Mercado de arte: China é número dois a nível mundial e lidera na Ásia

O relatório “UBS Global Art Market”, divulgado pela organização da Art Basel de Hong Kong, aponta para um crescimento de 12 por cento nas vendas de arte em todo o mundo, contrariando uma tendência negativa que se vinha registando há dois anos. A China é o segundo maior mercado mundial, mas de acordo com Margarida Saraiva, curadora do Museu de Arte de Macau, nem assim o território tira vantagens: há poucos dealers e nenhuma galeria financeiramente sustentável

 

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] aparecimento de uma nova vaga de milionários e bilionários na China nos últimos anos fez com que o país tenha começado a dominar o mercado de arte a nível mundial. De acordo com o mais recente relatório divulgado pela organização da feira Art Basel de Hong Kong, intitulado “UBS Global Art Market Report”, a China é o segundo maior mercado de arte do mundo, com 21 por cento de vendas, enquanto que os Estados Unidos continuam a liderar. O continente ultrapassou mesmo o Reino Unido, que registou apenas 20 por cento das vendas. Sem surpresas, a China foi o país com mais vendas na Ásia.

O relatório elaborado pela economista Clare McAndrew, especialista na área cultural, revela também que o mercado de arte global contrariou uma tendência de quebra que se vinha verificando nos últimos anos, ao ter sido registado um aumento global de vendas na ordem dos 12 por cento face a 2016. O ano passado o sector deu trabalho a três milhões de pessoas em todo o mundo, com a operacionalização de 310 mil negócios com transacções comerciais na ordem dos 19.6 biliões de dólares.

Margarida Saraiva, fundadora da plataforma cultural BABEL e curadora do Museu de Arte de Macau (MAM), refere que o novo posicionamento da China neste mercado “é notável”, mas “não surpreendente, porque é uma extensão do desenvolvimento económico geral”.

Países asiáticos como o Japão, Coreia do Sul, Índia e Indonésia representaram, em conjunto, 23 por cento do mercado, o que revela o verdadeiro sucesso da China neste sector. Os números da China e da Ásia mostram “uma forte dinâmica de riqueza e de mercado, o que sugere que esta fatia de mercado pode vir a aumentar no futuro”.

O relatório aponta ainda para um enorme crescimento das vendas de arte online, que representam hoje em dia oito por cento do valor total de vendas, atingindo os 5.4 biliões de dólares americanos. Um aumento de dez por cento por ano e de 72 por cento nos últimos anos.

Para Margarida Saraiva, “este facto é absolutamente extraordinário” e mostra que houve um “aumento muito significativo de coleccionadores à escala global”. “Não se trata aqui de grandes coleccionadores, museus, galerias, mas novos coleccionadores que apresentam também comportamentos novos, capazes de prescindir de um contacto directo com a obra de arte, antes da sua aquisição”, apontou ainda.

O documento indica ainda a grande representatividade das vendas a cargo dos “dealers”, ou negociantes de arte, que constituíram 53 por cento do valor de mercado, um aumento de quatro por cento. Estas vendas representaram, em 2017, um total de 33.7 biliões de dólares.

Já os leilões representaram apenas 47 por cento das vendas em todo o mundo. De acordo com Margarida Saraiva, “esta alteração inverte uma tradição muito antiga, segundo a qual as vendas em leilões eram normalmente superiores”.

Mesmo com a existência do mercado da Internet, as feiras de arte “continuam a ser uma parte central do mercado global de arte”, refere o relatório, uma vez que as vendas agregadas se cifraram nos 15.5 biliões de dólares o ano passado, mais 17 por cento. As feiras contaram com a participação de 46 por cento dos negociantes de arte a nível mundial, cujo custo de participação também aumentou 15 por cento em relação a 2016.

Macau sem benefícios

Apesar de ser uma região administrativa especial chinesa, Macau, é um pequeno território em termos de mercado de arte, onde não existem leilões, os coleccionadores são raros e não existem galerias de arte financeiramente auto-sustentáveis sem o apoio de subsídios do Governo.

Para Margarida Saraiva, é difícil que o território venha a tirar partido deste posicionamento da China no mercado global de arte, porque é um posicionamento “que tem a ver com as vendas”. “Quem é que em Macau poderá beneficiar deste novo posicionamento da China? Naturalmente, os ‘dealers’ que se dedicam à venda de obras de arte podem beneficiar, porque havendo mais potenciais compradores, haverá mais hipóteses de venda. Mas quais são? Que eu conheça não passam de uma dezena.”

Além disso, “não há registo de galerias bem sucedidas ou sequer sustentáveis. Depois é preciso ver o que é que se compra na China para ajustar a oferta. Não vejo, nenhuma razão em particular que possa levar os compradores a virem comprar em Macau”, apontou ao HM.

Margarida Saraiva refere que, para colmatar esta situação, é fundamental fazer “um trabalho mais de fundo e sério, através da realização de exposições que possam participar dos principais debates contemporâneos e por essa via atrair jornalistas, especialistas, curadores, críticos e coleccionadores”.

No que diz respeito aos artistas locais, estes devem “encontrar dealers em Hong Kong, em Xangai, em Pequim, participar em feiras, expor e ainda procurar fazer uso nas grandes plataformas de venda online, capaz de lhes abrir um mercado em todo o mundo”. Só assim poderão beneficiar do posicionamento da China no que diz respeito às vendas, descreve Margarida Saraiva.

Nesse sentido, a curadora do MAM deposita algumas esperanças na primeira edição da Macau Photo Fair, que inaugura já esta sexta-feira no Venetian, e que se dedica exclusivamente ao mundo da fotografia.

“No essencial, parece-me reunir mais condições para desenvolver um trabalho interessante do que a feira que se tentou fazer há uns anos. Primeiro porque encontrou um nicho, que a distingue da Art Basel, ao escolher dedicar-se apenas à fotografia, vídeo e novos media. Depois porque estabeleceu o seu calendário por forma a beneficiar do público da Art Basel, tendo garantido a presença de alguma importantes galerias internacionais.”

Arte online: os riscos

Como mostra o relatório divulgado pelos organizadores da Art Basel, a venda de arte online é cada vez mais uma tendência e pode passar, a título de exemplo, pelo download pago de fotografias. Margarida Saraiva destaca ainda a possibilidade de se realizarem bases de dados sobre as preferências dos coleccionadores.

“A novas grandes plataformas de venda de obras de arte online oferecem aos consumidores opções como fazer o upload da fotografia da sua sala de estar, do seu escritório, e testar diferentes obras colocadas virtualmente nesse espaço, oferecendo simultaneamente consultoria artística e de decoração de interiores, como serviços complementares personalizados. Além disso, registam os interesses dos coleccionadores, através de cada clique que se faz no site, desenvolvendo bases de dados sobre cada indivíduo que permitem campanhas de marketing altamente dirigidas para os gostos e preferências do potencial comprador.”

Apesar de estarmos perante uma “verdadeira democratização do mercado da arte”, Margarida Saraiva alerta para a banalização da mesma com as vendas online. “O risco para a arte é ver-se transformada em objecto decorativo ou em bibelô”, frisou a curadora, lembrando que “esta abordagem permite um aumento muito significativo dos coleccionadores e pode favorecer os artistas menos bem sucedidos nos círculos mais académicos ou nos museus. Algo que, em geral, traz outras preocupações em relação à arte e as práticas artísticas, favorecendo um entendimento segundo o qual uma obra de arte expande os horizontes de um certo tempo, o que não é compatível com as intenções do mercado ou dos coleccionadores menos informados”.

Falar de mercado de arte é também sinónimo de falar de milionários. Em 2017 um total de 35 por cento de milionários em todo o mundo “eram coleccionadores de arte activos”, sendo que, a nível global, as suas fortunas não pararam de crescer. O preço médio comum para a compra de obras de arte foi, no mínimo, de cinco mil dólares (de acordo com 79 por cento dos inquiridos), sendo que 93 por cento diz ter adquirido obras com um valor abaixo dos 50 mil dólares. Menos de um por cento dos compradores admitiu ter gasto mais de um milhão de dólares em obras de arte. Cerca de 86 por cento afirmou nunca ter vendido uma peça de arte da sua colecção particular, sendo que 32 por cento, comprou obras de arte como forma de investimento.

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