h | Artes, Letras e IdeiasLeitura na festa literária de Angola Paulo José Miranda - 31 Mai 2017 [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o início da Metafísica de Aristóteles, lê-se “o ser diz-se de muitas maneiras”, e podemo-lo afirmar para a poesia. Vários foram os períodos da história, e não longe de nós, em que se afirmava que a poesia deveria ser desta ou daquela maneira e não de outra. Por exemplo, muitos viram na poesia concreta aquilo que deveria ser a poesia, relegando para o passado ou um não-sentido toda a poesia que não fosse concreta. Mais recentemente, muitos afirmaram que só a poesia do quotidiano era realmente poesia, tudo o resto era história da poesia ou má poesia, que o mesmo seria dizer “não poesia”. Em Portugal, no período salazarista, também tivemos as nossas guerras poéticas, por exemplo entre os poetas da Presença e os poetas do Neo-realismo. Ambos pretendiam que a poesia fosse aquilo que cada um deles pensava ser. Mas também podemos invocar as hostilidades entre neo-realistas e surrealistas. Hoje, e pelo menos em Portugal, a poesia diz-se de muitas maneiras. E se é verdade que não acabaram completamente os policias da poesia (parafraseando o poeta e escritor António Cabrita), dizendo o que é e o que não é a poesia, passando multas nos seus artigos de jornal, não é menos verdade que diminuiu bastante esse policiamento e há uma variedade maior na expressão poética em Portugal. Esta falta de policiamento não implica uma diminuição da qualidade poética, pois o mau e o bom sempre existiu, tanto no passado quanto agora. A falta de policiamento originou uma maior liberdade de expressão, fazendo com que apareçam múltiplas vozes. A poesia apresenta hoje um horizonte temático e formal muito alargado. Evidentemente este fenómeno tem origem na multiplicação das novas editoras. Há em Portugal uma proliferação de pequenas e novas editoras, que maioritariamente se dedicam à publicação de poesia, como nunca existiu antes. Abysmo, Artefacto, Averno, Companhia das Ilhas, Do Lado Esquerdo, Douda Correria, Guilhotina, Licorne, Língua Morta, Mariposa Azual, Palavras Por Dentro, Poéticas Edições, Tea For One, Tinta da China, Volta d’Mar e ainda outras que estarei aqui a esquecer injustamente, para além das editoras mais tradicionais: Assírio & Alvim, Cotovia e Relógio D’Água… Vários destes poetas editam em várias editoras, dependendo do projecto poético do momento ou também da oportunidade, fazendo com que não haja tanto uma linha editorial, no sentido antigo do termo, em que uma editora publica apenas um determinado tipo de poesia ou um modo de entender o que deve ser a poesia. A Douda Correria, por exemplo, e talvez a mais prolífera das novas editoras de poesia, edita até inéditos de autores brasileiros, onde a realidade social, politica e estética é bem diferente dessas mesmas realidades em Portugal. O que parece estar em causa nesta nova atitude editorial é o entendimento de que é a própria poesia que encontra os seus próprios caminhos, os seus próprios leitores, e não os editores ou os críticos. Irá fazer no início de Julho um ano que escrevo todas as terças-feiras uma ou duas páginas no jornal Hoje Macau acerca de poesia contemporânea, de autores mais novos do que eu. Autores maioritariamente portugueses, publicados pelas editoras que antes mencionei, mas também já escrevi acerca de autores brasileiros e acerca de um autor cabo-verdiano. Devo dizer-vos, contudo, que não faço crítica literária. Escrevo acerca de cada um dos livros um diálogo que estabeleço com os mesmos. Por vezes, esse diálogo nem sequer é com todo o livro mas tão somente parte desse mesmo livro. Pois há livros que embora possam parecer desequilibrados de um ponto de vista poético, acabam por ser extremamente ricos em matéria de reflexão, tanto de um ponto de vista linguístico quanto de um ponto de vista existencial. E, parece-me, é isso que hoje os editores finalmente entenderam. Aquilo que um leitor de poesia encontra num livro não é o mesmo que outro leitor de poesia poderá encontrar. Não defendo aqui qualquer espécie de relatividade poética, ou de que tudo é válido e tudo tem qualidade. Não. Pois hoje também proliferam as pseudo-editoras que “editam” livros que não têm qualidade. E esta qualidade a que me refiro é visível por si mesma. Porque em verdade, deveríamos usar para a poesia as mesmas palavras que Duke Ellington usou para a música: “There are two kinds of music. Good music, anda the other kind.” (Há dois tipos de música. A boa música e a outra.) E dessa outra poesia não pretendo falar aqui. E acerca da boa poesia, talvez fosse bom deixarmos de lado o pensamento infantil de que há um melhor poeta, de que há uma melhor qualidade de poesia. Como disse recentemente o poeta português Vasco Gato, uma das vozes da boa poesia portuguesa, numa entrevista ao jornal Hoje Macau: “Se há território que não me apetece pisar é o da qualidade poética. Será maior hoje? Serão tempos de mediocridade? Assumo nesse âmbito uma posição cautelar: não estou em condições de o aferir, não é esse o propósito e será a lâmina da história a cortar as goelas que tiver de cortar. Com toda a injustiça, com toda a falência.” Parece, sabiamente, ser também esta a posição dos editores de poesia hoje, em Portugal, das pequenas editoras, ainda que alguns deles possam não se rever nas palavras que aqui pronuncio. Por outro lado, um dos factores que me parece importante assinalar, em relação à poesia hoje em Portugal, é proliferação de poetas mulheres. Se recuarmos vinte anos atrás, veremos que o número de boa poesia escrita por mulheres cresceu exponencialmente. Deixo-vos aqui alguns nomes, só de poetas até aos quarenta anos de idade, todas diferentes, mas sem dúvida poesia com leitores e com qualidade: Catarina Santiago Costa, Cláudia Lucas Chéu, Cláudia R. Sampaio, Inês Dias, Inês Fonseca Santos, Joana Emídeo Marques, Matilde Campilho, Patrícia Baltasar, Raquel Nobre Guerra, Raquel Serejo Martins, Rita Taborda Duarte, Rosalina Marshall. Evidentemente a estes nomes femininos, de mais jovens poetas, juntam-se ainda outros nomes femininos. Mas os nomes anteriormente citados, 12, e outros faltarão, certamente, mostra bem a mudança registada nos últimos vinte anos.