De Dylan aos golpes da espionagem

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]oje é a cerimónia de entrega do Prémio Nobel de Literatura.

A nomeação de Bob Dylan, indubitavelmente um grande artista, como Nobel não me provoca alergia mas não me alegra.

Explico-me: como professor preocupa-me muito o baixo quociente de atenção de que se mostram capazes os alunos. Entre outros factores,  identifico a «síndrome pop», o facto do grosso dos jovens crescer condicionado pelo formato da canção pop, que dura três minutos. São fisgados por um tipo de atenção breve e, como na comunicação oral, sustentada em refrões.

Na educação clássica e na formação musical não se apurava apenas a educação do gosto e do ouvido, os alunos afeiçoavam-se a uma intensificação da concentração e dos seus vários níveis de escuta. Uma das razões porque o público da pop não ouve Mahler, prende-se – mais do que à complexidade estrutural das sinfonias do músico vienense -, com a sua duração, que excede as pautas de atenção em que foi adestrado. Depois de décadas só a ouvir canções de três minutos, o que equivale a uma corrida de cem metros no atletismo, uma peça musical de uma hora corresponderá a uma maratona.

Acresça-se que a este carácter redutor, a cultura pop institucionalizou a diversão: o mais das vezes uma escapatória para a preguiça intelectual.

Premiar um ícone da cultura de massas é um sinal de cedência a este regime balizado por dois limites: a ideia de diversão como único combustível das intensidades sensoriais  (esquecendo que a aventura intelectual também oferece diversão e até felicidade); a ideia de que o que é difícil e exige mais atenção deve ser reconvertido para se tornar mensurável e acessível.

Esta atribuição também parte do equívoco de considerar-se que a literatura carece de público e de que há que achá-lo onde o público está. Ora, este raciocínio enferma do mesmo erro que cometia a velhinha que, à noite, perdera uma moeda no princípio da rua mas a procurava adiante, debaixo do halo de luz do candeeiro público.

Se as pessoas hoje lêem menos Proust ou Joyce não é porque esses livros não contenham ingredientes que possam interessar os jovens de hoje, mas porque o mundo se trivializou e a atenção se tornou uma habilidade só para especialistas.

1/11/2016

Sinopse para uma comédia, escrita na minha aula de Guionismo, onde desenvolvemos um breve apontamento de Billy Wilder, infelizmente nunca elaborado:

Ano, 2020. Instalou-se no mundo uma Nova Guerra Fria que separa Povos Com Zika de Povos Sem Zika.

Num congresso de cientistas da saúde africanos, realizado em Kingshasa, destaca-se o trabalho de Ónus, um académico moçambicano – um homem íntegro e que só tem por fraqueza gostar de uma pinguinha.

É a ele que os observadores americanos, enviados por Hillary, escolhem para ser o inconsciente portador da fórmula secreta de uma “bomba” cujo poder curativo mudará a face do continente, que será posteriormente resgatada por agentes sul-africanos (- os americanos não se arriscam a passar-lhes directamente a fórmula para não serem acusados de favoritismo na ONU).

Para tal, convidam-no para uma festa, embriagam-no, raptam-no e depois tatuam-lhe no pénis a fórmula. Que só pode ser lida em erecção. O cientista acorda azamboado e de ressaca no hotel, a uma hora do seu embarque de regresso, e, com a pressa, não dá por nada.

Chega a casa, em Maputo, desfaz as malas e toma um duche, antegozando a noite maravilhosa que terá com Bárbara, a sua mulher. É aí que dá conta: tem algo tatuado no sexo. Ónus entra em pânico: não há desculpas que justifiquem aquela inscrição (que não consegue ler) e a sua estranha amnésia. Ainda por cima, acontecer-lhe a ele, fidelíssimo à mulher!

À noite, a culpa inibe-lhe a erecção. Como acontece pela primeira vez, entre eles, a mulher graceja e adormecem após uma boa galhofa. Ou antes, ela. Ele não, está à rasca. E ao longo da semana repete-se a nega. A esposa começa a desconfiar que ele tem outra. E o sentimento de culpa dele adensa-se.

Os outros países africanos começam a enviar-lhe mulheres cientistas de grande aparato físico, para o atraírem a uma cilada sexual.

A lasca zimbaweniana – uma enóloga – embriaga-o ao falar-lhe sobre uma enzima que dá às uvas o tamanho de melões, sem o conseguir levar para o quarto.

A enviada etíope atrai-o ao quarto sob promessa de lhe mostrar um besouro em cuja carapaça a natureza desenhou o Rato Mickey. Mas um copo a mais de Mateus Rosé fá-lo sucumbir no sono, no sofá, antes dela regressar da casa-de-banho, nua e em oferenda.

A África do Sul envia uma Mata-Hari capaz de derreter um iceberg quando expõe o mamilo esquerdo, o menos abrasivo. A ingenuidade de Ónus é mais uma vez enrolada pelo parlapié duma colega cientista e sobe ao quarto dela, num intuito académico. Martini puxa Martini, e eis Ónus enfiado na cama dela, atarantado mas nu.

Contudo, como é homem de uma obstinada fidelidade, a erecção não tem lugar.

A sul-africana – uma cientista de renome – não está com meias medidas e tira da mala um x-acto para decepar o membro murcho. Debruça-se sobre a cama, o olhar amortecido de Ónus nem se apercebe do brilho da lâmina…

É então que Bárbara, que o seguia sorrateira há uma semana, abre a porta num pontapé. Com dois golpes de Karaté despacha a espia boer e amarra-a ao cadeirão.

Ónus, a quem a entrada de rompante da mulher pusera sóbrio, observa deliciado a limpeza com que a sua mulher o salva – sim, é sua, a mais felina das mulheres! E o entusiasmo proporciona-lhe a maior erecção da sua vida.

Ónus e Bárbara, lêem então, contristados, a fórmula que ele exibe, tatuada no pénis: Abstinência!

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