Manchete SociedadeCentro UNESCO | Um edifício “interessante” com pouca utilização Andreia Sofia Silva - 23 Fev 2017 Criado em 1998, ainda durante a Administração portuguesa, o Centro da UNESCO de Macau pretendia ser um espaço de promoção do património e da cultura. Hoje, sob gestão da Fundação Macau, acolhe apenas exposições esporádicas. As informações online e a promoção são escassas. Muitos gostariam de ver um melhor aproveitamento do espaço [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] no meio de uma avenida barulhenta e caótica que está edificado o Centro da UNESCO em Macau. Criado em 1998, ainda durante o Governo de Vasco Rocha Vieira, o centro passa hoje despercebido aos olhares de muitos, sendo escassas as informações sobre as actividades que desenvolve. Três nomes ligados ao meio cultural consideram que está a fazer-se pouco por este espaço. Segundo o website da Fundação Macau (FM), entidade que actualmente gere o Centro da UNESCO, realizaram-se no ano passado várias exposições de arte. A última, com o nome “Dez Anos de Artes Visuais”, data de Junho e foi organizada pela Associação de Artes Visuais de Macau. Em Março do mesmo ano, decorreu a exposição “Uma Centena de Pinturas de Choi Weng Chi sobre o tema da águia”, promovida pela Associação de Pintura e Caligrafia de Terceira Idade de Macau”. Em Outubro, o mesmo espaço foi ainda palco de duas sessões de demonstração realizadas pelo Ballet Nacional da China para estudantes de duas escolas. O historiador Fernando Sales Lopes, que já vivia em Macau à época da inauguração do edifício, afirma ao HM que o espaço nunca foi muito divulgado junto do público. “Foi um projecto implementado nos últimos anos da Administração portuguesa, mas nunca teve grande utilidade. Houve algumas exposições, mas nunca houve grande actividade. Depois da transferência, aquilo tem estado um pouco parado e até pensei que estivesse fechado”, diz. Para o historiador, “Macau tem tão pouco espaço que todos os outros espaços fazem falta”. “Realmente, há muitos anos que não conheço qualquer actividade daquele espaço. O centro poderia ser útil para qualquer outra coisa. Qualquer espaço que não esteja a ser utilizado aqui em Macau é uma pena, porque não temos locais suficientes”, aponta. O arquitecto Francisco Vizeu Pinheiro, por sua vez, defende que “houve uma mudança de gestão e realmente poderiam fazer mais”, por existirem “poucos espaços para o público”. Para Vizeu Pinheiro, o facto de o local ter UNESCO no nome pressupõe a realização de actividades relacionadas com o património, algo que não tem vindo a acontecer. “Nesse aspecto, deveria ter mais coisas relacionadas com a UNESCO. Deveria ter uma biblioteca com materiais dessa entidade, como esteve a funcionar há mais de 15 anos.” “As pessoas passam por ali e pensam que está abandonado, e talvez nem seja o melhor local para uma entidade como esta, porque há poucas escolas e mais hotéis e escritórios”, frisou o arquitecto. De acordo com o website do centro, a galeria de exposições só foi inaugurada em 2012, sendo que, a partir de 1998, o objectivo do espaço seria “promover actividades com vista a concretizar os fins fixados no Acto Constitutivo da UNESCO e da FM”. Exposições para que te quero Uma visita ao website do Centro da UNESCO, que data dos anos 90, pode verificar-se que um dos objectivos é, exactamente, a preservação e promoção do património. O espaço no NAPE tem como função “promover debates, colóquios, seminários, conferências sobre temas da UNESCO ou afins”, bem como a responsabilidade de “colaborar ou cooperar com as instituições locais, regionais e internacionais, especialmente na área da juventude, nas acções e realizações que têm ligação com os objectivos da UNESCO”. Cabe ao local gerido pela FM o fomento do “estudo e conservação dos valores e tradições locais, do folclore, lendas e costumes”, bem como “promover o ensino para a preservação do património cultural e natural, bem como campanhas para a protecção e restauro da herança cultural dos antepassados”. Deve ainda “distribuir as publicações e a documentação da UNESCO, a título gratuito ou venal, em conformidade com o acordo estabelecido entre a Fundação e os competentes serviços da organização”. Mas o Centro da UNESCO em Macau deve também ter um papel ambiental, ao nível do apoio a “estudos sobre a biosfera, poluição e conservação da natureza”. Segundo a resposta da Fundação Macau ao HM, o trabalho tem incidido sobretudo ao nível do acolhimento de exposições. “Todos os anos a FM, através da sua subunidade de apoio técnico Centro UNESCO de Macau, organiza e co-organiza diversas exposições, apresentações artísticas e concursos.” A FM refere ainda que “o edifício tem uma sala de exposições e uma sala multifuncional, as quais são aproveitadas tanto pela própria FM, como pelas associações autorizadas para apresentar diversos tipos de trabalhos artísticos e efectuar intercâmbios, criando também condições para os cidadãos ficarem a conhecer e participar em acções artísticas e culturais”. Confirmando que não existe, para já, nenhum projecto especial em termos de actividades ou de renovação do próprio edifício, a FM afirma ainda que “tem vindo a conceder subsídios às associações e organizações civis, tais como a Macau Documentation and Information Society”. Tal apoio financeiro serviu para “promover a inscrição dos elementos culturais e históricos únicos de Macau no Registo da Memória do Mundo para a Ásia-Pacífico”. Como bastidores Na opinião de André Ritchie, arquitecto, o espaço é pouco conhecido e divulgado, lamentando o facto, até porque o projecto arquitectónico em questão é “interessante”. “Concordo que não está a ser bem aproveitado neste momento. Mas acho que, para mim, é um edifício muito interessante do ponto de vista arquitectónico. Antes da transição houve ali alguns eventos, era um espaço agradável e uma peça de arquitectura interessante.” O antigo coordenador do Gabinete de Infra-estruturas de Transportes (GIT) lamenta ainda que o Centro da UNESCO em Macau não esteja a receber a devida manutenção. “Custa-me ver o edifício a não ser tratado como deve ser. Mas este comentário é aplicável a muitas peças de arquitectura que existem em Macau, com valor, que ao nível da manutenção não são cuidadas como deveriam”, defende. “Não falo apenas na manutenção física, pois ao fim de alguns anos os edifícios aparentam algum desgaste, falo também do respeito pelos espaços. Quando passo pelo Centro da UNESCO vejo ali os contentores do lixo mesmo à entrada principal. Isso é uma certa falta de consideração.” O arquitecto dá outro exemplo de “um edifício que é tratado com os pés”: o Centro de Ciência de Macau. “Tudo parece que é tratado como se estivéssemos nas traseiras dos edifícios”, observa. Apesar de estarmos perante um espaço que visa promover e debater cultura, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, não quis falar sobre a utilização do Centro da UNESCO de Macau pelo facto de ser gerido pela FM, que está sob alçada do Chefe do Executivo. O HM tentou ainda chegar à fala com Jorge Rangel que, em 1998, era secretário-adjunto para a Administração, Educação e Juventude, cargo que ocupou entre 1991 e 1999, mas até ao fecho desta edição não foi possível estabelecer contacto.