A Rota da Seda e África

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]primeiro aspecto a considerar no que diz respeito à iniciativa “Faixa e Rota” (BRI) é que não é definida como uma política, mas como uma iniciativa. Não é um plano detalhado, mas, em contraste, escrito em termos um tanto flexíveis e sujeito a várias interpretações. Uma definição rigorosa do BRI é um exercício fútil, embora os seus objectivos sejam claros. A iniciativa é global, e, portanto, interessa procurar interpretar as oportunidades que podem surgir da sua implementação.

Importa olhar para as implicações do BRI a nível interno. Os termos vagos em que está definida a iniciativa BRI, juntamente com os incentivos oferecidos às diferentes províncias da República Popular da China (RPC), convida os governos provinciais a procurarem projectos potenciais que se enquadrem na BRI. É um incentivo para as províncias chinesas investirem na diversificação da economia, maximizando as suas vantagens naturais e fomentando o desenvolvimento tecnológico e industrial que, tendo em conta o 13º Plano Quinquenal da RPC, deve centrar-se na prossecução do desenvolvimento económico e social, na maximização da qualidade e na promoção de políticas ambientalmente sustentáveis.

Isto deve ser visto à luz do funcionamento do sistema político Chinês, fortemente baseado na meritocracia. Os governos provinciais têm uma margem de manobra relativamente ampla no que concerne a definição de políticas, sendo certo, no entanto, que estas têm de estar enquadradas nos objectivos estabelecidos pelo governo central. Governadores provinciais, naturalmente, procuram promoção política, para a qual têm de mostrar resultados práticos.

A esperada desaceleração nos últimos anos do crescimento económico Chinês surge durante um processo de transformação economica, industrial e social. A deslocação de indústria Chinesa que se encontra saturada a nível interno para o Sudeste Asiático e para África, e a mudança para um modelo de exportação de produtos de valor acrescentado, são acompanhados pela tentativa de resolver o desequilíbrio interno entre zonas costeiras e o interior Chinês, e o acelerar do processo de internacionalização do seu tecido empresarial.

As “duas frentes” do BRI são a “Nova Faixa Económica da Rota da Seda” (componente terrestre do BRI) e a “Nova Rota da Seda Marítima” (componente marítima). A rota marítima será preponderante para as regiões costeiras, mais desenvolvidas, e lar de centros logísticos multimodais e centros financeiros, enquanto a “faixa” estimulará o desenvolvimento do hinterland Chinês, convidando a alocação do excesso de capacidade industrial da RPC, e consequente fluxo ao longo da “faixa e rota”.

Na frente internacional, a iniciativa consolida o que tem sido a política externa da China desde há vários anos, estabelecendo laços económicos em todo o mundo sob um rótulo de respeito e benefícios mútuos. A iniciativa BRI convida a participação dos diferentes governos estrangeiros e empresas privadas chinesas e estrangeiras, sob a premissa de amplos benefícios para todos os envolvidos.

A participação do sector privado é um aspecto de primordial importância para o sucesso da iniciativa, o que acaba por ser uma das razões pelas quais suscita tantas dúvidas. Assumidamente, o governo Chinês toma a dianteira no que concerne o financiamento de vários projectos em curso. Mas não se trata de uma política de longo prazo, mas sim uma forma de salvaguardar, numa fase inicial, as empresas Chinesas envolvidas contra os riscos associados a grandes projectos em países em vias de desenvolvimento e/ou instáveis quer ao nível de segurança, quer ao nível das suas instituições.

A expansão económica é um objectivo, ao mesmo tempo fortalecendo laços políticos e económicos – na verdade, expandindo a influência chinesa – e acompanhada pela internacionalização do Renminbi, uma política apoiada pelo estabelecimento de organizações multilaterais e mecanismos de financiamento, tais como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (AIIB), o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Fundo da Rota da Seda.

Os projectos de infraestruturas de transportes estão no centro da cooperação China-África, como ilustrado em Janeiro de 2015 com a assinatura de um memorando de entendimento entre a China e a União Africana para o estabelecimento de uma rede para conectar 54 países africanos através de projectos de infraestruturas de transportes. Tais projectos podem ser incluídos no BRI, estando especificamente relacionados com a sua componente marítima. Um exemplo é o caminho-de-ferro construido entre a cidade portuária de Mombasa e Nairobi no Quénia, que constitui a primeira fase do Standard Gauge Railway Project (SGR), cuja segunda fase está actualmente em curso e se extenderá para o Uganda, Rwanda, e República Democrática do Congo. Nairobi é o vértice Africano da Nova Rota da Seda Marítima, embora não seja uma cidade portuária, o que em si é indicativo de que a sua inclusão no BRI só faz sentido acompanhado pelo investimento em infraestruturas num continente com sérias debilidades num sector que é fundamental para avalancar o seu desenvolvimento económico.

A China encara África como um mercado com enorme potencial. É desde 2009 o seu maior parceiro comercial e empresas Chinesas dos mais variados sectores têm-se instalado um pouco por todo o continente. A capacitação infraestrutural dos países Africanos é por isso encarada de forma estratégica pela RPC, com vista tanto à melhoria das condições ao nível logístico, como também para fomentar o desenvolvimento dos próprios países. Como mercado com grande potencial de crescimento, interessa à China que as projecções se venham a concretizar por forma a garantir o retorno do investimento já efectuado tanto pelo sector público como privado. A China, fruto de décadas de diplomacia e investimento contínuo, e livre de estigmas coloniais, tem já uma presença firme e priveligiada em África. O desenvolvimento do continente só irá premiar todo o esse esforço.

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