MancheteO manicómio Isabel Castro - 13 Ago 2017 Claro que houve sempre doidos. Não é de hoje. A história está cheia de alucinados, lunáticos, parvos, arrogantes, gente má, feia e de higiene duvidosa. Lemos todos os livros sobre malta perniciosamente desvairada porque nos quiseram ensinar o oposto. Fomos educados, muitos de nós, com uma clássica distinção entre o bom e o mau. Não faças o que não queres que te façam e por aí fora. Blá blá blá. Há várias classes de doidos. Sempre houve. Há os doidos inofensivos que, para efeitos deste texto, não interessam. Depois, temos os tontos, aqueles que são aparentemente inócuos para o bem-estar mundial, mas que podem ser carraças comunitárias difíceis de exportar para outras paragens. Não há tontos bons, mesmo aqueles que se acham bonzinhos porque não são tontos – são tontinhos. Os tontos têm sempre qualquer coisa escondida na manga, mesmo quando é curta. Os tontos são chatos e a chatice contribui para que o mundo não evolua. Os lunáticos também não são recomendáveis, apesar de poderem ser confundidos com idealistas. Porque são doidos, deixam-se ir na cantiga de outros doidos que têm os pés mais na terra. Os lunáticos são, de todos os doidos, os mais manipuláveis. Por isso mesmo, têm um lugar de relevo na galeria dos mais perigosos. Os alucinados são aqueles que devemos, a todo o custo, evitar, sobretudo quando há eleições. Os alucinados são sempre parvos e arrogantes. Há alucinados inteligentes e outros inacreditavelmente idiotas. Têm em comum uma característica que poderia ser uma virtude, não fosse a alucinação: são honestos na sua afirmação identitária. Não é difícil detectar um alucinado, por mais disfarçado que esteja de pessoa normal. Doidos sempre houve e gente boa também. A história do mundo faz-se de pessoas que tentaram melhorar este sítio redondo onde calhou vivermos. E depois a história faz-se de doidos que estragam o trabalho dos outros e jogam às cartas com pessoas: atira uma para aqui, atira outra para ali, baralha e volta a dar, se não interessa esconde, se o jogo já não dá prazer, acaba-se com ele, com as cartas, com os outros jogadores, vai tudo para o lixo e o mundo evoluiu tanto que, em vez da fogueira, usa-se a reciclagem. Fomos educados, muitos de nós, com uma clássica distinção entre o bom e o mau. Entre o que se deve defender e o que se deve combater. Sucede que não nos prepararam para isto, apesar de nos darem todos os livros de história. Enganaram-nos na medida em que tentaram vender-nos a ideia de que o mundo está a evoluir. O mundo não se qualifica pela quantidade de apps disponíveis. Temos hoje dois grandes doidos alucinados que, neste momento, trocam aviõezinhos de papel com promessas de guerra. Vou fazer-te um inferno de fogo. Isso vai arder como tu nunca viste. Larga o nuclear. Não largo, larga tudo. Não faças bombas. Cala-te. Cala-te tu. Ele mandou-me calar. Não te queixes que é feio. Isto seria engraçado se tivessem três anos. Não têm, mandam em muita gente, têm muita força: um tem a força suficiente para manter esfomeado um país que é uma prisão; o outro tem o poder suficiente para pôr o mundo em cuecas à distância de uma twittada azedada, depois de uma noite de televisivas insónias. Estes dois alucinados, sem idealismo que os sustente para sequer poderem ser considerados lunáticos, brincam com os milhares de pessoas que, pelo meio, têm medo de levar com uma bomba na cabeça, por mais que os analistas digam que isto é tudo a fingir, os aviões são de papel e as bombas são só de mau cheiro. No meio de tudo isto, há as lesmas que, vendo bem as coisas, são as menos inofensivas. São doidas mas não muito, não o suficiente para se aventurarem a cavalo à procura de novos reinos. Ao contrário dos outros dois, não acreditam em rainhas com dragões ao ombro. E quando estão todos juntos no sofá em frente à televisão, as lesmas são as primeiras a, inofensivamente, procurarem um buraquinho para poderem fechar os olhos e não verem o sangue, que as enoja. É nesses momentos que os outros dois se entusiasmam, acham que o Inverno está a chegar, esquecem-se que mundo há só um, vestem as peles de lobo e lá vão eles, a assustar o povo que, apesar de menos poderoso, sabe que, no fim da história, a alucinação acaba extraordinariamente mal.