Philippe Graton, autor da BD “Michel Vaillant em Macau” | Uma saga familiar

Michel Vaillant está de volta a Macau, assim como o autor do novo livro que tem a cidade como cenário, Philippe Graton. Numa entrevista colectiva, o autor e filho do criador da personagem que transportou os desportos motorizados para as tiras de banda desenhada revela como se desenha velocidade e como ganhou o respeito do mundo dos desportos motorizados

[dropcap]C[/dropcap]omo se deu o regresso desta personagem?
Tudo começou com o Festival Literário de Macau. Na sequência do convite tive a oportunidade de conhecer Macau e fiquei fascinado. Pediram-me para fazer duas exposições, uma de banda desenhada com as pranchas originais da história que o meu pai desenhou há 35 anos atrás sobre Macau. O outro convite foi para expor o meu trabalho fotográfico. Numa das entrevistas que dei na sequência do festival, um jornalista perguntou-me se eu imaginava o regresso do Michel Vaillant a Macau, depois de 35 anos. Disse “não sei, porque não”. No dia seguinte, a primeira página dizia que o Michel Vaillant iria regressar a Macau. Fiquei preso a essa ideia. Toda a gente me veio dizer que deveria fazer um livro novo com Macau como cenário. A minha resposta continuava a ser talvez. Comecei a interessar-me pela história do Grande Prémio de Macau. Não conhecia as especificidades da corrida de Macau, que é exigente, perigosa e espectacular. Fiquei fortemente impressionado quando comecei a documentar-me e a olhar para os jovens pilotos. A idade é limitada a 26 anos, portanto, são muito novos. Aquilo que em francês chamamos de chiens fous, cães raivosos com dentes aguçados que sabem que se ganharem o Grande Prémio de Macau podem ser descobertos e ascender a competições como a Fórmula 1. Como aconteceu com o Ayrton Senna e o Schumacher. Portanto, é uma corrida muito importante e perigosa e esses condutores jovens são extremamente velozes e agressivos porque sabem o que está em jogo.

Um desporto de certa forma dramático.
A banda desenhada é como qualquer outra forma de dramatização, como cinema, literatura ou teatro. A banda desenhada conta histórias humanas. Tive o interesse de escrever uma história sobre esta corrida e explicar aos leitores que não conhecem o que está em questão, o que é a corrida. Quando se está em Macau, queres escrever uma história que se passa na cidade, que mostre muito mais que o circuito. O livro feito há 35 anos focava-se apenas na corrida e no circuito, mas há tantas coisas em Macau. Não quis cair no cliché dos casinos, mas começar por aí e fazer algo completamente diferente. Não há um único casino nesta história. A ideia era localizar uma perseguição na cidade, ao mesmo tempo que a corrida acontece no circuito. Dessa forma, poderia aumentar a tensão em duas histórias: a corrida e alguém que arrisca a vida a levar informação muito importante a Michel Vaillant. Portanto, a tensão aumenta em duas histórias em simultâneo, o que me permitiu mostrar muitos aspectos de Macau.

Que aspectos de Macau foram focados neste livro?
Temos paisagens de Macau, a perseguição na cidade mostra o terminal de ferries, o cais, os velhos bairros, as Ruínas de São Paulo. Começa aí uma perseguição que vai levar as pessoas por ruas estreitas, que passa perto da Livraria Portuguesa. Foi um piscar de olho, uma piada privada, porque o Ricardo Pinto está na origem desta história. Se ele não me tivesse convidado há dois anos, e sem a sua ajuda, este livro não existiria e eu não estaria aqui. É a minha forma de agradecer. Tudo o que usámos, a paisagem urbana, deixo para descobrirem no livro.

Como se passam as emoções das corridas e a velocidade para um meio que imóvel?
Há dois aspectos. Primeiro é a história, os cenários e depois o grafismo. No cenários, não são os carros que são mais interessantes, mas as pessoas. Michel Vaillant não é só sobre pilotos e vitória ou derrota na corrida. Há muita dramatização no enredo, a família do Michel Vaillant, há muitas coisas em jogo. Eles fazem o seu próprio carro, o carro Vaillant. Há também a chegada de novas tecnologias e combustíveis. Portanto, é uma história que não se passa apenas no circuito. É uma saga familiar, é uma saga de negócios, sobre novas tecnologias. Tem vários enredos e, por isso, acho que é muito interessante.

E quanto ao grafismo?
Quanto aos desenhos que o meu pai fez, se virmos o “roar”, não diria que ele inventou isso, mas desenvolveu um estilo para retratar isto. Há um especialista em arte francês que diz que Jean Gratton inventou a banda sonora num meio silencioso. Não foi só para desenhar o barulho do motor, mas é um tipo de gramática gráfica que nos permite perceber que um carro se move a alta velocidade, a acelerar. Se virmos a história da arte, pintura, desenho, por aí fora, antes dos carros serem inventados, tudo que se movia depressa mudava de forma. As pernas do cavalo, as velas de um barco e a água, o fumo de um comboio. Quando os carros apareceram, quem procurou retratar essa velocidade de forma artística ficou perdido, porque um carro em movimento tem exactamente a mesma forma que um carro parado. Então, como é que graficamente se faz com que as pessoas sintam que o carro se está a mover a alta velocidade? A ideia seria este barulho, a banda sonora, que nos permite perceber que carro está numa posição de supremacia, até para perceber a ignição do motor, se está em velocidade de topo, se está a travar. Se tirarmos estes elementos, o carro está parado. É só quando introduzimos estes elementos que percebemos o movimento e de que forma se move. No ponto de vista gráfico, isso é muito interessante e, claro, que continuámos a usar isso. Quando fizemos histórias sobre a Fórmula E, há dois ou três anos, ficámos perdidos porque não sabíamos o que fazer com o silêncio dos motores. Perguntámos aos leitores, fizemos um concurso na internet a pedir sugestões para que barulho faria um motor eléctrico. Tivemos muitas respostas, ruuuuueee, roooaaaa, vvvvv… finalmente, selecionámos um e desenvolvemos a gramática de um motor eléctrico também para que o leitor percebesse quando está a aumentar de velocidade, travar. Tivemos sucesso a entrar no Século XXI.

Como foi a recepção destes livros?
Tenho muita sorte que quando vou a algum local ligado a desportos motorizados, uma corrida ou um rally, chego e pergunto se posso ter alguma documentação ou informação, porque estou a preparar um cenário para o Michel Vaillant. As portas abrem-se. A maioria das pessoas que trabalham em desportos motorizados são leitores de Michel Vaillant, muitos entusiásticos e prontos para ajudar. Fico sempre surpreendido, mas é uma coisa maravilhosa. Todos têm histórias para contar, como, por exemplo, pessoas que entraram para o mundo do automobilismo porque liam a banda desenhada quando era novo. Finalmente, reparo que as bandas desenhadas são muito apreciadas por quem está ligado a desportos motorizados porque somos precisos, procuramos realismo e damos uma boa imagem dos desportos motorizados. São desportos nobres. Como temos acesso a muita documentação podemos ser imaginativos, ou mesmo doidos, sobre os cenários e as histórias, mas nunca escrevemos coisas estúpidas sobre carros e corridas. Estamos bem documentados. Às vezes, mesmo pessoas que estão neste mundo aprendem coisas com o Michel Vaillant. Isto é aquilo a que chamo de um círculo virtuoso. De certa forma, trabalhamos como jornalistas. Quando vou a corridas tiro fotografias, falo com pilotos, líderes de equipas, engenheiros. Às vezes, dão-me informações que não dão aos jornalistas porque sabem que não vai estar no dia seguinte na imprensa. É muito agradável ter essa confiança e consideração num universo que nos fascina.

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