A vaidade e o sexo oral

[dropcap style≠‘circle’]C[/dropcap]ito: «O Presidente de Uganda, Yoweri Museveni, conhecido pela posição homofóbica, prepara-se agora para proibir a prática de sexo oral no país. Meseveni culpa “os estrangeiros” pela banalização da prática, que considera “muito errada”, e revelou que já está a preparar uma campanha, com cartazes e anúncios de televisão, contra o sexo oral. “Deixem-me aproveitar esta oportunidade para lançar um aviso público sobre as práticas erradas (…) A boca é para comer, não é para fazer sexo. Nós sabemos qual é a ‘morada’ do sexo, sabemos onde é que deve ir”, defendeu o presidente do Uganda. Em 2014, ano em que introduziu a lei anti-homossexual, o presidente defendeu publicamente que a prática de sexo oral causava lombrigas e outros parasitas.»

Uma das lombrigas é a vaidade. Aquela que levou José Sócrates a bradar, ufano e peremptório, contra o Procurador-Geral (numa das infamantes reportagens com que a SIC transformou a justiça em devassa pública) aquilo que o movia: “Eu sou vaidoso (…) a única motivação que encontro para a actividade política é a vaidade, aliás dos políticos em geral. É uma característica humana…”.

Esta afirmação é uma generalização falaciosa – a vaidade não é uma característica humana virtuosa e digna de ser imitada – e (não é em vão que rima) quase criminosa: alguns milhões votaram nele apesar da vaidade, julgando que o moviam outras qualidades mais misantrópicas. Que, mesmo que coxo, um ensejo de justiça, de regulação de alguns desequilíbrios sociais, lhe fosse prioritário. Constata-se que isso seria apenas a projecção dos inocentes, num país onde tanta gente gosta de exibir um broche de ouro na lapela.

A vaidade esquarteja qualquer ilusão e torna compreensivo que Sócrates tenha escorrido, de forma espasmódica, da JSD para a calha socialista. Não foi uma questão de re-focagem ideológica – como com a arquitecta Helena Roseta, ou até com Freitas do Amaral, por honestidade intelectual – mas de oportuna medição do terreno ideal onde a sua vaidade se podia expandir, ter eco, ganhar uma corte.

E de facto porque há-de um político ser um espartano? Já é diferente querer ser esperto como um alho para afinal apenas se assemelhar à cebola que se gaba de saber trinchar a lebre e a galinha.

O pequeno ensaio de Montaigne que se intitula Da Vaidade das Palavras começa assim (cito de memória), «Dizia um retórico do passado que o seu ofício era fazer que as coisas pequenas parecessem grandes e assim fossem julgadas. Eis um sapateiro que, para calçar pés pequenos se gaba de fazer sapatos com a medida de Hércules». E aqui engana e lisonjeia, e pior, – pois quem não quer ser Hércules? -, manipula.

Alguém que chega ao poder por virtude do muito que foi envaidecendo só pode tornar-se pernicioso. Nem imagino a quantidade de medidas tomadas não porque fossem as mais razoáveis e necessárias mas porque em qualquer disputa de argumentos uma criatura de tal ego quer ter sempre a última palavra! Como acontece com Trump. Quantas vezes, em decisões chaves, se abeirou Sócrates da irracionalidade para alimentar a sensação de que controlava, de que a sua vaidade imperava?

A soberba começa devagarinho tal como as tentações foram tomando conta de Giges depois dele ter achado o anel.

Giges, sabe-se, é um personagem da República de Platão que um dia achou um anel que ao ser rodado sobre o eixo o tornava invisível. A inesperada graça de ficar invisível tomou conta do seu comportamento e, por estrita curiosidade, começou a ir visitar, na clandestinidade, as casas dos seus amigos. Rapidamente uma pontinha de inveja acompanhava as suas incursões secretas: ah, aquela cigarreira de prata, belíssima a ânfora de Esmirna, invejável a pulseira da mulher do seu amigo e como era muito mais animado o sexo com ela. Assim, de sexo oral! Giges, até aí considerado o mais recto dos homens, começou a congeminar modo de se apoderar da mulher do amigo e entregou-se aos pequenos furtos. Quem ia notar? O anel apossou-se da alma de Giges, mudou-lhe o carácter.

O anel de Sócrates é a vaidade, que ele, inexplicavelmente, julgava invisível ou que camuflava com uma retórica grandíloqua e que por vezes tinha o aspecto de coincidir com o curso das necessidades do país. Afinal, só lhe importava o pavoneio próprio, para além das ideologias. Como tantos outros políticos-espectáculo da mesma igualha.

Que triste paradigma a de um horizonte político que só tem por causa a vaidade individual. Os chineses da dinastia Ming tinham um antídoto para aqueles que ambicionavam a vaidade do poder – por exemplo, os grandes almirantes da frota imperial. Castravam-nos. E os seus testículos eram exibidos em relicários nas costas do trono do imperador para que ficasse à vista o que lhes faltava e a fraca proporção do seu poder. A chegada ao poder pagava-se com um sacrifício.

Parece-me ser isto um justo preço. Bom, e que se não invalida o sexo oral, o inibe!

Outra solução me parecia crucial: que a primeiros-ministros pudessem chegar os menos eloquentes mas melhores preparados tecnicamente. O melhor era até serem mudos. Acabava-se o espectáculo televisivo. No parlamento tudo seria mais ponderado, pois as respostas ao hemiciclo haviam de ter o ritmo lento da escrita numa pequena ardósia. O qual oferece tempo para reflectir, para corrigir, para mudar de ângulo e não ser aquilo que se diz unicamente da boca-para-fora. Brinco e não.

Países-da-boca-para-fora (do mais caprichado sexo oral) é o que temos com estes mealheiros da vaidade que nos calharam como líderes de um tempo caprichosamente fútil. Yoweri Museveni tem razão: fora com a lombriga da vaidade!

Que cada país leia na exacta proporcionalidade do uso de broches de ouro na lapela dos seus políticos um sinal simétrico de tropeço do seu futuro no fosso do descalabro.

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