Portugal-China, 40 anos | Estatuto do território após reatamento de relações foi destaque nos jornais de Macau

Em 1979, o reatamento das relações diplomáticas entre Portugal e China mereceu o aplauso dos deputados do Centro Democrático de Macau e da Associação da Defesa dos Interesses de Macau. A questão de Macau foi um dos destaques dos poucos jornais do território que abordaram o tema

 

Com agência Lusa 

[dropcap]H[/dropcap]á 40 anos, foram poucos os jornais de Macau que abordaram o facto de Portugal e China terem reatado relações diplomáticas depois dos encontros de Paris. O diário Gazeta Macaense, dirigido e administrado por Leonel Borralho, foi um dos que se debruçou sobre o momento histórico que aconteceu graças à chamada Acta de Macau, à excepção de dois textos publicados no semanário católico O Clarim, que na altura era publicado a cada duas semanas. Também o jornal Luso-Chinês abordou o assunto.
Dias antes da celebração do acordo oficial, o jornal publicou um texto com o título “Relações diplomáticas entre Portugal e China”, onde se especulava sobre o verdadeiro objectivo de uma reunião entre o embaixador português Coimbra Martins e o representante diplomático de Pequim em França.

“Anteriormente, os contactos oficiais faziam-se na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, entre os delegados dos dois países. Até à data, nada foi divulgado sobre o resultado dessa viagem, nem sobre o andamento do diálogo que prossegue em Paris, entre Lisboa e Pequim, através dos respectivos embaixadores.”

No artigo, já então se falava do quão primordial era a questão de Macau. “Pelo que temos lido, [o ponto principal] reside na especificidade do estatuto de Macau. (…) para a RPC, Macau é território chinês, eventualmente sob administração portuguesa. E desejaria mesmo que este ponto ficasse bem explícito no instrumento jurídico do estabelecimento dos almejados laços diplomático entre os dois países amigos.”

A 5 de Fevereiro, a Gazeta Macaense publicou um artigo do extinto semanário O Tempo, que relacionava estas viagens com o potencial reatamento de relações bilaterais. “No passado sábado, dia 20, o avião dos transportes aéreos portugueses, que aterrou no aeroporto de Orly, precedente de Lisboa, trazia a bordo o ministro dos Negócios de Estrangeiros, dr. Freitas Cruz, que viajava incógnito. Esta viagem secreta a Paris do chefe da diplomacia portuguesa estará relacionada com o reatamento de relações entre Portugal e China?”, questionava-se no texto, que já então fazia referência à Acta de Macau e à vontade de Mota Pinto, ex-primeiro-ministro, e Freitas Cruz.

“Com efeito, Portugal parece agora pretender que se anule totalmente a acta secreta existente, e se estabeleçam relações através de um comunicado público conjunto, onde se definirão os interesses de ambos os países soberanos.”

Interesses económicos

Na mesma edição, o Gazeta Macaense chamava a atenção para os interesses económicos dos chineses, que também gostariam que Macau continuasse a ser administrado pelos portugueses. “Macau parece ser o ponto do documento que apresentaria maiores transformações, porque Portugal desejaria continuar a administrar aquele território. O desejo português é partilhado por numerosos chineses, titulares de passaporte português e chinês, que traficam, tranquilamente, com os comunistas e os capitalistas de Hong Kong. São estes os homens de negócios que têm sido utilizados pela China como intermediários nalgumas transacções. Por outro lado, Pequim vende anualmente a Macau cerca de 80 milhões de dólares de mercadorias diversas, o que ajuda a satisfazer a sua grande necessidade de divisas.”

Um dia antes da data oficial do estabelecimento das ligações diplomáticos, o mesmo diário publicava um artigo do Diário de Notícias, intitulado “O estatuto de Macau”, onde se lia que “a opinião pública portuguesa tem concedido ao possível restabelecimento de relações diplomáticas entre Lisboa e Pequim uma atenção quiçá excessiva face à sua importância real. Para esse comportamento contribuirá a singularidade da atitude chinesa quanto ao Portugal democrático.”

O restabelecimento de relações diplomáticas coincidiu com a saída de Garcia Leandro do cargo de governador de Macau, substituído por Melo Egídio. A notícia da chegada do novo governante saiu no Gazeta Macaense no dia 10, que também publicou a “Mensagem de Leandro” dirigida à população na hora da despedida.

Na mesma edição, o jornal deu grande destaque às intervenções dos deputados na Assembleia Legislativa (AL) sobre o reatamento das relações diplomáticas, apesar do hemiciclo ter estado à margem do processo relativo à Acta de Macau.

No período de intervenções antes da ordem do dia, falaram Diamantino Ferreira, deputado da Associação da Defesa dos Interesses de Macau (ADIM), Mário Isaac, nomeado pelo governador, e Patrício Guterres, do Centro Democrático de Macau (CDM).

“Como deputado do CDM, não posso deixar de juntar a minha voz ao coro uníssono de júbilo e esperança que, neste momento duplamente histórico, irmana as duas comunidades que formam a população deste território sob administração portuguesa”, disse Patrício Guterres no hemiciclo, à data presidido por Carlos D’Assumpção.

No que diz respeito ao jornal Luso-Chinês, dirigido por Albertino Alves de Almeida, a manchete do dia 10 de Fevereiro noticiava que “Portugal-China restabeleceram relações diplomáticas”. Em baixo, fazia-se a referência à tomada de posse de Melo Egídio.

Em Portugal, relações diplomáticas dominaram primeiras páginas dos jornais

Portugal e China anunciaram o estabelecimento de relações diplomáticas há 40 anos, uma notícia que fez as primeiras páginas da imprensa nacional, que dava ainda conta de que Macau continuaria sob administração portuguesa.

“O Governo da República Popular da China e o Governo da República Portuguesa decidiram estabelecer relações diplomáticas a nível de embaixador, a partir de 8 de Fevereiro de 1979 e trocar embaixadores num prazo de três meses”, anunciava o comunicado conjunto dos dois países, lido pelo primeiro-ministro da altura, Mota Pinto, e reproduzido em toda a imprensa nacional.

Nesse comunicado, Portugal reconhecia o Governo de Pequim como único legítimo e Taiwan – com quem cortara relações diplomáticas desde Janeiro de 1975 – como parte integrante da China. Mota Pinto considerou que o estabelecimento das relações era a tradução “do apreço e da interacção multissecular dos dois povos” e justificou o passo diplomático como a tradução da importância dos dois países no xadrez internacional.

O primeiro-ministro acrescentou ainda que aquele processo marcava também o desejo português de manter relações com todos os países, independentemente dos seus regimes político e económico, conforme foi noticiado pelos jornais.

A assinatura do documento oficial entre Portugal e China, e que culminou quatro anos de negociações, teve lugar na embaixada portuguesa em Paris e foi divulgado quatro horas depois.

Em Portugal, toda a imprensa diária chamou para a primeira página o assunto, embora apenas três jornais o tenham noticiado no próprio dia: o Diário Popular, o Diário de Lisboa e o vespertino A Capital.

No dia seguinte, lia-se na primeira página do Jornal de Notícias: “Relações diplomáticas entre Portugal e a China. Macau: Estatuto não é alterado”. “Portugal e a República Popular da China estabeleceram ontem relações diplomáticas. A assinatura do documento, que culminou quatro anos de negociações, verificou-se na embaixada portuguesa em Paris. Algumas horas mais tarde, o prof. dr. Mota Pinto leu aos jornais o texto do acordo, que prevê a troca de embaixadores dentro do prazo de três meses”, acrescentava.

O apoio da AR

Praticamente toda a imprensa deu conta também da aprovação do voto de congratulação na Assembleia da República, que as repercussões comerciais não seriam significativas imediatamente e que Moscovo não comentou a notícia.

A imprensa nacional noticiou ainda que o “Diário do Povo”, órgão do Partido Comunista Chinês, deixou transparecer que a normalização das relações entre os dois países reflectia o distanciamento de Lisboa de Moscovo.

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