De que tem medo Raymond Tam?

 

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ublicamos hoje uma edição especial para recordar a passagem do tufão Hato por Macau, um ciclone tropical que mudou a vida a muita gente e que fez soar o alarme das autoridades quanto à necessidade de mudar os mecanismos de resposta.
Para esta edição decidimos escrever sobre as memórias dos dias seguintes à tempestade que matou dez pessoas e que deixou tantas outras sem casa e sem negócio. Decidimos pedir reacções sobre o que foi feito durante este ano e se realmente mudou alguma coisa. Foi neste contexto que decidimos pedir uma entrevista a Raymond Tam, director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG), escolhido depois da polémica com o processo disciplinar instaurado a Fong Soi Kun.
Serve esta crónica para lhe explicar, caro leitor, porque é que não temos Raymond Tam em discurso directo a descrever o que tem feito nos SMG, em acumulação de funções com o cargo de director na Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental. O primeiro pedido de entrevista foi feito aos SMG no passado dia 7. Como resposta, uma assessora pediu-me, como é habitual, as perguntas que iria fazer. Nós, jornalistas, não temos por hábito proceder desta forma, mas em Macau é quase obrigatório cumprir este pedido se queremos ter notícias ou declarações. Quase tudo tem de estar previamente preparado e estudado, como se o erro fosse um crime. Estas foram as perguntas que enderecei a Raymond Tam:

– Como foi o processo de adaptação ao trabalho nos SMG? Quais os principais desafios que enfrentou?

– Sentiu que a equipa estava desmoralizada ou afectada pelo processo de mudanças após a saída de Fong Soi Kun e da ocorrência dos episódios no tufão Hato?

– Quais as principais mudanças que ocorreram no trabalho no dia-a-dia, a nível técnico, em prol da melhoria do processo de levantamento dos sinais de tempestade?

– As autoridades anunciaram que, entre 2022 e 2028, será criada uma plataforma de comando para operações de segurança e resposta a emergências na cidade. Que papel terão os SMG nesta nova entidade?

– Considera que, um ano depois da ocorrência do tufão Hato, a população confia mais no trabalho dos SMG?

– Macau está hoje mais preparada para receber um tufão semelhante ao Hato ou considera que há ainda muito a fazer a nível da resposta a catástrofes, sobretudo dentro dos SMG?

– São necessários mais recursos humanos nos SMG? Deparam-se com alguma dificuldade a este nível, um ano depois da tempestade?

– Como tem conjugado o trabalho de director dos SMG em acumulação com o cargo de director da DSPA?

– Quando foi nomeado para este cargo falou-se da sua alegada falta de experiência na área da meteorologia. Que comentário faz, meses depois de ter sido nomeado director dos SMG?

Passados uns dias, recebo uma resposta dos SMG, onde me foi dito que o pedido de entrevista teria de ser feito novamente ao Gabinete de Comunicação Social (GCS), o que fiz. Do GCS disseram-me que não coordenam pedidos de entrevista feitos a directores de serviços, pois trabalham de perto com o gabinete do Chefe do Executivo, pelo que teria de fazer novamente o pedido aos SMG. Voltei a reencaminhar o email.
Sem reacção por parte dos SMG, foi-me garantido que iria receber “um esboço” com respostas às minhas perguntas (tradução: um comunicado) em chinês, mas que não sabia quando teria a versão em português. Pedi para me enviarem logo a versão em chinês pois faria todo o sentido publicar as respostas hoje e não daqui a uma semana, mesmo implicando trabalho extra. A esta hora, caro leitor, continuo à espera da resposta de Raymond Tam.
Deixo aqui bem claro que, em seis anos de profissão em Macau, nunca um pedido de entrevista feito por mim a membros do Governo foi tratado pelo GCS, mas sim pelos assessores de imprensa dos respectivos serviços.
Perante esta situação, ocorre-me perguntar: de que tem medo, senhor Raymond Tam? Que perguntas desta lista o incomodam mais? Porque não negou simplesmente a entrevista, em vez de adiar eternamente este assunto, para que não pudesse conversar consigo?
Não é a primeira vez que Raymond Tam escapa aos jornalistas. Recordo-me de uma outra tentativa de entrevista que este jornal lhe fez, ainda era apenas director da DSPA. Respondeu por escrito: menos mal. Outros pedidos de entrevista foram pura e simplesmente rejeitados.
Não tenha medo: não queremos ataques, queremos explicações. Não nós, mas a população para quem escrevemos. São as pessoas que precisam de saber o que se passa desde que esta tempestade matou dez residentes. As cheias continuam a acontecer no Porto Interior, a poluição aumenta no território a olhos vistos, o lixo continua a não ser reciclado. A população precisa de respostas.

 

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