Karadeniz | “A democracia também chegou ao assassínio por encomenda!”

(continuação)

Não sei como é que se consegue viver bem consigo mesmo depois de se fazer mal a alguém?! Eu arrasto a culpa por males que fiz, e nada que se compare com isso…

Tu não vives bem contigo, não é pelo mal que fizeste ou deixaste de fazer, Paulo! Tu não vives bem contigo, porque é essa a tua natureza. Tu e as pessoas como tu vivem num mundo paralelo: um mundo onde se julgam responsáveis pelo que acontece.

E não somos todos responsáveis pelo que acontece?

Não! O facto de eu ter sido um assassino profissional, aconteceu apenas porque era uma possibilidade de profissão como outra qualquer. Se ninguém pagasse tanto dinheiro pelos meus serviços, eu não teria tido a vida que tive. É o mesmo que hoje se passa com os cantores pop, as top model e os jogadores de futebol. Ainda muito antes das crianças saberem quem são, já querem vir a ser cantores ou jogadores de futebol, porque ganham muito dinheiro e são reconhecidos por toda a gente.

Porque é que nunca se falou de si, como por exemplo se falou do Chacal?

Muito simplesmente porque nunca cometi um erro sequer! Nunca cheguei a ser procurado, porque nunca cheguei a pisar os calos de quem não devia. O mesmo já não se pode dizer do Chacal, como sabemos. O problema dele, e que acabou por derrotá-lo, era a sua vaidade. Quando se anda nesta profissão, tem de se ter a consciência de que o mundo não pode saber de nós. Era como se tu escrevesses um livro magnífico, mas que ninguém o fosse ler; ou então um grande cantor que nunca quisesse cantar para ninguém.

É portanto uma profissão ao contrário deste nosso tempo, em que toda a gente quer ser reconhecida pelo mundo, nem que seja por cantar pior do que todos os outros!

Exactamente! (risos)

Nessa profissão em que se tem necessariamente de ser o melhor e de não se ser reconhecido (e quanto melhor, menos reconhecido), o Karadeniz conheceu ou soube de alguns colegas seus, cujos nomes não tenham chegado a público, ao contrário do Chacal?

Claro! O melhor de todos nós era provavelmente o Jesuíta! Um belga que havia passado pela Legião Estrangeira, na sua juventude, e que falava na perfeição imensas línguas. Teve, tal como eu, uma educação privilegiada. E há que ver uma coisa, Paulo: o Chacal não era um assassino profissional, mas um terrorista, e nunca foi meu contemporâneo. Abandonei a actividade em meados dos anos 60 e ele começou no início ou em meados de 70. De qualquer modo, repito, o Chacal era um terrorista, não um profissional.

Mas então qual é realmente a diferença? O que é que faz com que o Chacal tenha sido um terrorista e não um assassino profissional?!

Já te disse que o terrorista mata indiscriminadamente e, também, muitas das vezes por convicções, sejam elas políticas, religiosas ou nacionalistas. O assassino profissional mata apenas aquele por que foi pago, embora as coisas hoje já estejam muito diferentes do meu tempo!

Diferentes, como?

Para além de toda a tecnologia que existe e que não existia no meu tempo, hoje também há muita gente a matar por cinco tostões. Hoje já qualquer um é assassino profissional, tem trabalhos encomendados por dá cá aquela palha! A democracia também chegou ao assassínio por encomenda! Toda a gente, hoje, à menor dificuldade com alguém, paga para que se mate. Dantes não era assim, só se mandava matar gente importante! E isto faz com que seja muito difícil distinguir entre terroristas, arruaceiros e assassinos profissionais.

Mas continua a haver os verdadeiros assassinos profissionais, como o Karadeniz?

Julgo que sim! Até porque a queda do comunismo pôs muita gente especializada no desemprego, e nem todos se devem ter dedicado aos tráficos e às máfias. Por outro lado, continua a haver pessoas importantes que têm de ser mortas, sem que se corra o menor risco de ficar implicado, e não tenhamos quaisquer dúvidas que estes trabalhos só podem ser levados a cabo por quem saiba ser eficiente e discreto.

(continua)

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