma empatia” ao mais alto nível político nas relações luso-chinesas e pediu aos empresários que aproveitem este momento para “ir mais longe e ir mais depressa” nos negócios. As declarações foram proferidas, na semana passada, em Xangai, aquando da abertura de um seminário económico, perante empresários portugueses e chineses.

“É um momento que não podemos desperdiçar. Porque há a memória de um conhecimento recíproco, uma capacidade de compreensão também singular, porque há uma confiança que se criou. E a confiança é crucial. Está criada a confiança, a todos os níveis”, considerou.

Segundo o Presidente da República, nas recentes visitas recíprocas entre titulares do poder político de Portugal e da China, “entre primeiros-ministros, como desde logo entre presidentes da República, nasceu uma empatia, renovou-se uma empatia”. “O quadro hoje é um quadro de excelência nas relações políticas institucionais. E é um quadro de excelência na empatia pessoal”, reforçou.

O chefe de Estado defendeu que “isso é importante” para as empresas, argumentando que “a empatia no quadro político institucional pode facilitar ou dificultar as relações empresariais”.

Dirigindo-se aos empresários dos dois países, deixou-lhes um desafio: “É ir mais longe e ir mais depressa, porque a velocidade neste tempo é outra, e não há vazios, os vazios têm de ser preenchidos. Não podemos perder um minuto. Não podem perder um minuto na concretização dos vossos projectos”.

“Foi essa a mensagem que quis aqui trazer com a minha presença. Quis dizer que, naquilo que depende dos presidentes, nós estamos presentes: está presente o Presidente Xi, estou presente eu. Naquilo que depende dos poderes políticos, estamos presentes. Agora, a vida não se faz nem só nem sobretudo com os poderes políticos, faz-se com as pessoas, faz-se com os empresários, faz-se com aqueles que criam riqueza”, acrescentou.

Oscilações de números

Apesar dos discursos políticos, e face às dificuldades burocráticas de fixação na China, o número de portugueses em Xangai continua instável. No terreno o resultado dessas dificuldades é uma comunidade portuguesa flutuante, composta sobretudo por estudantes e profissionais a trabalhar para empresas multinacionais, como é o caso do marido de Patrícia Dias. “A nossa estadia aqui não será para a vida, ele tem um contrato de quatro anos e depois logo se vê”, diz a enfermeira, que está a estudar acupuntura em Xangai.

“Não é surpreendente que as pessoas estejam cá só um ano ou dois”, diz Israel Saraiva. “Estão integradas num projecto profissional, adquirem experiência, adquirem currículo e surge-lhes uma oportunidade noutro sítio, para porventura daqui a uns anos regressarem cá”, explica o cônsul.

É o caso de Henrique Dias, que veio há um mês do Dubai para Xangai, após ter trabalhado anteriormente em Guangzhou. “Acredito mesmo que neste momento no mundo só a China e a Índia têm potencial para continuar a crescer”, explica o arquitecto.

Íman do Yuan

Apesar do recente abrandamento económico, a China continua a ser para muitos portugueses um lugar de futuro. “Quando se fala de inovação em tecnologia, a China é a mais avançada em muitas áreas, nomeadamente aquelas viradas para o consumidor”, diz Celso Benídio.

João Graça Gomes, bolseiro da China Three Gorges, accionista da EDP – Energias de Portugal, está também optimista. “Assim que eu anunciei no LinkedIn que ia começar a estudar na Universidade Jiaotong de Xangai, recebi logo duas ofertas de emprego na China de uma empresa norte-americana”, revela o investigador em energias renováveis.

Ao ver o investimento chinês a chegar a Portugal, João já tinha começado a aprender mandarim no Instituto Confúcio em Lisboa. E não é o único a encarar a língua chinesa como uma vantagem competitiva. A filha de Patrícia Dias, de nove anos, frequenta uma escola internacional em Xangai onde está a aprender mandarim, falado e escrito. Mesmo Henrique Dias garante que a filha, com apenas nove meses, irá no futuro aprender a língua chinesa.

Entre chegadas e partidas, a maioria dos portugueses parece ter uma certeza, a de não ter planos para regressar ao país natal. “Aqui tenho a possibilidade de trabalhar no futebol de formação a tempo inteiro, o que não acontece em Portugal”, explica Rui Vitorino. “No nosso nível ninguém fica rico, mas dá-nos qualidade de vida”, diz o treinador dos sub-15 da zona de Yangpu.

“Adorava contribuir para o meu país mas não necessariamente voltar”, diz Celso Benídio. “Agora, trabalhar para uma empresa portuguesa e estar focado em Portugal, isso não, de todo”.

Metrópole em expansão

Hoje em dia, Xangai é um dos incontornáveis pólos financeiros numa época em que o centro de gravidade da economia global se desloca para o oriente.

Xangai tem uma população de cerca de 24 milhões de habitantes e está previsto que até 2050 dê o salto demográfico para uma marca algures entre os 35 e os 45 milhões de habitantes. Importante referir que no contexto circundante do Delta do Rio Yangtze, se estima que o número de habitantes ascenda aos 200 milhões.

A taxa de crescimento da cidade tem-se mantido estável e consistente desde a década de 1980, quando a população era menos de metade da actual. Apesar do crescimento do número de habitantes, Xangai soube reinventar-se para acompanhar este pulo demográfico. Por exemplo, a rede de metro da cidade, com comboios a circular em 12 linhas, é a mais extensa do mundo. Facto notável, principalmente se tivermos em conta que a primeira linha abriu apenas em 1993. Neste aspecto, importa referir que existem mais quatro linhas em construção, e cinco das existentes estão em expansão. Este exemplo é demonstrativo da forma como a cidade se soube equipar para fazer face ao salto demográfico.

Actualmente, Xangai de uma taxa de crescimento de entre 700 a 800 mil pessoas por ano. Em termos comparativos, Toronto é o centro urbano que regista maiores taxas de crescimento demográfico na América do Norte e Europa, com uma taxa entre 100 a 125 mil por ano.

Se a tendência continuar, estima-se que até 2025, mil milhões de pessoas vão viver nas grandes cidades chinesas.

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