Manchete SociedadeConcertação Social | Exigida maior representatividade do mercado laboral Andreia Sofia Silva - 27 Abr 2017 A composição do Conselho Permanente de Concertação Social não é alterada desde 1987. Nas vésperas da celebração de mais um Dia do Trabalhador, algumas vozes defendem uma maior representatividade de sectores como o jogo ou a Função Pública, sem esquecer os trabalhadores não residentes [dropcap style≠’circle’]“C[/dropcap]hoi Kam Fu nunca trabalhou no sector do jogo.” A frase de Cloee Chao, presidente da Associação Novo Macau para os Direitos dos Trabalhadores do Jogo, espelha bem algumas das opiniões sobre o funcionamento do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS). Choi Kam Fu é um dos dois representantes do sector laboral neste órgão, sendo director-geral da Associação Geral dos Funcionários das Empresas de Jogo. “Ele não tem a sua própria experiência e sempre ouviu os casos das outras pessoas”, acrescentou Cloee Chao ao HM. “O CPCS pode ter mais representantes que trabalham realmente nos casinos ou nas associações ligadas ao sector”, disse ainda. Por ocasião do 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, que se celebra na próxima segunda-feira, há quem defenda que o CPCS precisa de uma alteração profunda na sua composição, que vá muito mais além do equilíbrio numérico existente entre patrões e empregados. Faltam acção e decisões concretas, e é também preciso levar pessoas novas que representem as mudanças ocorridas no tecido laboral e económico. No que diz respeito ao jogo, Cloee Chao alerta para os direitos que continuam a não ser garantidos. “Este é um sector importante para a economia, mas os benefícios ainda são bastante reduzidos se compararmos com a Função Pública.” “Há casos de trabalhadores despedidos e há uma lista negra nos casinos, pois quando um trabalhador é despedido é difícil arranjar trabalho ou então não vai além do período de experiência”, apontou. Além disso, “há algumas garantias na lei laboral, mas são apenas sugestões e não são obrigatórias”. José Pereira Coutinho, na qualidade de presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), defende que os funcionários públicos devem estar representados, mas não só. “Há falta de representatividade das forças laborais, e falo de áreas como a construção civil, o jogo, a Função Pública. Não há ninguém a falar da Função Pública no CPCS”, defendeu ao HM. “Na ausência de uma lei sindical e de negociação colectiva, isso é ainda mais grave”, acrescentou. “O CPCS, tendo como base a Associação Geral dos Operários de Macau [a AGOM, representada por Lei Chan U], peca por deficiência de representação e de opiniões. A ATFPM tem dois deputados na AL [Pereira Coutinho e Leong Veng Chai] e não tem voz no CPCS, sendo que as nossas opiniões são distintas da maioria das opiniões da FAOM. É altura de o Governo rever toda a estrutura e aumentar a representatividade do CPCS”, apontou Coutinho. Patrões do passado Um dos representantes do patronato é, a par de António Chui Yuk Lam, Wang Sai Man, director-geral da Associação de Comerciantes Têxtil de Macau. Para o economista Albano Martins, este é um exemplo flagrante da necessidade de uma mudança. “A indústria têxtil não tem qualquer representatividade. Os têxteis eram a indústria mais forte, representavam 85 por cento da exportação, mas hoje praticamente não existem. Haverá outros sectores da entidade patronal que poderiam estar representados”, observa. Albano Martins defende a permanência da AGOM, por ser “uma associação muito forte”, mas aponta que é “preciso encontrar uma organização mais representativa em relação ao jogo”. Quanto à construção civil, não precisa de uma representação especial, frisa o economista. “Com [as obras] dos casinos a terminar, a construção civil vai perdendo cada vez mais trabalhadores, e vai tornar-se um sector que só é importante no imobiliário, mas não na construção em si.” “Eu desagregaria um pouco mais, mas não se pode ir mais longe, para não distorcer o equilíbrio. Em Portugal temos um representante de cada associação, e aqui poderia fazer-se assim. [Poderia introduzir-se no CPCS] três ou quatro representações mas, do lado dos trabalhadores, teria de haver também as associações mais representativas”, defendeu. Actualmente, o CPCS garante a igualdade em termos numéricos. O Governo está representado por dois membros (directores dos Serviços para os Assuntos Laborais e dos Serviços de Economia), tendo sido a única alteração feita à composição do CPCS, em 1999. Tanto o patronato, como os trabalhadores têm uma comissão executiva com três membros. Estas comissões executivas são representadas por apenas dois membros cada. Todos os membros da comissão executiva de trabalhadores pertencem à Federação das Associações dos Operários de Macau (onde se inclui a AGOM). Estes têm ainda ligações com outras associações do sector do jogo ou da construção. Sim aos não residentes Uma grande fatia da força trabalhadora, os não residentes, não está representada no CPCS. Dados estatísticos de Março deste ano apontam para a existência de mais de 170 mil trabalhadores não residentes (TNR), que trabalham sobretudo na construção civil, sector hoteleiro e como empregados domésticos. Albano Martins concorda que o CPCS deveria olhar para os TNR, mas fala da dificuldade do processo. “É muito difícil isso acontecer. Se acontecesse, dificilmente não haveria represálias contra esses trabalhadores. As associações devem deixar de ser xenófobas e absorver as preocupações das classes trabalhadoras que não são residentes. O problema é que, em Macau, acha-se que só se devem defender os direitos dos trabalhadores locais, mas não são estes que criam riqueza”, aponta. O economista garante ainda que a lei não está a ser cumprida quando se verifica que os TNR ganham muito menos do que os trabalhadores de Macau. “Não deveria ser permitido que um TNR entre no mercado só para fazer baixar os salários. As empresas funcionam com trabalhadores competentes e não com pessoas que são empregadas pela força da sua cor e etnia. O CPCS deveria representar todos os trabalhadores sem fazer essa distinção. Claro que o Governo tem uma política clara, e eu concordo, desde que não haja residentes com as mesmas qualificações”, disse ainda. Adeus ao CPCS O jurista António Katchi vai mais longe ao classificar o CPCS como um meio para o Governo “sacudir a água do capote” em relação à tomada de decisões. “Perante as reivindicações dos trabalhadores, mesmo quando estas são amplamente partilhadas na sociedade – como acontece, por exemplo, com a reivindicação do aumento da duração da licença de paternidade –, o Governo vai protelando o mais possível qualquer iniciativa legislativa destinada a satisfazê-las, alegando a falta de consenso social e, mais concretamente, a falta de consenso no CPSC.” Para Katchi, “a falta de consenso no CPCS significa simplesmente isto: o patronato é contra, logo o Governo, inteiramente identificado com os interesses da classe capitalista, também só pode ser contra, mesmo que ostente uma postura neutral”. Dessa forma, o jurista avança com uma espécie de ultimato que a classe laboral deveria adoptar. “A única resposta que os trabalhadores podem dar com alguma garantia de êxito, ainda que parcial, é a luta de classes, que pode tomar diversas formas, incluindo manifestações e greves. As associações representativas dos trabalhadores deveriam mesmo abandonar o CPCS.” Governo deve liderar Outra crítica apontada ao CPCS prende-se com a demora na chegada a um consenso e na tomada de decisões. A contribuição das empresas para o Fundo de Segurança Social foi disso exemplo, uma vez que a ausência de consenso, ao fim de vários anos de reunião, levou o Governo a fixar a contribuição em 90 patacas mensais. Albano Martins fala, portanto, de uma falta de eficiência deste órgão, afirmando que o Executivo deve decidir quando surgem impasses. “O CPCS não pode levar anos a discutir o salário mínimo, porque essa é a função do Governo, que deve ouvir o CPCS e decidir. Não havendo um compromisso, o Governo tem de fazer política económica e impor. A lei sindical deveria ser discutida e decidida [dentro desse sistema], em vez de estar a ser avançada a proposta por deputados sem o apoio da Assembleia Legislativa. O Governo aí teria uma função de apoiar, porque está na Lei Básica.” “A eficiência de um organismo não se vê pelo número de reuniões que faz, mas pelo número de decisões que toma. O Governo tem de assumir o ónus de ser Governo”, acrescentou o economista.