Análise | Macau distante do exemplo de Taiwan no que toca a direitos LGBT

O Tribunal Constitucional de Taiwan decidiu que os casais do mesmo sexo podem contrair matrimónio, ficando em pé de igualdade de direitos com os casais heterossexuais. Taiwan torna-se assim no primeiro país asiático a legalizar o casamento gay. Apesar da conquista pioneira da Ilha Formosa, em Macau os direitos LGBT parecem congelados

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ouco mais de 800 quilómetros separam Taiwan de Macau, uma viagem de avião que demora uma hora e pouco. Descolar, ler um capítulo de um livro e a descida para aterrar inicia-se. Porém, em termos de igualdade e de luta pelos direitos civis a distância é grande.

Esta semana, uma longa batalha de um activista de Taiwan culminou numa decisão histórica do Tribunal Constitucional, que declarou que pessoas do mesmo sexo têm o direito a casarem. A Ilha Formosa abre, assim, o caminho na Ásia no que toca a igualdade perante a lei, sendo o primeiro território asiático a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

A decisão do tribunal superior deu dois anos ao legislador para alterar o Código Civil, que define o casamento como um contrato apenas entre um homem e uma mulher, a fim de respeitar o direito à igualdade.

Anthony Lam, presidente da Arco-Íris de Macau, quando questionado se acha possível seguir os passos de Taiwan, ri-se antes de responder. “Acho que um dia poderá ser atingido em Macau, mas ainda é cedo para se falar em igualdade no casamento, para já é apenas um sonho.”

Na opinião do activista de direitos LGBT, a situação é complicada, uma vez que não se protesta a favor da união de facto, nem contra a não inclusão de casais do mesmo sexo na lei da violência doméstica.

A apatia na luta por direitos iguais é transversal à comunidade. “Do que percebi da situação da comunidade em Macau, acho que é muito difícil mobilizar as pessoas LGBT para a causa política, para que advoguem pelos seus direitos, ou mesmo assumirem-se em público”, conta Melody Lu, do departamento de sociologia da Universidade de Macau.

Viver na sombra

Quando a Associação Arco-Íris se formou, a comunidade estava muito escondida em Macau, uma situação que conheceu poucos avanços até hoje. Os gays e lésbicas do território “tendem a ser invisíveis porque não sentem apoio suficiente para saírem do armário e viverem confortavelmente como eles próprios”, releva Anthony Lam. Assumir a identidade sexual pode levar a “discriminação, pressão familiar e de amigos, e há o medo de perder o emprego porque os patrões podem não gostar da sua orientação”, explica o activista.

O presidente da Arco-Íris encontra vários empecilhos institucionais na luta pela igualdade, nomeadamente uma classe política e legislativa que não apoia a comunidade LGBT. “As autoridades têm implementada uma política “dont ask, dont tell”, ou seja, é como se não existissem, ficando sem capacidade para influenciar as esferas de poder. Algo que empurra as pessoas para a obscuridade.

Melody Lu, académica especialista em questões ligadas ao género, considera que em Macau a comunidade gay e lésbica tende a agrupar-se mais num sentido social. Existem alguns focos de activismo, mas sem a força mobilizadora capaz de pressionar o poder. “Pelo que vejo, na generalidade, as pessoas em Macau não são muito dadas a activismo, excepto um pequeno número de pessoas”, conta a académica.

Assumir a sexualidade enquanto gay, ou lésbica, é um passo complicado, em especial numa sociedade asiática. Mesmo em Hong Kong, ou Taiwan, “ainda se vive muito um estilo de vida influenciado pelo tabu social e as pessoas só se assumem num grupo pequeno e selectivo”, revela Melody Lu. Muitas vezes, nem os próprios pais sabem da orientação sexual dos filhos.

A académica vê em Macau uma particularidade que não ajuda. “É uma cidade pequena no sentido em que tem várias redes sociais que se interligam, a palavra circula rápido, se te assumes para um pequeno grupo, toda a gente sabe”, explica.

No fundo, a identidade LGBT tende a ficar restrita no grupo. “Portanto, os encontros sociais são tão importantes, porque é a única forma que encontram para serem eles próprios, em que não têm de se esconder”, esclarece Melody Lu.

A académica entende as razões para esta clausura identitária, que é um mecanismo de defesa, mas considera que “assim é muito difícil avançarem para o próximo patamar”.

Pioneiros precisam-se

S. é uma mulher na casa dos 20 anos que diz não sentir na pele muita discriminação, inclusive não vê problemas em dar a mão à namorada nas ruas de Macau. Porém, considera que “a sociedade de Macau continua a ver muito mal, sobretudo, os homens gays”, revela. Encontra o preconceito mais enraizado nas famílias mais tradicionais, algo que é transversal à idade e grau de ensino.

Anthony Lam alarga o espectro preconceituoso, que não se circunscreve apenas a famílias chinesas, mas também a algumas portuguesas que reagem muito mal quando um familiar se assume como homossexual. O activista acha que a falta de sensibilidade das autoridades para os assuntos LGBT não ajuda a população a mudar de mentalidade, daí a importância da vitória dos activistas de Taiwan. “É um exemplo para toda a Ásia e que mostrará que a igualdade não terá efeitos negativos na sociedade”, projecta o presidente da Arco-Íris Macau.

O caso taiwanês não surge do nada, mas é resultado de um longo percurso de várias décadas. “Há 20 ou 30 anos estavam iguais a Macau, nem podiam assumir para eles a sua própria identidade, mas de repente aparece uma pessoa com coragem suficiente para se assumir”, conta Melody Lu.

Chi Chia-wei, um gay que saiu do armário há mais de 40 anos, foi o autor do processo que terminou na decisão histórica do Tribunal Constitucional. “A longa jornada de aceitação e legalização de relações entre pessoas do mesmo sexo partiu de um indivíduo e agora mais de 250 mil pessoas participaram no último protesto”, contextualiza a académica.

Muitos jovens seguiram o exemplo de coragem de Chi Chia-wei, que abriu as portas para muitos jovens. Na leitura de Melody Lu, “é preciso uma geração para mudar a atitude social”. A geração de S. pode ser fundamental para a revolução de mentalidades que urge impor-se em Macau.

A jovem “gostaria de, no futuro, ter o direito de poder escolher casar”. Hoje em dia vive com a companheira com quem tem uma relação há quatro anos e faz parte de uma geração que pode ser rastilho da mudança.

Para já, S. sente-se uma cidadã de segunda classe, por não ter os mesmos direitos dos seus amigos heterossexuais.

A decisão desta semana do Tribunal Constitucional de Taiwan está a levar a um interesse entre a comunidade LGBT chinesa com os requisitos para emigrar para a ilha. É de salientar que apenas em 2001 as autoridades chinesas retiram a homossexualidade da lista de doenças mentais.

Li Yinhe, professor da Academia Chinesa de Ciências Sociais, comentava ao South China Morning Post há uns anos que mesmo com a legalização do casamento gay em países ocidentais, Pequim ignoraria este progresso social justificando inacção com as diferenças culturais e de valores entre Ocidente e a China. O académico disse ao jornal baseado em Hong Kong que “não existe um único legislador na Assembleia Popular Nacional que represente os interesses da comunidade LGBT”.

Tanto por parte do Governo Central, como das autoridades de Macau, as questões relativas à homossexualidade são relegadas para o plano da insignificância. Tirando pontuais contactos com poucos resultados práticos, a invisibilidade atira uma comunidade para a inexistência em termos institucionais.

Para a sociedade avançar no sentido de reconhecer a igualdade de direitos da comunidade LGBT, são necessários indivíduos que ajudem à evolução mentalidade. Pessoas como Anthony Lam e S.

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