A Sombra de Teseu [Terceiro Estásimo]

(entra o coro de mulheres)

CORIFEU

Fedra é pior que víbora!

Fedra é pior que víbora!

CORO DE MULHERES

Que culpa tem, se Afrodite

Teceu o destino da paixão?

Ninguém se dá a sua vida,

Ninguém escolhe a sua morte.

CORIFEU

Mas vede como sofre Teseu!

(Teseu entra em cena e fala consigo mesmo)

TESEU

Um pai responde por um filho?

De que adianta tudo o que se faz,

Se os filhos serão sempre o que os deuses quiserem?

Para quê fazer filhos,

Se nos serão sempre menos que a nossa própria sombra?

Quem fará chegar o mal a um coração

E porquê, porquê?

E existirá maior mal do que um pai assistir à sua vida cair na lama

Pela acção de um filho?

Os tempos passados foram iluminados por desastres

E os futuros não serão melhores.

Porque teimamos ainda em prolongar a vida,

Através de novas gerações?

Com que forças hei-de agora mandar prender meu filho,

Condená-lo ao exílio,

Para se arrastar por terras desconhecidas sem nada

E sem ser nada entre essas gentes?

O exílio é pior que a morte!

É morrer todos os dias

E saber que se vai morrer sempre mais no dia seguinte.

Mas não matar um filho que merece a morte,

Concede-nos sempre um horizonte de espera que o mundo mude.

O mundo não muda, mas enquanto se espera pode mudar.

Mando Hipólito para mil mortes,

Mas fico com o coração nas amuradas da espera de que algo mude,

De que nada seja como tem sido.

Estas vãs mãos mortais,

Que nada podem fazer de verdadeiramente importante!

(entram guardas em cena)

CHEFE DOS GUARDAS

Mandaste-nos chamar, rei?

TESEU

Mandei, sim! Vão nos aposentos de Hipólito e prendam-no! E tragam-mo aqui, feito já prisioneiro.

(Hipólito entra em cena, com os guardas, e confronta-se com Teseu)

QUARTO EPISÓDIO

HIPÓLITO

Meu pai, que loucura vem a ser esta? Porque me fizeste prisioneiro em nossa própria casa?

TESEU

Ainda te atreves a perguntar porquê, miserável? Nem coragem tens para assumir perante mim aquilo que fizeste?

HIPÓLITO

Mas que fiz eu, meu pai? Que mal fiz, para ser tratado como um cão que morde o dono?

TESEU

Não escolheste bem a comparação, Hipólito! Um cão que morde o dono é ainda digno de pena, mas tu não! Tu és aquele que ataca no escuro da noite e pelas costas a parte fraca de quem te deu a vida.

HIPÓLITO

Não estou a entender o que minha mãe tem a ver com isto…

TESEU

Não é a tua mãe, mas a minha mulher.

HIPÓLITO

Fedra? Falas de Fedra?

TESEU

Sim, Fedra! Falo de Fedra, minha mulher, tua madrasta, tua rainha…

HIPÓLITO

Mas que mal fiz eu a Fedra? Ártemis é minha testemunha!

TESEU

Nenhuma deusa protegerá um homem como tu!

HIPÓLITO

Mas que fiz eu, meu pai?

TESEU

Não te atrevas a chamar-me de pai mais vez nenhuma, ou serei eu mesmo a acabar com a tua vida, trespassando-te aqui com o fio da minha espada!

HIPÓLITO (sorrindo de espanto)

Não acredito! Não acredito que aquela bruxa conspirou contra mim e que meu pai acreditou nas suas palavras!

TESEU (desembainhando a espada)

Cala-te, ímpio! Cala-te ou teus intestinos irão feder esta sala, agora mesmo!

HIPÓLITO (cala-se e depois volta a falar com moderação)

Teseu, escuta primeiro as minhas palavras, por favor! Nunca foste parco de justiça, não comeces agora.

(perante o silêncio de Teseu, Hipólito inicia a sua defesa)

Ainda nem o sol rodou um dia à volta da Terra, e Fedra tentou seduzir-me, Teseu!

(este joga a mão à espada, novamente, e Hipólito estende a mão, pede)

Espera, Teseu! Espera, por favor. Escuta tudo até ao fim, mesmo que te custe, pois essa é a tarefa de um juiz. Talvez pela ausência de notícias tuas, não sei, ela…

TESEU

És capaz de me dizer que não foste procurar-me em Atenas?

HIPÓLITO

Fui procurar-te, sim. Não era só eu que estava preocupado, mas também Fedra. Fi-lo para lhe dar descanso.

TESEU

Não é então verdade que quiseste tê-la como mulher e foste a Atenas em busca da prova da minha morte, de modo a que ela se entregasse a ti, como te tinha prometido se se confirmasse a minha morte, Hipólito?

HIPÓLITO

O quê? Que loucura é essa, meu… Teseu?  Que loucura é essa? Que renegue a Ártemis se tal enredo aconteceu de verdade! As palavras são capazes de tudo, Teseu. Meu pai sabe bem disso! Mas quererá isso dizer que seja verdade? Agora, aqui mesmo, posso dizer que matei Fedra. E as minhas palavras fazem disso verdade? Está por acaso Fedra morta?

TESEU

Deixa-te de palavreado, Hipólito! Quero factos! Factos!

HIPÓLITO

E exigistes factos a Fedra, quando a escutaste? Exigiste, Teseu? Ou só os exiges a mim?

(Teseu fica um pouco confuso e Hipólito aproveita para continuar)

Porque não chamas Fedra agora, aqui? E exiges de ambos factos. E escutas de ambos as palavras. Um frente ao outro, Teseu. Assim continuarás a ser o bom juiz que sempre foste. Não dês mais valor às palavras de um que às de outro. Ela é tua mulher e eu sou teu filho. Mas ainda que não fôssemos para ti senão estranhos, ou só um de nós o fosse, terias de escutar ambos com o mesmo comprimento de espada. Não te parece que tenho razão, que estou certo? Não foi assim que me ensinaste, desde cedo na vida?

TESEU (para o chefe dos guardas)

Envia alguém aos aposentos de Fedra, e que ela venha imediatamente ao seu rei, que é urgente.

(o chefe dos guardas dá sinal a um dos guardas e ele parte)

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