Justiça | TUI nega residência permanente a criança adoptada

Nasceu no território, mas a justiça entende que não tem direito à residência permanente, apesar de ser esse o estatuto dos pais adoptivos. Para o tribunal, conta mais o facto de a mãe biológica não ter, à data do nascimento, direito ao BIR
Sónia Chan, Secretária para a Administração e Justiça

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] história tem já alguns anos, mas só agora terminou, com o Tribunal de Última Instância (TUI) a dar razão à Administração. O caso é contado pelo próprio TUI, através de um comunicado que chegou às redacções.

A criança no centro da questão nasceu em Macau em 2011. É filho de uma mulher estrangeira, não portuguesa, sem direito de residência no território. Desconhece-se quem seja o pai. O menor acabou por ser adoptado por um casal português, ambos residentes permanentes da RAEM, tendo o processo de adopção sido concluído em 2014.

No mesmo ano, em Agosto, o casal requereu à Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) a emissão do bilhete de identidade de residente permanente, mas a Administração entendeu que a criança não tinha esse direito. Inconformados com a decisão, os pais recorreram hierarquicamente para a secretária para a Administração e Justiça. A responsável pela tutela assinou por baixo a decisão da DSI. Estávamos já em Janeiro de 2015.

O processo passou então para os tribunais: por se tratar de uma decisão de um governante, o casal apelou ao Tribunal de Segunda Instância (TSI), que anulou o despacho, dando assim razão aos recorrentes. Ora, a governante entendeu por bem que a história não deveria ficar por ali e levou o caso ao TUI.

Para a secretária para a Administração e Justiça, o menor em causa não deve ter direito à residência permanente porque, à data do nascimento, nenhum dos pais biológicos detinha este estatuto. Além disso, alegou a governante, o argumento de que os pais adoptivos são ambos residentes permanentes também não tem qualquer importância para caso. “Os filhos biológicos não foram equiparados aos filhos adoptivos pela Lei Básica”, cita o comunicado do TUI.

Os argumentos do não

O tribunal entendeu que a razão está do lado do Governo. Entre outros aspectos, o TUI cita a Lei Básica para explicar que o documento fundamental “atribui direitos de residência com base em vários factores atributivos: a nacionalidade dos interessados (chinesa, portuguesa e todas as outras), o local de nascimento dos interessados, a residência habitual em Macau durante pelo menos sete anos consecutivos e a filiação dos interessados”.

No que toca à nacionalidade, a Lei Básica “concede mais vastos direitos de residência permanente aos cidadãos chineses, num segundo patamar aos cidadãos de nacionalidade portuguesa e, num terceiro nível, aos cidadãos de outras nacionalidades”, escreve o TUI. A mesma lógica é aplicada aos filhos de residentes permanentes.

O tribunal entende que a interpretação feita tanto pelos pais, como pelo TSI é “absurda”, porque mesmo “os filhos nascidos em Macau dos residentes permanentes chineses (não nascidos em Macau) e portugueses (mesmo que nascidos em Macau), não têm direito à residência permanente se, à data do nascimento, os seus pais não tivessem direito de residência” no território.

A importância de como se nasce

O TUI acrescenta ainda que, na interpretação da Lei Básica, “o que releva é a filiação biológica”, porque é essa que existe à data do nascimento da criança.

“A filiação adoptiva não existe no momento do nascimento. Os cidadãos portugueses, que adoptaram o menor, só são legalmente seus pais a partir da data do trânsito em julgado da sentença que decretou a adopção. À data do nascimento do menor, os seus pais eram os seus pais biológicos”, constata o tribunal. “Nenhuma norma do ordenamento jurídico de Macau permite fazer retroagir os efeitos da adopção ao momento do nascimento, sendo que a adopção dos autos teve lugar mais de três anos depois do nascimento.”

Há um aspecto, porém, em que o TUI não dá razão à secretária, sendo que tal não muda, porém, o resultado final: diz a justiça que “é completamente irrelevante discutir a equiparação ou não do estatuto de filho adoptivo ao filho biológico na Lei Básica, porque não é isso que está em causa de acordo com as normas pertinentes”. O tribunal remata dizendo que “se trata de um acto administrativo vinculado, em que a Administração não tem margem de livre apreciação”.

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