Olho por olho e ficamos todos cegos

[dropcap style=’circle’] R [/dropcap] ecentemente, ficámos a saber pelos jornais que, nos EUA, um homem tinha sido preso por tentar atacar o agressor sexual das suas duas filhas, o clínico do centro de medicina desportiva da Universidade de Michigan, Larry Nassar. O caso ocorreu durante uma audiência, que teve lugar no início de Fevereiro.

O pai das jovens, Randal Margraves, atacou o réu após as filhas terem prestado depoimento. No Tribunal, Margraves encontrava-se de pé, junto à mesa onde estavam sentados os seus dois advogados. Foi então que Margraves dirigiu um pedido à juíza Janice Cunningham,

“Por favor, conceda-me cinco minutos a sós com o filho da mãe.”

A juíza recusou o pedido, como é natural.

“Então por favor, apenas um minuto.”

A magistrada voltou a recusar.

Nessa altura, Margraves disparou em direcção a Nassar, com o fito de o morder, mas acabou por ser impedido pelos funcionários do Tribunal.

A audiência foi adiada por 30 minutos. Quando retomou, Margraves pediu desculpa. Foi detido por breves momentos, mas o juiz que analisou o caso recusou-se a prende-lo por ofensas ao Tribunal.

Margraves contou ao juiz,

“Não estou aqui para me sobrepor às minhas filhas. Estou aqui para as ajudar a ultrapassar esta situação horrível.”

O juiz retorquiu,

“Não posso tolerar nem pactuar com atitudes vigilantes ou com comportamentos vingativos. No entanto, devido às circunstâncias, este Tribunal não lhe aplicará qualquer castigo.”

“Ninguém está a desculpá-lo. Contudo, existem procedimentos legais, e o sistema judicial faz o que é suposto fazer.”

Dois dias mais tarde, o procurador Douglas Lloyd declarou que Nassar não pretendia processar Margraves.

O comportamento de Margraves no Tribunal é compreensível em face do que aconteceu às filhas. Mas qualquer agressão é inaceitável, sobretudo se ocorrer num Tribunal. Se começarmos a clamar por vingança abrimos as portas a situações incontroláveis. Foi o que a juíza Cunningham quis dizer quando referiu “olho por olho, e ficamos todos cegos”. A vingança é obviamente inaceitável. Para punir o crime existem os Tribunais e nunca devemos ir além disso. A justiça nunca pode passar por vinganças pessoais. O propósito dos nossos sistemas jurídicos é a aplicação de pena pelo Tribunal – para promover a ordem, o direito e impedir a vingança. A vingança só pode gerar o caos.

Mas para impedir comportamentos vingativos, é necessário que exista um sistema jurídico de total confiança. O sistema deve proporcionar justiça às vítimas. Será que neste caso o castigo aplicado a Nassar foi justo? É difícil dizer, até porque o castigo nunca é proporcional ao sofrimento das vítimas.

Se o caso for muito grave, é ainda mais difícil determinar o que é “proporcional”. Em 2005, Chun-kwok, um polícia de Hong Kong patrulhava as ruas sozinho e mandou parar um suspeito, de seu nome Chi-Yung Liu. Nessa altura, o suspeito esfaqueou o polícia no pescoço. Devido à hemorragia o agente ficou em coma, porque o cérebro deixou de ser oxigenado e acabou por ficar em estado vegetativo. Os médicos afirmaram que será praticamente impossível haver uma recuperação.

Como o suspeito se entregou à polícia só foi condenado a 10 anos de prisão. Ao fim de 5 anos e 9 meses, saiu em liberdade condicional, por bom comportamento.

Por ter sido ferido no cumprimento do dever, o Governo da RAEHK foi obrigado a pagar uma indemnização a Chun-kwok, que se traduziu nos seguintes termos:

a. Pagamento de salário e pensão mensais
b. Cobrir todas as despesas médicas
c. Pagamento de uma indemnização avultada à esposa do agente
d. Assumir os encargos do curso superior que a filha de Chun fez na Austrália.

Para além disto, a Força Policial de Hong Kong realojou às suas custas a família de Chun-kwok.

Neste caso o castigo aplicado ao agressor pode ser comparado ao sofrimento causado à vítima? Ter-se-á feito justiça? Terão as avultadas quantias de dinheiro compensado a família por, na prática, ter perdido um ente querido? Mais uma vez, são questões de difícil resposta.

Mas, sejam quais forem as nossas opiniões, nunca podemos aceitar que se faça justiça pelas próprias mãos. O castigo aplicado ao agressor deverá ser proporcional aos danos que causou. Para bem de todos, a justiça nunca pode passar as portas do Tribunal.

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