Advogados impedidos de exercer direito de defesa de Scott Chiang

A juíza recusou o pedido da defesa de voltar a ouvir as testemunhas à luz da nova acusação, por achar que não haveria alteração substancial dos factos. Os advogados contestam a decisão e apontam que uma acusação diferente altera a forma de inquirir as testemunhas

[dropcap]A[/dropcap] sessão de terça-feira do julgamento de Scott Chiang por manifestação ilegal, que inicialmente incluía também o deputado Sulu Sou, terminou com os advogados do activista a queixarem-se que não lhes foi possível exercer o direito de defesa.

O julgamento, que terminou em Maio do ano passado, condenou Scott Chiang e Sulu Sou pelo crime de manifestação ilegal, apesar da acusação ter sido de desobediência qualificada.

A mudança do tipo de crime, apenas revelada na leitura da sentença, levou o Tribunal de Segunda Instância (TSI) a anular o julgamento da primeira instância. Porém, na terça-feira, as queixas da defesa voltaram a repetir-se, uma vez que a juíza Cheong Weng Tong não autorizou que fosse feita uma nova análise das provas, nem que as testemunhas fossem ouvidas à luz da nova acusação. A decisão de Cheong já tinha sido tomada após as férias judiciais da Páscoa, quando negou os requerimentos dos advogados Jorge Menezes e Pedro Leal.

“A única coisa que a juíza fez foi dar palavra aos advogados para se defenderem da questão da manifestação ilegal. Pura e simplesmente não quis saber dos factos, que era o mais importante”, afirmou Pedro Leal, à saída do tribunal, na terça-feira. “Todos os factos da primeira audiência [antes da primeira sentença] foram analisados no sentido de saber se eles tinham obedecido a uma ordem judicial. As questões para as testemunhas foram sempre: ‘respondeu ou não respondeu? Foram ou não dadas ordens?’. Nunca pensámos na questão de manifestação ilegal. Foi algo que só apareceu depois”, acrescentou.

“Nós pedimos ao tribunal [Tribunal Judicial de Base], na sequência da anulação do julgamento pelo TSI, que nos desse direito de defesa, como o TSI disse que tínhamos direito […] o TJB disse que não a tudo”, considerou, por sua vez, Jorge Menezes. “Para ser franco isto não foi um julgamento, o julgamento inclui factos e testemunhas. Isto foi uma audiência em que os advogados tiveram a falar com o tribunal”, sublinhou.

Na origem da decisão da juíza Cheong Weng Tong terá estado o facto de entender que a alteração da qualificação jurídica não altera os factos apurados. Algo que, no seu entender, não justifica que as testemunhas voltem a ser ouvidas e que sejam reanalisadas as imagens captadas pela Polícia Judiciária (PJ).

A defesa não concorda com o argumento: “No primeiro [julgamento] estava em causa se tinham desobedecido a uma ordem. No segundo era diferente, estava em causa se houve ou não manifestação ilegal. […] No primeiro não perdemos tempo com o que não era relevante e no segundo não nos deixaram gastar tempo com o que era relevante”, explicou Jorge Menezes.

Condenação esperada

À luz dos acontecimentos, a defesa prevê a entrada em tribunal de dois recursos para “fazer justiça”. Um primeiro contra a decisão de não permitir uma nova análise dos factos e um segundo contra a condenação de Scott Chiang. “Por uma questão de coerência do tribunal, acho que Scott Chiang vai ser condenado. O tribunal condenou perante os factos que correspondiam a uma manifestação ilegal e penso que vai continuar com essa interpretação”, anteviu Pedro Leal, que defende a inocência do seu cliente.

Posição semelhante foi tomada pelo advogado durante a sessão, que mesmo assim contestou a tese de manifestação ilegal. Por sua vez, também o arguido Scott Chiang não quis prestar declarações adicionais na sessão de terça-feira: “Não estou à espera de nada deste julgamento pelas razões óbvias. Eles só querem corrigir um procedimento, um erro menor. Não querem mudar o conteúdo”, apontou à saída. “É um caso que se arrasta e uma pessoa tem de voltar aqui depois de quase um ano. Mas tento convencer-me que todos nós estamos a tentar fazer algo de bom pela sociedade. Não venho aqui apenas para me defender ou para me manter fora da prisão, também venho para estabelecer um precedente bom para quem vier a seguir”, considerou.

Já o MP considerou que os factos são suficientes para provar a prática do crime e pediu a condenação. Sobre os aviões de papel, a procuradora sublinhou que todos têm de cumprir a lei:

“O IACM tinha transmitido à associação que, devido à existência de obras, não era permitido deslocarem-se ao local […] Fizeram aviões de papel com os panfletos, que tinham nas mãos, e atiraram para a residência. Todos temos de cumprir a lei”, apontou.

A leitura da sentença ficou agendada para 14 de Maio. A decisão não vai afectar Sulu Sou, uma vez que o deputado desistiu do recurso da primeira decisão para voltar mais depressa à Assembleia Legislativa, depois de ter sido suspenso para ir a tribunal.

Último a falar

Na passada sexta-feira, a juíza deu de imediato a palavra ao representante do Ministério Público, quando pediu as alegações complementares com deu início à sessão. Depois, passou a palavra aos advogados de defesa. Só no final foi ouvido o arguido Scott Chiang. A alteração da ordem, quando o normal é que o arguido seja ouvido no início, valeu críticas da defesa. “Foi a primeira vez na minha vida em quase 30 anos de advocacia que não vi o tribunal dar a palavra ao arguido no início para falar. Nunca tinha visto isto na minha vida”, disse Jorge Menezes. Também Pedro Leal frisou o acontecimento: “Inicialmente, o arguido deve ser a primeira pessoa a pronunciar-se sobre os factos constantes na acusação, que correspondem ao crime. De facto, não lhe foi dada a palavra, só no final”, apontou.

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