China / Ásia MancheteDonald Tsang | Destino do antigo Chefe do Executivo é conhecido hoje Isabel Castro - 22 Fev 2017 É hoje anunciada a pena que Donald Tsang vai ter de cumprir, depois de, na semana passada, ter sido condenado por conduta indevida no exercício de funções. O facto de o ex-Chefe do Executivo ter sido considerado culpado não é bom para a política da região vizinha, numa altura em que são cada vez menos aqueles que acreditam no sistema [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] fenómeno não é exclusivo de Hong Kong, aponta o politólogo Edmund Cheng: “Tem acontecido o mesmo também em várias novas democracias da Ásia”. Quando termina o mandato político, chega a vez do mandado judicial. Foi assim em Taiwan, na Coreia do Sul há uma ex-Presidente a braços com a justiça, e em Hong Kong é aquilo que se sabe, com um processo que hoje entra numa nova fase. A justiça vai anunciar esta quarta-feira o que Donald Tsang terá de fazer para ressarcir a sociedade pela conduta indevida que teve enquanto Chefe do Executivo. O antigo líder do Governo foi condenado na passada sexta-feira mas, de forma diferente da de Macau – em que à condenação corresponde, de imediato, a pena a cumprir –, só agora é que o arguido vai ficar a saber o que o espera. Para já, passou pela experiência da detenção. “A sentença tem aspectos positivos e negativos”, analisa ao HM Edmund Cheng, professor da Universidade Baptista de Hong Kong. “Demonstra, pelo menos, que Hong Kong tem um sistema judicial independente, comparativamente com as jurisdições à volta.” O lado simpático de toda esta polémica fica por aqui. Para o politólogo, o facto de Donald Tsang ter sido condenado é preocupante em termos de opinião pública e estabilidade social. O académico faz uma viagem de 20 anos ao passado para falar do tempo em que o Reino Unido era soberano em Hong Kong. “Claro que se poderá dizer que, nos tempos do colonialismo, os problemas não eram revelados”, admite. No entanto, não é essa a imagem que as pessoas têm. “Havia a imagem de que a Administração zelava pelo interesse público e não pelos interesses específicos de um grupo. É a percepção que existe”, afirma. “Sem dúvida que este processo é preocupante, porque tem um impacto negativo na confiança das pessoas em relação ao sistema. As pessoas pensam que o poder executivo é corrupto”, continua Edmund Cheng, que lamenta que Hong Kong tenha perdido o sistema de “check and balances” que outrora teve e que, entretanto, perdeu. Sistema em deterioração O politólogo não afasta a possibilidade de haver uma intervenção da justiça no dia em que o actual Chefe do Executivo, C.Y. Leung, deixar o poder. “Isto não é uma democracia, a responsabilização política não é feita enquanto os políticos estão no poder, pelo que é preciso esperar que abandonem os cargos”, vinca. O sistema político não tem suficientes mecanismos de fiscalização para ir garantindo que a governação decorre no mais rigoroso cumprimento da lei. O facto de Donald Tsang já não estar no poder não significa que a opinião pública olhe para todo este processo como algo que pertence ao passado. “De certeza que o campo pró-democrata vai utilizar o caso para questionar por que razão houve tanta corrupção depois da transferência de soberania. É porque o sistema actual só serve os interesses dos magnatas?”, lança Edmund Cheng, que recorda que Donald Tsang não é caso único em Hong Kong, apesar de ser o mais alto titular de um cargo político a ser condenado pelos tribunais da RAEHK. O antigo secretário-chefe Rafael Hui, lembra o politólogo, está neste momento na prisão, a cumprir pena por crimes de corrupção. “O mais importante é que estamos a falar de tecnocratas que foram educados e treinados durante o tempo colonial. Julgava-se que agiam de forma limpa. Mas estes tecnocratas foram autores de crimes desta natureza”, observa. “Isto levanta a questão se estas pessoas perderam qualidades durante estes anos ou se o sistema não tem uma forma eficaz de responsabilização.” Qualquer que seja a resposta, o tempo é de “incertezas e de desconfiança” no poder executivo de Hong Kong. Mais uma vez, a antiga colónia britânica e Macau apresentam características diferentes, mesmo quando em causa estão a corrupção e o abuso de poder. Edmund Cheng acredita que os processos judiciais da RAEM que envolvem figuras de relevo “têm que ver com rivalidades políticas”. Já na região vizinha, os casos em tribunal devem-se essencialmente “à deterioração do sistema, o que gera muita preocupação”. Tirar o laço Ontem, Donald Tsang tornou-se no primeiro líder do Governo de Hong Kong a passar uma noite sob detenção. O tribunal decidiu que deveria permanecer detido até se saber da pena que terá de cumprir, sendo que existe a convicção generalizada de que irá passar uns tempos atrás das grades. Num dos muitos artigos publicados sobre o assunto, o South China Morning Post não perdoa: “O antigo Chefe do Executivo Donald Tsang Yam-kuen em tempos jantou com empresários de sucesso em Macau e viajou em iates com magnatas, mas segunda-feira à noite bateu no fundo, ao dormir na ala prisional do Hospital Queen Elizabeth”, escrevia ontem o jornal. Tsang, de 72 anos, “trocou o fato e o laço, que faz parte da sua imagem, por um uniforme da prisão” na noite de segunda-feira, descreve ainda o matutino em língua inglesa, depois de um juiz ter decidido enviá-lo para o centro de máxima segurança de Lai Chi Kok e ter dado a entender ser pouco provável a determinação de uma pena suspensa. No entanto, pouco depois das 21h, foi levado para o hospital, por ter dito que não se estava a sentir bem. O antecessor de C.Y. Leung arrisca-se a sete anos na prisão. O júri de nove elementos entendeu que o antigo líder do Governo teve uma conduta indevida no exercício de funções, num processo que implicou a aprovação de três candidaturas da emissora de rádio Wave Media, entre 2010 e 2012, numa altura em que estava a negociar o arrendamento de uma penthouse em Shenzhen com o empresário Bill Wong Cho-bau, o principal accionista da estação. Tsang vai ser ainda julgado por um crime de corrupção, uma vez que o júri não conseguiu chegar a qualquer conclusão acerca deste ponto da acusação. Ainda não há nova data para o novo julgamento. A acusação acredita que o antigo Chefe do Executivo aceitou, como compensação pelas concessões à emissora de rádio, trabalhos de renovação da penthouse em Shenzhen, no valor de 3,35 milhões de dólares de Hong Kong. Amigos há muitos A imprensa de Hong Kong relata que a advogada de defesa de Donald Tsang, Clare Montgomery, apelou a uma pena de curta duração, com pena suspensa, pedindo ao juiz que tenha em consideração que a aprovação dos pedidos feitos pela Wave Media eram justificáveis. A defesa destacou ainda a quantidade de cartas de apoio a Tsang, escritas por aliados políticos mas também por adversários, incluindo os antigos secretários Carrie Lam e John Tsang, ambos candidatos a Chefe do Executivo nas eleições deste ano. “Teve uma vida dedicada ao serviço público e às pessoas de Hong Kong”, assinalou também Clare Montgomery. “Sir Donald Tsang foi o único Chefe do Executivo moderado, que teve disponibilidade para discutir com a oposição”, diz o politólogo Edmund Cheng. “Apesar de as acusações de corrupção não terem nada que ver com o seu legado político e a postura que adoptou, parece-me que será julgado em conformidade. Como é possível constatar, foram poucos os políticos e os media pró-regime que o defenderam antes e depois da decisão judicial, o que torna clara a mensagem política”, afirma ainda. O politólogo não quer com isto dizer que haja uma motivação política por detrás do processo, mas chega à conclusão de que “ser simpático para com a oposição não traz necessariamente protecção política durante a crise”. Donald Tsang comandou os destinos políticos de Hong Kong entre 2005 e 2012.