Manuel Machado, presidente da EPM: “Queremos continuar a ser uma escola prestigiada”

A Escola Portuguesa de Macau (EPM) celebra 20 anos. A diversidade cultural e linguística da população escolar enriqueceu a instituição de ensino, mas novas necessidades trouxeram desafios. Em entrevista ao HM, o presidente da direcção, Manuel Machado, espera que a EPM continue a ser uma escola prestigiada e aberta a todos

 

[dropcap style≠‘circle’]I[/dropcap]ntegra a EPM desde o início, em 1998. Colaborador próximo de Edith Silva, foi adjunto da direcção até ser convidado para a vice-presidência e, mais tarde, para a presidência. Que aspectos destacaria destes 20 anos?

Quando foi criada, um dos objectivos era assegurar um estabelecimento de ensino na Região Administrativa Especial de Macau, que viria a constituir-se após a transição, para os filhos da comunidade portuguesa poderem seguir os estudos num currículo português em língua portuguesa (…). Mas, em paralelo, a Escola Portuguesa obviamente estava – como sempre esteve – aberta a alunos das comunidades aqui residentes, aos quais procurou sempre ir dando resposta através da adopção de estratégias e metodologias. Com o desenrolar dos anos, foi-se alterando o currículo com vista à adaptação à realidade da escola: foi introduzido o mandarim, o ensino do inglês, da educação física e da educação musical desde o primeiro ciclo e houve alterações ao nível do ensino da história e da geografia, por exemplo.

 

Quais foram as principais conquistas da EPM?

Desde logo, uma elevada taxa de sucesso educativo, uma taxa elevadíssima de alunos que terminam o ensino secundário e conseguem prosseguir estudos na primeira opção, e a abertura a outras comunidades, reflectida num cada vez maior número de alunos de outras nacionalidades – temos, neste momento, 24. Essa realidade, de uma maior diversidade cultural e linguística, que se foi desenhando ao longo dos anos, também trouxe o grande desafio de responder a novas necessidades. Temos recebido muitos alunos que não têm o português como língua materna [VER CAIXA], algo praticamente inexistente no início do funcionamento da escola, o que significa que essa aposta, em estratégias e metodologias utilizadas para oferecer as ferramentas necessárias ao acompanhamento do currículo em português, tem tido sucesso. Depois, em 2009, foi aprovada uma portaria pelo Ministério da Educação que regulamentou os currículos da Escola Portuguesa de Macau, criando duas vias curriculares: na via A é facultado o ensino do mandarim do 1.º ao 12.º ano, enquanto na segunda não há obrigatoriedade de frequência daquela língua.

 

E o ensino do cantonense? O dossiê encontra-se arrumado?

Não, aliás, em educação os dossiês estão sempre em aberto. Este ano lectivo abrimos o cantonense em regime extracurricular e há uma série de alunos que o frequentam. Os resultados têm sido bons, mas vamos aguardar pelo final do ano para fazer a avaliação do processo e ver o que deve ser mantido e/ou modificado.

 

A EPM tem ganho um perfil internacional pela diversidade de origens, culturas e línguas. Portugal continua a ser o destino de eleição para quem ali termina os estudos secundários?

Varia muito de ano para ano. Já tem acontecido haver aproximadamente 50 por cento ou um pouco mais de alunos que terminam o secundário e prosseguem estudos em Portugal e os restantes dispersarem-se por outros países, como Austrália, Inglaterra, Suíça, China, ou ficarem em Macau. No ano passado, por exemplo, a maioria (28) escolheu Portugal. De facto, a escola, não sendo uma escola internacional na verdadeira acepção da palavra, oferece todas estas saídas e é a única em Macau com currículo em português à semelhança das escolas portuguesas.

 

Regra geral, quantos optam por ficar em Macau?

Neste momento, aproximadamente dez por cento num universo de 35 a 40 [finalistas]. Satisfaz muito que a escola comece a ser vista não só como era há muitos anos, ou seja, como uma porta para Portugal.

 

Um dos aspectos que praticamente, de forma anual, transporta a EPM para as manchetes tem que ver com os ‘rankings’ dos exames nacionais, dado que tem liderado a média entre as escolas portuguesas no estrangeiro. Sei que não gosta de falar de ‘rankings’…

Claro que não vou dizer que não sinto orgulho quando leio os números, mas os ‘rankings’ valem o que valem. Há todo um percurso de ensino e de aprendizagem, de vivência na escola e de relacionamento com os outros, por exemplo, que não é pesado e que tem muito mais valor. A disposição com que um aluno vai fazer um exame não é sempre a melhor, o tipo de prova, a sua reacção às perguntas, a própria situação de exame, a par da pressão quando se trata de disciplinas específicas para ingresso em certos cursos do ensino superior, em que por uma décima se entra ou não na universidade, não podem traduzir todo o trabalho anterior. O que é mais importante e mais me satisfaz não é a posição em que a escola fica, mas o percurso que o aluno fez, as relações que estabeleceu, a forma de estar e de se sentir na escola e como se desenvolveu e cresceu no estabelecimento de ensino, ou seja, tudo aquilo que é multidimensional.

 

O que faz falta à EPM?

Neste momento? Instalações. É um processo demorado que tem os seus trâmites. Para o ano podemos ficar próximos dos 600 alunos porque admito o aumento de mais uma turma no primeiro ciclo e, obviamente, um maior número de alunos exige a ampliação de modo a que possamos continuar a prestar um serviço educativo de qualidade. As instalações são muito importantes, não só no que diz respeito às salas de aula normais, mas também às específicas, como laboratórios, etc. Acresce que, além do maior número de alunos de língua materna não portuguesa, que necessitam de um acompanhamento próximo no início, o que também requer espaço, tem aumentado também o número de alunos com necessidades educativas especiais variadas, o que exige também recursos humanos e materiais. Recursos humanos, felizmente, não têm faltado, subsidiados pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude [DSEJ,] mas começamos a sentir, de facto, a escassez de espaço para poder fazer a gestão de todas estas situações.

 

Actualmente, qual é o universo de alunos com necessidades educativas especiais?

Neste momento, alunos com necessidades educativas especiais, de natureza diversa, temos 45, são quase dez por cento, é um número elevado. Mas alunos com acompanhamento pelos serviços de psicologia e orientação são aproximadamente 110. A Escola Portuguesa sempre foi muito receptiva, embora até certa altura não tivesse capacidade para dar resposta, porque nós tivemos durante muitos anos apenas uma psicóloga. Muitos vinham da DSEJ, mas por causa da questão da língua, não havia possibilidade de fazer o acompanhamento de que careciam. Foi sempre apanágio da Escola Portuguesa estar aberta a essas situações, acompanhando-as na medidas das suas possibilidades. Felizmente, desde há quatro anos, temos tido a possibilidade de contratar professores do ensino especial. Abrimos o ano com três a tempo inteiro e agora, para o terceiro período, chegou mais uma professora, além de termos outra a tempo parcial. A nossa capacidade de resposta tem, portanto, aumentado. Agora temos duas psicólogas a tempo inteiro. Portanto, este conjunto consegue fazer o acompanhamento das diferentes situações, o que não significa que não haja ainda recurso a terapeutas vindos de fora que vêm apoiar os alunos. Temos ainda duas animadoras culturais que foram contratadas para fazer acompanhamento dos alunos no recreio, porque, de facto, a população escolar está a aumentar e o espaço é o mesmo (…) e que, quando há necessidade, fazem-no também dentro da sala de aula.

 

Qual a estratégia futura? O que gostaria mesmo que a EPM tivesse, fizesse ou alcançasse?

Sempre considerei que não é possível haver uma relação de ensino e de aprendizagem sem haver empatia entre os actores envolvidos, por isso, damos muita importância ao clima e à cultura que se vive e às relações que se estabelecem dentro da escola. Temos a vantagem de existir uma grande diversidade cultural, o que é extremamente enriquecedor no desenvolvimento das crianças porque ajuda-as desde pequeninas a perceber que existem outros ‘eus’ que têm de se respeitar independentemente das diferenças ou semelhanças. Portanto, espero que a escola continue a conseguir manter e aumentar – porque nunca nada está atingido – um clima de alegria, bem-estar e de segurança, para o desenvolvimento saudável dos jovens, acompanhado obviamente do processo de aprendizagem. Muitas vezes as pessoas não se apercebem, mas a segurança e o bem-estar que se vive dentro da escola é fruto de um trabalho diário de acompanhamento por parte de professores, funcionários, de encarregados de educação. Não se consegue ter uma escola com bons resultados se não houver um bom ambiente. Fico muito contente quando somos procurados por encarregados de educação da comunidade chinesa, da filipina ou de outras que nos dizem que foi por causa do ambiente [que escolheram a EPM]. É muito compensador.

 

E em termos do projecto educativo propriamente dito?

No futuro, temos que continuar a apostar muito no desenvolvimento da língua portuguesa no sentido da sua aprendizagem correcta – não só porque somos uma escola portuguesa, mas também devido ao crescente número de alunos que têm outra língua materna. Também continuar a apostar no multilinguismo, em particular, no ensino do chinês, que ainda tem que se desenvolver bastante. Obviamente, queremos sempre continuar a formação profissional, não só de professores mas também de funcionários porque a realidade está-se a alterar e muito rapidamente. Nestes últimos cinco anos, a escola modificou-se muito significativamente, a estrutura tornou-se muitíssimo mais complexa, quer pelo número de alunos, mas também pelas suas características. A quantidade de alunos que precisa de acompanhamento extra a português e que tem necessidades educativas diversas ou a vinda de professores novos, que têm de ser integrados na cultura da escola, fez a rede adensar-se, o que exige uma colaboração muito próxima entre todos. Este é o grande desafio da escola. Queremos continuar a ser uma escola prestigiada em Macau que conseguiu consolidar-se como uma escola de qualidade e que as pessoas sintam que está aberta a todos, pois não teria sentido de outra forma dado estarmos no Extremo Oriente.

 

Havia um plano para reformular o ensino do mandarim. Qual é o ponto de situação?

Começamos este ano lectivo a experiência, no 1.º e 2º ano de escolaridade, de distribuir os alunos por dois grupos: um constituído por quem não têm quaisquer conhecimentos de chinês e um outro por quem já tem. Obviamente que as aulas são diferentes, os objectivos também, bem como as metodologias. A avaliação feita até à data, quer por parte de professores, encarregados de educação e alunos, tem sido positiva. Alteramos a estratégia e implementamos esta experiência, que está a ter bons resultados, e que naturalmente vai continuar no próximo ano no 3.º e 4.º ano e por aí fora.

 

Há algum aspecto menos positivo durante estes 20 anos?

Para ser franco, não consigo identificar nenhum momento marcadamente negativo. O saldo é francamente positivo, mas no percurso desta instituição, como de qualquer outra, há sempre situações menos conseguidas e menos agradáveis – é uma escola. Têm é que se estar atento e atalhar quando é necessário atalhar aquilo que tem de ser corrigido e melhorado.

 

 

 

 

 

“Junto da direcção até agora não chegou nada”

Na sequência do recente caso de violência escolar entre dois alunos, a DSEJ solicitou à EPM o envio de um relatório que ficou prometido para depois das férias da Páscoa. Já foi entregue?

Houve, há e vai continuar a haver situações menos agradáveis. Essas questões são identificadas e trabalhadas pela escola de acordo com o regulamento interno e, sobretudo, com a discrição que merecem, porque estamos a tratar de crianças, portanto, temos de resolver dentro das portas da escola da melhor maneira possível. Os jovens merecem todo o respeito e, portanto, qualquer coisa menos bem feita pode traumatizá-los, por isso não gosto de falar nem que venha para os jornais. Tenho a responsabilidades para com os alunos e tenho elevadíssimo respeito pela sua identidade. Se há um incidente tem que ser tratado, não se pode por a cabeça na areia e tem de se arranjar a melhor maneira de o resolver e superar, mas o que não pode é ser feito sem ser com a máxima discrição. Nunca o farei de outra forma. Agora, obviamente que temos uma tutela – duas aliás – e se a DSEJ nos pede um relatório, com certeza que será feito findas todas as averiguações pela escola, mas isto é feito em correspondência confidencial. O relatório será feito na devida altura. Não vou apressar nada, vou fazer as coisas ‘by the book’ e respeitando as crianças enquanto jovens em desenvolvimento que eu quero que se mantenham na escola e se sintam bem [nela].

 

A Inspecção Geral de Educação e Ciência afirmou, em resposta por e-mail, ao HM, ter recebido e estar a analisar duas queixas relativas à EPM. Uma respeitante a esse caso, ocorrido em Março, e outra referente a agressões a um aluno por parte de colegas alegadamente promovidas por um docente, que remonta a finais de 2016. Qual o ponto de situação?

Eu não tenho conhecimento de quaisquer investigações em curso. Não é suposto a Inspecção de Portugal vir fazer perguntas à escola sobre uma questão que se passou aqui. Obviamente que pode fazê-lo, com certeza que o pode fazer, mas o não o fez ainda. Não sei se vai fazer, mas até à data não o fez. (…) Se está a investigar é porque terá chegado alguma coisa, mas à direcção, até este momento, não chegou nada – é o que posso dizer.

 

 

EPM em números

A EPM abriu no ano lectivo 1998/1999 com 1132 alunos, registando-se depois um decréscimo progressivo do número de alunos até 2010/2011, ano em que foi atingido o valor mínimo de 462. A partir daí, o universo começou a crescer gradualmente e no actual ano lectivo encontram-se matriculados 577 alunos. Dos 577, 430 têm nacionalidade portuguesa, 74 chinesa, havendo ainda 73 de outras origens. Contudo, o português é a primeira língua apenas para 357 estudantes , um “dado curioso”, como assinala Manuel Machado. No que toca ao corpo docente, no ano lectivo inaugural, a EPM tinha 91 professores, incluindo 18 a tempo parcial. Actualmente, são 59, dos quais dois em part-time. A EPM conta ainda com sete funcionários administrativos, 17 auxiliares, bem como com duas psicólogas e quatro professores de ensino especial, a somar a cinco técnicos especializados.

 

Vinte anos celebrados com espectáculo no CCM

No próximo dia 21, pelas 19h30, vai haver um espectáculo no Centro Cultural organizado por professores, ex-professores, alunos, ex-alunos e encarregados de educação actuais e de outros tempos, intitulado “Vinte anos a navegar”.

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Jorge
Jorge
12 Abr 2018 14:26

Este merdas ainda está no mesmo lugar? Isto é que é renovação sim senhor!