Em modo de perguntar h | Artes, Letras e IdeiasCatarina Santiago Costa: “Tenho sempre um especial interesse pela poesia feminina” Paulo José Miranda - 5 Mar 201716 Nov 2017 [dropcap]T[/dropcap]ens dois livros de poesia editados, ambos pela Douda Correria e ambos em 2016, Estufa e Tártaro (acerca do qual se escreveu recentemente aqui no Hoje Macau). Consideras que são livros diferentes, isto é, com estéticas diferentes, ou antes pelo contrário, há uma continuidade do primeiro livro no segundo? Estufa foi editado em Dezembro de 2015; Tártaro, em Junho de 2016. O que se passou foi que, aquando do lançamento da Estufa, já o Tártaro estava na gaveta da Douda Correria. O segundo não prolonga nem completa o primeiro. Estufa foi escrito sem saber que era livro, teve de ser cortado à catanada e depois muito cinzelado; o Tártaro nasceu, como o próprio nome indica, caoticamente. Talvez de tão impetuoso, parecia impossível de ser mexido e de uma deformidade fatal. Teve de dormir para ser cirurgicamente cortado e colado. A parceria com a Douda Correria é para continuar? Não sei o que o futuro trará mas sei que a Douda Correria dança um pas de deux com os seus autores. Editora livre que é, não dita sentenças nem espera (muito menos exige) exclusividade. Quase todos os autores da Douda relacionam-se com outras editoras. Mas confesso que gosto de ser convidada e foi isso que o Nuno Moura fez, convidou-me a enviar-lhe a Estufa. Quando chegou a vez do Tártaro, já me sentia confortável para o enviar por iniciativa própria. Há neste momento, em Portugal, muitas jovens mulheres a publicar poesia, e com qualidade. Sugeres alguma explicação para isso? Na minha opinião, o aumento consistente da educação e da emancipação das mulheres, que, como sabemos, são processos lentos e demoram décadas a produzir resultados palpáveis. O importante é que, mais ou menos jovens, não faltam poetas vivas para encher as estantes dos leitores: Regina Guimarães, Ana Luísa Amaral, Rosa Maria Martelo, Adília Lopes, Cláudia R. Sampaio, Raquel Nobre Guerra, Rosalina Marshall, Maria Sousa, Inês Dias, Rita Taborda Duarte, Ana Tecedeiro, Matilde Campilho e tantas, tantas mais. Quais as tuas afinidades electivas, na poesia? Tenho sempre um especial interesse pela poesia feminina, especialmente a de americanas do século XX – Sylvia Plath, Anne Sexton, Sharon Olds… E, apesar de ser do século XIX, também tenho uma fixação pela Emily Dickinson, que tem poemas de uma mística sensual que me cativam – há ali um contraste que gera um equilíbrio estranho. A Emily Dickison é uma poeta extraordinária. E, para além da mística sensual, com a que te identificas, há também uma solidão imensa naquelas páginas. Sim, era uma monja confinada ao domicílio, que chegou a frequentar um seminário, e que convoca uma sensualidade e um erotismo místicos que verte na sua poesia. O resultado é uma contenção explosiva. Atesta-o, por exemplo, este poema (aqui, na tradução do Jorge de Sena): “Morri pela Beleza – mas mal eu / Na tumba me acomodara, / Um que pela Verdade então morrera / A meu lado se deitava. // De manso perguntou por quem tombara… / – Pela Beleza – disse eu. /– A mim foi a Verdade. É a mesma Coisa. / Somos Irmãos – respondeu. // E quais na Noite os que se encontram falam – / De Quarto a Quarto a gente conversou – / Até que o Musgo veio aos nossos lábios – / E os nossos nomes – tapou.” Estás a escrever um novo livro? Penso que sim. Mas ainda não tenho a certeza. O que te leva a não ter a certeza? Tenho escrito em torno de um tema que me tomou – não o determinei mas constato que estou cativa daquele lugar. Mas só digo que escrevi um livro quando não há ponto de retorno, quando já ali está, mesmo que venha a ser sujeito a alterações. Ainda estou naquele estágio em que posso implodir tudo. Para além da poesia, escreves prosa, ficção ou ensaio? Por minha iniciativa, escrevo sempre poesia. Mas já escrevi notícias, fiz entrevistas, press releases, sempre em trabalho. Fui convidada a escrever um texto dramático infanto-juvenil em conjunto com a Teresa Coutinho (actriz) e o Pedro Moura (guitarrista) para a Trupe do Bichos. Estou a gostar imenso da experiência. Mas não tenho nenhum projecto em prosa no horizonte.