Lei de Bases | Advogados temem mais morosidade e “controlo absoluto” do TUI

O Governo quer que em alguns processos administrativos passe a haver direito a recurso junto do Tribunal de Última Instância, uma opção que mereceu parecer negativo da Associação dos Advogados. Os causídicos temem que a opção legislativa acrescente ainda mais morosidade aos processos

 

[dropcap]F[/dropcap]oi ontem concluída pela Assembleia Legislativa (AL) a análise na especialidade da revisão da lei de bases da organização judiciária, na qual o Governo decidiu avançar com uma proposta que não é do agrado da Associação dos Advogados de Macau (AAM).

Em causa está a alteração a uma norma do Código do Processo Civil (CPC), que prevê que alguns processos administrativos possam ser passíveis de recurso para o Tribunal de Última Instância (TUI). Nomeadamente, nos casos em que não há voto vencido dos juízes do Tribunal de Segunda Instância (TSI), ou quando a decisão desse órgão judicial é igual à do Tribunal Judicial de Base (TJB).

A possibilidade de acrescentar uma instância judicial apenas se aplica a processos relacionados com contratos administrativos, acções para a efectivação da responsabilidade civil e extracontratual, ou acções relacionadas com contencioso administrativo.

De acordo com o parecer ontem assinado pelos deputados da AL, os advogados temem que o TUI demore ainda mais tempo a tomar decisões. Na visão da associação, a novidade legal fará com que o sistema fique “mais moroso, na medida em que a última decisão só será alcançada no último degrau do sistema judiciário”. Algo que, no entender dos advogados, “seria contrário ao princípio e à necessidade de celeridade da justiça, podendo ser um factor de atraso na realização da mesma, sem qualquer benefício associado”.

Esta situação “pode agravar a morosidade actual do TUI em proferir decisões judiciais, já que se mantém o número de apenas três juízes e uma secção”, além de poder “agravar significativamente o problema que consiste na falta de análise, debate e aprofundamento de diferentes pontos de vista sobre as variadas questões jurídicas colocadas a este tribunal”.

A AAM alertou também para o risco de “descredibilizar as acções tomadas pelo TJB e pelo TSI, na medida em que a decisão de uma única instância judicial, do TUI, possa passar a sobrepor-se à decisão de duas instâncias judiciais diferentes, tomadas no mesmo sentido, sobre a mesma matéria”.

Na visão do Governo, o facto de alguns processos administrativos poderem ser alvo de recurso para o TUI é “um factor de maior garante dos direitos dos cidadãos, pelo facto de permitir não só a possibilidade de acesso a mais um patamar de recurso, como pela circunstância de o fazer para a máxima instância do ordenamento jurídico da RAEM”.

Vong Hin Fai, presidente da comissão que analisou o diploma na especialidade, também advogado, mostrou-se a favor da opção do Governo. “Não podemos ter uma solução que agrade aos dois lados. Claro que vai aumentar o volume de trabalho. Depois de vermos a opinião da AAM ponderámos tudo e só posso responder que esta é a nossa posição.”

Contra aumentos

Outro ponto contestado pela AAM é o aumento do valor da alçada dos tribunais da primeira instância, que será ajustado das actuais 50 mil patacas para 100 mil patacas. A alteração foi justificada com o facto do valor não ser actualizado desde 1999.

Para os advogados, o aumento deveria ser de apenas 10 mil patacas, ou seja, o valor apontado pelo Governo é “excessivo e muito superior à evolução do custo de vida”. Além disso, “não é adequado para causas de pequeno valor e relativas aos direitos do consumidor”.

Esta alteração prevê que a alçada do TSI passe a ter em conta se está a julgar um processo em primeira instância e não apenas a categoria do tribunal competente. De acordo com os argumentos do Governo, a proposta evita “que se verifique um diferencial muito grande, actualmente entre 50 mil e um milhão de patacas”. Na visão do Executivo, há que resolver “este desequilíbrio do sistema judiciário”.

No caso dos processos de contencioso fiscal, acções aduaneiras ou administrativas, os valores das alçadas mantêm-se nas 15 mil patacas, de forma a garantir o recurso junto do TSI.

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