O lugar das coisas

[dropcap]O[/dropcap]s sistemas de rotina nem sempre coincidem de pessoas para pessoas. Basta perceber que há pessoas arrumadas e pessoas desarrumadas. Há quem ache que um terceiro vive no caos, quando esse terceiro se dá perfeitamente com o ambiente que criou. O ponto fundamental parece ser este. Um objecto pode ser identificado num “topos” que não é a sua “chora”, o seu território, por assim dizer. Cada objecto tem o seu território e o território identifica também outros objectos com os quais está relacionado. Sem esses outros objectos, um objecto pode estar isolado. Há um sistema, uma rede de forças, que identifica logo uma coisa no seu sítio com uma relação intrínseca com outra coisa que pode não estar no seu sítio. Imaginemos as loiças da casa de banho e as da cozinha. Um bidé não fica na cozinha por razões óbvias e o lava-loiças não fica bem na casa de banho. Mas o lava-loiças implica uma zona para ter tachos, pratos e talheres sujos e uma outra zona onde eles são colocados para serem enxugados.

O armário onde serão arrumados está próximo, etc., etc.. A própria relação do território de cada objecto pode ser alargado. Pensemos na relação que há entre pôr a mesa ou equipar a mesa e levantar a mesa para lavar a loiça. Há uma relação entre os sítios próprios onde se arrumam copos e pratos, os armários da loiça, e os sítios próprios onde estão tachos, panelas e fervedores, por exemplo. Há um sítio onde está o pão e o seu cesto. Um sítio onde estão os talheres. As gavetas dos talheres têm divisórias para garfos, facas e colheres, e até para colheres de várias dimensões. Estes “artigos” viajam até à mesa. São colocados sobre a toalha posta. Têm um sítio apropriado, cada lugar está reservado para cada pessoa específica da família e sem grandes cerimónias. Podemos alargar a consideração. Olhemos para a nossa mesa de trabalho. Pode ser a secretária onde uma miúda ou um miúdo estão a fazer os seus trabalhos de casa. Pode ser a secretária de um arquitecto, engenheiro, médico, filólogo. A secretária é estruturalmente diferente para cada profissão e cada profissional tem a sua maneira de arrumar as coisas. Por exemplo, a sua posição relativamente à luz. Um dextro recebê-la-á pela esquerda. Será posta junto à janela ou afastada dela, para não haver distracções. Há livros que eu tenho à esquerda e outros à direita. A posição do computador tem de ser confortável para escrever, para prevenir até a fadiga física. Se pensarmos nos sítios das nossas vidas, percebemos que ginásios, hospitais, cafés, sítios públicos e privados têm os seus sítios estruturalmente determinados para as suas coisas. A nossa vida lida com sítios inteiros, espaços públicos, locais e localidades precisamente como lida com o açucareiro, leite e café. Organizamos a nossa vida de acordo com os sítios pelos quais a nossa vida está distribuída. Essa organização é temporal.

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