Especial 2018 | Educação : Valores em questão

[dropcap]Q[/dropcap]uase nada mudou no sistema educativo no ano que agora finda. O Governo injectou mais dinheiro nas escolas e também na atribuição de subsídios e bolsas de estudo. O relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2019 tratou-se de confirmar a manutenção dessa política. Há, contudo, dois episódios que merecem ser realçados e que nos podem fazer questionar o futuro rumo do sistema escolar de Macau e dos valores que persegue.

A DSEJ e a homossexualidade

Parecia que estávamos em 1970, mas não. Foi em Agosto deste ano que a subdirectora da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), Leong Vai Kei, defendeu aos jornalistas que nos casos em que os alunos revelassem ser homossexuais seriam encaminhados para acompanhamento médico.

“Se tiver indícios de homossexualidade encaminhamos este caso para as outras autoridades competentes. Para confirmar se ele é homossexual ou não necessita de diagnóstico médico, portanto vamos transferir o caso para o respectivo departamento, ou seja, o departamento de psiquiatria do hospital”.

Nos dias que se seguiram Leong Vai Kei desmentiu o que tinha dito, afirmou ser um problema de tradução, algo que veio a revelar-se falso, após o jornal Ponto Final ter ouvido de novo as gravações e comparado as traduções. Um antigo conselheiro da DSEJ confirmaria mais tarde à mesma publicação que a política da DSEJ era mesmo enviar os alunos para um médico.

Foi em 1990 que a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de considerar a homossexualidade uma doença, apesar deste continuar a ser um assunto tabu por esse mundo fora. Estas declarações de Leong Vai Kei ditas em pleno século XXI envergonham este Executivo e o sistema educativo, e não se compreende como é que o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, deixou passar este caso em branco, ao dizer que a subdirectora da DSEJ tem capacidades e competências para continuar no cargo. É uma mancha para o seu governo e para as gerações do amanhã que estão a ser formadas e educadas nas escolas de hoje.

É certo que a homossexualidade não é aceite na comunidade chinesa, e são comuns os casos de jovens que escondem a sua sexualidade dos pais, vivendo-a às escondidas. Mas não precisamos de governantes com um discurso baseado no dogma, no erro, discriminação e, porque não, no ridículo.

No mesmo dia em que fez estas afirmações sobre a homossexualidade, Leong Vai Kei também aconselhou os jovens a só terem sexo depois do casamento. Que ingenuidade, doutora Leong Vai Kei. Conhece os alunos que a DSEJ tem a seu cargo? Num território onde se fazem tantos estudos, alguma vez se pensou na realização de um inquérito sobre as práticas sexuais dos jovens, no intuito de se saber se são ou não seguras, e se estes têm ou não conhecimentos suficientes sobre esta área? Ao invés de manter este tipo de discurso do século passado, mais vale apostar em campanhas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e em aulas de educação sexual.

A entrada do Costa Nunes no ensino gratuito

No passado dia 5 os encarregados de educação com crianças no jardim de infância D. José da Costa Nunes receberam uma boa notícia: a partir do próximo ano lectivo, vão deixar de pagar propinas, uma vez que a instituição de ensino passa a integrar a rede de escolaridade gratuita. Foram feitas promessas de manutenção da matriz portuguesa da escola, com a garantia de que haverá sempre um espaço privilegiado para as crianças que fazem parte das comunidades portuguesa e macaense.

Contudo, é importante garantir de que estas promessas iniciais não caem em saco roto e que, daqui a uns anos, o jardim de infância não se torne igual aos outros, perdendo a sua identidade e qualidade.

Não nos podemos esquecer que o ano de 2049 está a chegar mais cedo do que era suposto e os sinais revelam-se em várias áreas, com maior incidência na área jurídica e política. Esperemos, por isso, que a ‘integração’ do jardim de infância D. José da Costa Nunes não seja mascarada por esta entrada no sistema de escolaridade gratuita.

Não podemos também ignorar a possibilidade da Escola Portuguesa de Macau (EPM) vir a integrar, no futuro, este sistema de escolaridade gratuita, o que seria uma nova reviravolta depois da mudança que se verificou ao nível do financiamento, com a entrada da Fundação Macau, que actualmente contribui com 49 por cento, o que se traduz em nove milhões de patacas por ano.

Não, há, para já, sinais de que algo venha a mudar para pior no que à perda de identidade destas duas instituições diz respeito. Mas cabe a nós, agentes de ensino, sociedade civil e Governo português estarmos atentos aos próximos anos, tendo em conta as rápidas mudanças que a sociedade de Macau está a atravessar. No contexto da integração regional no âmbito do projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, qual será o papel a desempenhar pela EPM e Costa Nunes? Haverá mudanças e interferências nos currículos? Que destaque terá a língua portuguesa nestas salas de aula? Estas podem parecer perguntas utópicas, mas não o são.

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