Sexanálise VozesAmérica Tânia dos Santos - 8 Nov 201618 Nov 2016 [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão posso deixar de constatar o óbvio. O juízo final está para muitíssimo breve, as presidenciais americanas estão finalmente aí. Não fossem os EUA das maiores potências mundiais e as presidenciais não nos interessariam um chavo, mas interessam… e muito. O resultado interessará além fronteiras porque as consequências irão além fronteiras, ainda que um deles queira fazer um ‘muro’. Nos últimos meses temos assistido à desgraça de campanhas políticas que têm surpreendido (negativamente) o mundo inteiro. No fundo, os americanos terão que escolher um de dois males. As agendas democratas e republicanas estão definitivamente lá, levada a esteróides por duas personagens com comportamentos e ideias muito distintas. Surpreendentemente ou não, o sexo veio muitas vezes à baila e foi ferozmente discutido, seja ele levado por políticas públicas ou pela misoginia de certos candidatos. Talvez em qualquer outra eleição presidencial o sexo não estivesse tão presente, mas desta vez foi diferente. Falamos de dois candidatos: um homem e uma mulher. Claro que ter uma ‘presidenta’ eleita para representar a grande potência económica é um passo gigante para a forma como as mulheres são representadas e o movimento feminista, mas acho que todos nós concordamos que isso não pode ser a única razão. Não se vota com a vagina. Ponto. Mas muito menos se aceitam comentários machistas onde uma candidata é reduzida ao cliché feminino de fragilidade, ou pelas palavras do opositor ‘falta de stamina’. O outro candidato é de uma imbecilidade já familiar – já estamos cansados de o ouvir. Mas não sou capaz de deixar de relembrar a pura misoginia que o indivíduo tem tão levianamente espalhado, sem grandes consequências à sua popularidade. Como é que as contínuas denúncias de assédio sexual, como é que palavras, comentários e actos de desrespeito contra mulheres (e a que o mundo foi testemunha) não fazem fraquejar a sua posição? O mistério pode ser desvendado se nos depararmos com uma América pequena que pratica exactamente o que este sujeito de cabelo amarelo pratica: ignorância. Eis um exemplo: ‘Os bebés são arrancados do útero das mães dias antes do parto’. Esta é a fala quasi-verbatim proferida no último debate em reposta ao facto da mulher ‘da parada’ ter votado a favor de mais e melhores apoios para quem decidisse pelo aborto. O tópico é bem polémico, é certo, mas não significa que a discussão possa ser feita à toa sem qualquer conhecimento sobre o procedimento. No fundo pretende-se chocar os que são contra a prática com pormenores gráficos de fetos mortos antes de tempo, sem de facto saberem que isso é mentira. Mas o que importa? Há que ‘castigar’ as mulheres que o façam anyway. Ainda deste mesmo candidato, ainda há pouco tempo ‘saiu’ um vídeo de 2005 onde ele explica como gosta de tratar as mulheres ‘eu beijo-as, agarro-lhes a c***, eu posso fazer tudo que quiser’. Para além de que as mulheres são gordas, porcas e animais nojentos. Não interessa o que as mulheres escrevem, desde que tenham um pedaço de rabo apetitoso. As mulheres devem ser tratadas como galdérias. A fulana é feiosa ou beltrana é gorda. E este é o dia-a-dia do candidato republicano. Não será de estranhar que ele era (já não é) o dono da maioria dos concursos de beleza, não fossem estes concursos o enaltecer da objectificação do sexo feminino. As alterações propostas por ele foram basicamente diminuir o tamanho dos fatos de banho e aumentar o tamanho dos saltos altos para serem usados pelas candidatas, e humilhar grandemente quem ele não achasse bonita e que não tivesse as proporções correctas. Por isso, sim, há motivos para ficarmos preocupados. Por um lado temos uma mulher a carregar Wall Street ao colinho e por outro temos um homem que merecia experienciar a ira das senhoras que passam por tamanha misoginia e machismo. Porque parece-me deveras preocupante que ele nem tenha vergonha ou filtro social para perceber que esta forma de tratamento é atípica no séc.XXI, e absolutamente ofensiva para as mulheres (e todas as outras pessoas que ele tem ofendido nos últimos meses). Mas seja o que o povo americano quiser. Resultados, tarda quase nada.