Manchete PolíticaEleições 2017 | Sufrágio indirecto com vários rostos novos Isabel Castro - 14 Jul 2017 São 15 candidatos para 12 lugares, num sufrágio que diz pouco ao eleitorado em geral. Mas é neste grupo de deputados que se verificam, para já, as maiores alterações. E é também neste conjunto de membros da Assembleia Legislativa que está o maior poder interno [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]êm uma importância que, muitas vezes, escapa à opinião pública. São, por norma, os menos interventivos, o que pouco ou nada significa. Há muito trabalho de bastidores nisto da política. Não são escolhidos pela generalidade dos eleitores, mas sim pelos seus pares, por serem os mais bem posicionados para defenderem os interesses corporativos a que pertencem. A figura do deputado eleito por via indirecta é uma herança do passado, do tempo da Administração Portuguesa, em que era necessário garantir, na Assembleia Legislativa (AL), a representatividade das diferentes comunidades. À época, a política era dominada sobretudo por quem falava português e era preciso chamar para o hemiciclo pessoas do mundo chinês de Macau. Apesar de haver quem entenda que, hoje em dia, a ideia de ter deputados indirectos já não se justifica, as mexidas na lei eleitoral não tiveram consequências nesta organização peculiar do sistema legislativo do território. Os críticos desta via de acesso falam ainda de uma certa desadequação dos interesses representados à realidade actual da RAEM. Tomando como exemplo o sector do trabalho, observamos que os deputados eleitos por esta via são oriundos da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM). Houve tempos em que a FAOM congregava uma parte importante dos trabalhadores da cidade, mas hoje, atendendo à evolução do tecido económico e social, essa ideia é altamente questionável. Havendo ou não uma real correspondência com o que é hoje Macau, certo é que este grupo de 12 deputados tem uma forte ligação ao poder, mais ou menos assumida. O mesmo acontece interinamente: os principais cargos da AL estão entregues a quatro deputados eleitos por sufrágio indirecto. Ho Iat Seng é o presidente, Lam Heong Sang é o vice-presidente, Chui Sai Cheong e Kou Hoi In são os 1.o e 2.o secretários, respectivamente. Um dos nomes da Mesa da AL está de saída – Lam Heong Sang não se recandidata, pelo que na próxima legislatura será necessário encontrar quem o substitua. Mas esta será apenas uma das várias mudanças dentro deste grupo de tribunos: são vários aqueles que não vão permanecer na AL, a começar por Leonel Alves, deputado com 33 anos de experiência, o mais antigo de todos eles. Também Cheang Chi Keong decidiu que tinha chegado a hora de abandonar o órgão legislativo. Será necessário fazer mais uma substituição em termos internos, uma vez que o deputado é, há já várias legislaturas, presidente da 3.a Comissão Permanente da AL. A 1.a Comissão Permanente irá ter, igualmente, um novo comando, uma vez que a actual presidente, Kwan Tsui Hang, eleita pela via directa, decidiu afastar-se da vida política. Comedida concorrência Já houve eleições que não havia qualquer expectativa em relação aos resultados do sufrágio indirecto, por o número de candidatos corresponder exactamente aos assentos disponíveis. No dia 17 de Setembro, o nível de emoção será igualmente fraco, mas há um colégio eleitoral que terá duas opções no momento do voto: foram apresentadas duas listas para o sector profissional. Mas já lá vamos. Antes, importa recordar alguns números. O sistema eleitoral contempla quatro lugares para o sector industrial, comercial e financeiro, os chamados interesses empresariais; três lugares para o sector profissional; dois lugares para o sector do trabalho; dois lugares para o sector cultural e desportivo; e um lugar para o sector dos serviços sociais e educacional. Os empresários Porque há apenas uma lista – a União dos Interesses Empresariais de Macau – a eleição está garantida. É neste grupo que se encontra o influente Ho Iat Seng, presidente da AL, o empresário Kou Hoi In e o engenheiro civil José Chui Sai Peng, ambos deputados. Cheang Chi Keong é substituído por Ip Sio Kai, antigo líder do Banco da China e presidente da Associação de Bancos, um estreante nestas andanças legislativas. A União dos Interesses Empresariais de Macau foi a escolhida pelo colégio a que pertence quase por unanimidade: num universo de 102 eleitores legalmente registados e ligados aos sectores industrial, comercial e financeiro, obteve 97 votos. Na apresentação da candidatura, Ho Iat Seng – que, volta e meia, mostra ser crítico em relação ao modo como a RAEM é governada – defendeu que é preciso prestar atenção ao desenvolvimento do território. Afirmou que não se podem dar benefícios a um só sector, mas a todas as camadas da população. O número dois, Kou Hoi In, assegurou que vai defender os interesses que representa, bem como trabalhar para que sejam atenuadas as dificuldades sentidas pelas pequenas e médias empresas, sector que também merece a atenção de José Chui Sai Peng. Já Ip Sio Kai prometeu efectuar trabalho em prol do desenvolvimento do sector financeiro de Macau. Nas últimas eleições, a lista então igualmente liderada por Ho Iat Seng arrecadou 99,57 por cento dos votos. Os profissionais É o único sector onde vai existir alguma competição interna. Ao contrário do que aconteceu em 2013, em que a União dos Interesses Profissionais de Macau fez uma corrida solitária, este ano há mais uma lista: a União dos Interesses de Medicina de Macau. Este novo grupo é liderado por Chan Iek Lap, deputado eleito há quatro anos ao lado de Chui Sai Cheong e Leonel Alves. Desta vez, parte para o processo com uma equipa onde cabem Kuok Cheong Nang e Wong Chin Kit. Há três lugares para preencher. Resta saber como é que os votos se vão dividir, mas é altamente improvável que Chui Sai Cheong, empresário influente e com muitos anos de experiência legislativa, perca o lugar. Com a saída de Leonel Alves, o irmão do Chefe do Executivo concorre acompanhado por Vong Hin Fai, figura muito próxima de Chui Sai On que, neste momento, ocupa um assento na AL por ter sido por ele nomeado. A substituição de Leonel Alves por Vong Hin Fai não convence quem se interessa por estas matérias. Apesar de serem ambos advogados, Alves é tido como sendo um jurista com muita mais experiência; depois, tem três décadas de passado político e legislativo que o colocam numa posição ímpar no território. Da lista de Chui Sai Cheong faz ainda parte Ben Leong, uma figura bem conhecida de um sector profissional que reúne muitos portugueses: a arquitectura. Leong é presidente da Associação dos Arquitectos de Macau. Quanto à União dos Interesses de Medicina de Macau, Chan Iek Lap é um médico sem papas na língua que não tem, no entanto, marcado o seu percurso político através de uma intervenção pública regular. Em entrevista recente a este jornal, demonstrou ter preocupações políticas sobretudo na área em que trabalha, optando por não tecer grandes considerações sobre outros domínios sociais. Os operários Para os interesses laborais, o sistema reserva dois assentos, sendo que já se sabe, a mais de dois meses das eleições, quem é que vai ser eleito: Lam Lon Wai e Lei Chan U. São os herdeiros políticos de Lam Heong San e Ella Lei, actuais representantes do sector na AL, que saem ambos deste campeonato. Lam Heong San deixa o hemiciclo; Ella Lei decidiu atirar-se ao sufrágio directo, depois de uma primeira legislatura que ficou marcada por uma intervenção activa. Todos estes nomes surgem do mesmo contexto político: a Federação das Associações dos Operários de Macau. A Comissão Conjunta da Candidatura das Associações de Empregados, nome escolhido para lista, decidiu este ano fazer eleições internas para escolher os candidatos a deputados. São dois nomes sem experiência na matéria que já prometeram seguir os passos dos antecessores. Lam Lon Wai é subdirector da Escola para Filhos e Irmãos dos Operários e lidera a lista. Pretende defender os direitos dos residentes, sobretudo dos trabalhadores, fomentando a diversificação económica do território. Quer ainda impulsionar o desenvolvimento do sistema democrático e contribuir para a reorganização da máquina administrativa. Dos seus objectivos políticos fazem ainda parte “os assuntos ligados aos jovens”, com destaque para os que dizem respeito à ascensão na carreira. Lei Chan U leva com ele para a AL o que aprendeu como membro do Conselho Permanente de Concertação Social. Tem como principais preocupações problemas que afectam os trabalhadores: a sobreposição de férias com feriados e a necessidade de atribuir uma compensação aos trabalhadores, a implementação da licença de paternidade e o aumento dos dias de licença de maternidade. Garante que o ano não vai chegar ao fim sem apresentar sugestões para a revisão da lei laboral. Os desportistas culturais Trata-se de um sector sem novidades, sem concorrência, com dois candidatos para outros tantos lugares, figuras bem conhecidas de quem acompanha as lides legislativas do território: Cheung Lup Kwan e Chan Chak Mo. É mais um caso em que existem dúvidas sobre a verdadeira equivalência entre o nome do sector que representam e o meio de onde são oriundos, atendendo a que, em ambos os casos, se distinguem essencialmente no meio empresarial. Da biografia oficial de Vítor Cheung Lup Kwan no site da AL não consta o exercício, neste momento, de qualquer cargo ligado nem ao desporto, nem à cultura. Ocupa funções de topo em empresas ligadas ao investimento. Deputado à AL há muitos anos, é também membro do Conselho para o Desenvolvimento Económico da RAEM. Tem 79 anos. Chan Chak Mo tem uma visibilidade pública bastante maior, desde logo pelo facto de ser presidente da 2.a Comissão Permanente da Assembleia Legislativa. Com formação académica em Gestão de Empresas, o homem forte da Future Bright, deputado desde 2001, tem um longo currículo político e uma ligação ao Comité Olímpico de Macau. Os dois veteranos da AL candidatam-se com uma lista que se chama Associação União Cultural e Desportiva Excelente. O programa político inclui vários pontos relativos às directrizes do futuro desenvolvimento das áreas da cultura e do desporto, incluindo o Desporto para Todos, a formação para atletas de elite e o desenvolvimento da indústria cultural. Em 2013, os deputados foram eleitos com 96,36 por cento dos votos do colégio a que pertencem. A educadora O sufrágio de Setembro também não vai trazer surpresas no que toca ao sector dos serviços sociais e educacional. Chan Hong, presidente da Associação de Educação de Macau, ligada também aos órgãos sociais das Mulheres, volta a candidatar-se sem concorrência. Em 2013, foi eleita com mais de 98 por cento dos votos. Este ano, o resultado não deverá ser substancialmente diferente. A comissão de candidatura de Chan, a Associação de Promoção do Serviço Social e Educação, tem como metas a melhoria dos serviços sociais, o desenvolvimento da qualidade da educação e o aumento da qualidade da vida dos residentes. No âmbito dos serviços sociais, a deputada e candidata destaca a necessidade de aumentar o apoio aos cuidadores dos idosos e a acessibilidade. Quanto à educação, gostaria de ver um ritmo mais acelerado no projecto das escolas de Céu Azul e o aumento dos espaços para fins educativos.