Coleccionadores de arte em Macau

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m seguimento do artigo O Museu Comercial e Etnográfico Luís de Camões, regressamos ao tema para referir o processo até à sua criação.

Para coleccionar os produtos da região a enviar para Portugal fora em 1879 criada uma Comissão, “que por serem, ao tempo, os indivíduos de mais destaque na terra e conhecedores mais profundos dos produtos nativos, melhor garantia ofereciam para uma escrupulosa e minuciosa selecção dos artigos pedidos pelas duas instituições metropolitanas”, segundo refere Luís Gonzaga Gomes. E com ele continuando, “O Leal Senado da Câmara de Macau, da presidência de Domingos Clemente Pacheco, na ilusória persuasão de que uma exposição permanente dos principais produtos chineses em dois estabelecimentos públicos do reino poderiam estimular o gosto das pessoas que viviam na metrópole pelos produtos fabricados na China, concorrendo, assim, para promover e fomentar o comércio directo entre esta província e Portugal continental, apressou-se a contribuir com três caixas de artigos destinados ao Museu Colonial e outras tantas para o Museu da Universidade de Coimbra”. Estes e outros artefactos reunidos pela Comissão, antes de serem enviados, foram expostos no Leal Senado a 2 de Maio de 1880 e passados vinte dias ficava pronta a lista numerada dos 581 objectos, descrevendo para que serviam, o preço de custo de cada um e algumas observações. Continuou-se depois o trabalho de coleccionar objectos para os museus do país e a segunda remessa foi efectuada em 1882, seguindo para Portugal no navio de guerra África.

Na carta de despedida de Macau, José Alberto Corte Real, a 10 de Julho de 1883 refere, “Logo que tive a honra de ficar encarregado dos negócios diplomáticos na China, Japão e Siam, dirigi aos cônsules portugueses nestas três nações e na Oceânia uma circular, acompanhado de um questionário, em que lhes pedia esclarecimentos tendentes a saber se nos distritos das suas jurisdições consulares, haveria alguns objectos ou monumentos antigos relativos às relações dos portugueses, pedido este que eu fazia com o meu pensamentos no Museu Municipal também, o qual por pertencer à única municipalidade portuguesa estabelecida nesta parte da Ásia, me parecia e parece o ponto mais adequado para reunir e guardar estes monumentos. (…) A meu pedido, havia o Ex.mo ex-Governador de Timor, Bento de França Salema organizado uma comissão encarregada de coligir novos produtos para o Museu Municipal de Macau.” Nessa carta fica-se a saber dever “existir em Lisboa documentos valiosos, alguns que foram comprados pelo Ministério da Marinha em 1875, pertencentes à livraria do falecido José de Torres, os quais não sei se serão parte dos ou os mesmos que foram em tempo mandados pelo Comendador Lourenço Marques para Lisboa, e cuja notícia não se sabe até que data retrocede, ignorando-se também o destino que tiveram”.

Lamentava-se ainda Corte Real, na mesma carta, serem os objectos até então coleccionados “muito poucos e de pequeno valor”. Mais à frente refere, “O pequeno número de objectos que agora envio a V. Ex.a (Presidente do Leal Senado) representam costumes, indústrias, manufacturas de Timor e a existência incontestável de jazigos auríferos naquela tão rica quanto desaproveitada ilha; as duas facas, assim toscas, são uma espécie de moeda ou mercadoria tipo de que os indígenas se servem nas suas transacções. Envio mais um pequeno número de jornais chineses e siameses escritos nas línguas nativas, dos quais eu procurava fazer colecção para Macau, por me parecer também que uma secção bibliográfica desta natureza seria valiosa para o futuro, e mais remeto alguns selos e timbres siameses, os quais juntos a outros espécimes iguais e análogos eu destinava para uma secção numismática…” Esse princípio de “trabalho que eu tinha em mãos e que a pouco e pouco ia fazendo, poderão servir de norte a quem por ventura julgar a sua continuação útil”. “Pensei sempre que o Museu Municipal de Macau, constituindo um estabelecimento de grande utilidade para o comércio e para a instrução popular, à semelhança de muitas municipalidades das nações mais civilizadas do mundo, poderia conter também uma secção histórica de grande valor, não somente para Macau, mas também para as tradições de nação portuguesa nesta parte do extremo oriente…”

Museu por instalar

A iniciativa de Corte Real para dotar a província de um museu não vingou e o jornal Independente de 8/8/1883 refere, <apenas sobre a porta de um húmido e escuro quarto o letreiro – Museu Municipal>. No entanto, a 9 de Setembro desse mesmo ano registava-se o envio de duas caixas proveniente de Sião, contendo objectos para o Museu, remetidas pelo encarregado do Consulado de Portugal.

Já em 1899, o Museu da Sociedade de Geografia recebeu do Sr. Dr. Lourenço Pereira Marques uma numerosa colecção etnográfica chinesa composta por aproximadamente mil objectos. Para além dos que ele ofereceu vinham outros, como costumes, adornos, utensílios da vida e sociedade chinesa doados por João Maria Placé da Silva e velhos ídolos enviados pelo Sr. Camilo Pessanha.

Com o advento da República foi criado, em 4 de Novembro de 1910 por Portaria Provincial do Governador Eduardo Marques, pela primeira vez o “museu histórico, etnográfico, fisiográfico, comercial e industrial sobre a designação de Museu Luiz de Camões contendo uma secção de carácter histórico, referente principalmente à colónia de Macau e outra secção destinada à representação da província de Timor, sobre os seus diversos aspectos e sobretudo do ponto de vista agrícola e industrial. Foi então, nomeada uma comissão (…) constituída por duas categorias de vogais, natos e nomeados, sendo os primeiros, o Secretário Geral do Governo, o Director das Obras Públicas, o Chefe do Serviço de Saúde, o Presidente do Leal Senado, o Reitor do Liceu Nacional e o Reitor do Seminário de S. José. Para os da segunda categoria foram nomeados o bacharel Camilo d’Almeida Pessanha, o dr. Lourenço Pereira Marques, o Capitão Eduardo Cirilo Lourenço e o intérprete-sinólogo Carlos da Rocha Assunção”, como refere Luís G. Gomes. Compreende-se que com tão numerosas individualidades esta comissão “estava condenada ao malogro, pois era impossível reunir tanta gente, sobrecarregada com tantos afazeres profissionais, (…) tanto mais que muitos deles deveriam ser completamente alérgicos às coisas de arte ou de história.”

Enquanto não se arranjou instalações próprias para o museu, ficou este instalado na Casa do Jardim da Gruta de Camões, actual Casa Garden, na parte contígua à ocupada pela Direcção das Obras Públicas.

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