China / ÁsiaBluff de Trump atira jovem são-tomense de Taipé para Pequim Hoje Macau - 21 Ago 2017 [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]os 21 anos, o são-tomense Reginaldo Trindade foi apanhado pelo efeito borboleta: um bluff do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, lançou-o de Taipé para Pequim, arrastado pelas correntes da geopolítica mundial. “Foi tudo da noite para o dia”, recorda à agência Lusa Trindade, que até Março passado estudava numa universidade de Taiwan, com uma bolsa de estudo oferecida pelo governo local. Taiwan, a ilha onde se refugiou o antigo governo chinês depois de o Partido Comunista (PCC) tomar o poder no continente, em 1949, assume-se como República da China, mas Pequim considera-a uma província chinesa e ameaça usar a força caso declare independência. São Tomé e Príncipe era um dos poucos países que mantinha relações diplomáticas com o território, mas em Dezembro passado anunciou o reconhecimento da República Popular da China, rompendo com Taiwan. Reginaldo Trindade, e dezenas de outros jovens são-tomenses que estudavam em Taiwan, foram imediatamente notificados de que as suas bolsas seriam canceladas. “O pânico instalou-se”, recorda. “Ligávamos para São Tomé e ninguém sabia dizer nada”. Reginaldo tinha aterrado em Taiwan dois anos e meio antes e era ali que via o seu futuro: “Já tinha a minha vida ali. Universidade, amigos, namorada.” No início, pensou em ficar. Mas, se o fizesse, “teria que contar com a ajuda da família. E isso era algo que queria evitar”. Apanhado de surpresa Em Março, após concluir o ano lectivo, já resignado e de malas feitas, foi surpreendido: “Dois dias antes de sairmos de Taiwan fomos informados de que iriamos para a China”, conta. “Nada estava previsto”. Por detrás da reviravolta na vida do jovem são-tomense surge o agudizar das relações entre Taipé e Pequim, em torno de um bluff do então Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Dezoito dias antes de São Tomé cortar relações diplomáticas com Taipé, a presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen, telefonou a Trump a felicitá-lo pela vitória nas eleições, assumindo assim o estatuto de chefe de Estado, à revelia de Pequim, que não considera Taiwan uma entidade política soberana. A chamada durou pouco mais de dez minutos, mas quebrou com um protocolo de quase 40 anos e gerou expectativas em Taipé de uma maior cooperação com Washington. Pequim protestou, mas Trump parecia decidido a fazer da questão de Taiwan uma moeda de troca para travar o que considera serem práticas comerciais injustas por parte da China. Em entrevista à Fox News, poucos dias depois da conversa com Tsai, Trump afirmou: “Não sei porque temos de estar limitados à política `Uma só China` a menos que façamos um acordo com a China sobre outras coisas, incluindo o comércio”. Após assumir o cargo, contudo, o novo inquilino da Casa Branca voltou atrás e reafirmou o seu compromisso com aquela política, não voltando a tocar no assunto. Mas a audácia de Tsai teria de ser punida e Pequim jogou então com o seu peso económico para atrair São Tomé, num “óbvio castigo” para a líder taiwanesa, como referiu então um jornal do PCC. Final feliz Reginaldo aprendeu depressa que a política está em todo o lado, mas no seu caso garante que foi para o lado melhor. “Oportunidades é o que não falta na China”, conta. “Sinto que estou no lugar certo, na altura certa”. Antes de aterrar em Pequim, no entanto, o jovem são-tomense vinha receoso, imaginando o país como um lugar poluído e governado por um Estado repressivo, onde “a polícia andava sempre na rua a apanhar pessoas e fazer perguntas”. “Estava completamente enganado”, admite. E se alguém lhe perguntar hoje se deve ir para a China, responde: “Vem, não penses muito, é o lugar certo para vir”. Quanto ao que sente mais falta em Pequim, Reginaldo aponta sem hesitar: “Família, praia e comida”. Apesar de a capital chinesa ser “boa para ganhar dinheiro, falta qualidade de vida”, admite. “A população em São Tomé chega a ser quase o equivalente a um bairro em Pequim”, diz. “Em São Tomé vivia a dez minutos da praia. Aqui, acordo, abro a janela e vejo prédios e prédios”.