h | Artes, Letras e IdeiasA Bolsa no comércio marítimo português José Simões Morais - 15 Jul 2016 [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o artigo O Lavrador do Mar Português, publicado neste jornal no dia 9 de Outubro de 2015, tratamos sobre a navegação portuguesa, desde o primeiro rei de Portugal até D. Dinis. Agora aqui completamos esse assunto, levando a História até ao final da dinastia Afonsina, apresentando quem preparou a entrada dos portugueses no Oceano Índico. Segundo Vitorino Nemésio: “Desde o século XII havia trocas com Bruges, e logo com centros de vulto espalhados por França e Inglaterra. D. Sancho I recebia direitos de panos descarregados no Porto, e, pelo menos um século depois, a seda e o linho abretanhado, os bordados a ouro e as plumas ocupavam os almotacéis (oficiais que fiscalizavam a venda nos mercados). Os mercadores portugueses gozam de isenções especiais em portos do Norte da Europa, e em Maio de 1293 têm regiamente confirmada a sua primeira bolsa. Cada armador que tivesse navio a largar para Inglaterra, Flandres, Normandia ou Bretanha contribuía para um duplo depósito em numerário em Portugal e em Flandres, a fim de cobrir pleitos, perdas e outros percalços. Com isto a construção naval desenvolve-se”. Depois de um território continental conquistado e dos problemas nacionais resolvidos, Portugal rumou para o mar, enquanto os seus vizinhos ainda separados em reinos cristãos (Astúrias, Leão, Narrava, Castela e Aragão) continuavam na árdua tarefa de expulsar os mouros da Península Ibérica, luta por vezes interrompida para se guerrear entre eles. Almirantado “A conquista de Marrocos constituiu, sem qualquer dúvida, o primeiro projecto expansionista português, uma vez terminada em 1250 a reconquista do Algarve, de que era o prolongamento natural” como Luís Filipe Thomaz na sua obra De Ceuta a Timor escreve a partir do que diz o Padre A. J. Dias Dinis. Ainda “em meados do século XIII já se documenta em Lisboa o e a existência de mestres e carpinteiros navais”, adita Vitorino Nemésio. “Em finais de Trezentos, a estrutura naval portuguesa acusava algumas centenas de marítimos, entre quadros e pessoal subalterno, possibilitando o lançamento das mais variadas empresas: guerra ofensiva, guerra defensiva, fossados de mar, corso, pirataria, empreendimentos comerciais, etc.” como refere Oliveira Marques. Segundo Luís de Albuquerque, foi estabelecido em 1293 o “contrato entre os mercadores e confirmado por D. Dinis, criando como que um banco de comércio para apoio das relações, que eles mantivessem com os entrepostos comerciais de além-mar. “Um dos sinais da importância crescente da guerra marítima foi a organização do almirantado, cujas primeiras notícias remontam a 1288, com um tal Domingos Martins à sua cabeça. De 1307 a 1316 foi almirante Nuno Fernandes Cogominho,” como refere Oliveira Marques e Maria Fernanda Espinosa Gomes da Silva adita, “tendo morrido Nuno Fernandes Cogominho, primeiro detentor do título de almirante-mor”, “a escolha recaiu em Manuel Pessanha, homem de grande experiência marítima e também comercial, pois as duas actividades estavam, para um italiano do século XIV, naturalmente ligadas. O novo almirante possuía úteis conhecimentos, não só em Itália, como em Inglaterra, onde, ao serviço de Eduardo II se encontravam dois seus irmãos, Leonardo e António.” O acordo com D. Dinis “consignava a hereditariedade do cargo na família Pessanha. Quando deixasse de haver sucessor legítimo e apto para o ofício, este voltaria à coroa.” Assim em 1 de Fevereiro de 1317, o genovês Manuel Pessanha (Pezagno) foi contratado pelo Rei D. Dinis como Almirante mor para reorganizar por completo a frota da “marinha portuguesa, convertendo-a em instrumento eficaz de guerra no mar”, Oliveira Marques. “Por outro lado, os vassalos corsário e todos os outros alcaides e arrais das galés existentes passavam a ficar sob as ordens do Almirante”, segundo António Borges Coelho. Em 1325 morreu D. Dinis e sucede-lhe o filho D. Afonso IV, com o cognome O Bravo, que reinou entre 1325 a 1357. Altura em que se estabelecem “em Lisboa permanentemente mercadores florentinos, genoveses, prazentins, milaneses, escorcins, catalães, biscainhos e ingleses”, segundo António Borges Coelho. O genovês Manuel Pessanha serviu também como Almirante no início do reinado de D. Afonso IV, sendo preso pelos castelhanos, conjuntamente com o seu filho primogénito Carlos em 1337, num combate naval junto ao Cabo de S. Vicente. Foram libertados dois anos mais tarde, quando Portugal e Castela fizeram as pazes, tendo Afonso XI de Castela solicitado em 1340 o auxílio naval português contra os mouros em Cádis, onde os cristãos derrotaram uma armada de oitenta galés dos reis muçulmanos de Granada e Marrocos. De salientar que o Almirantado foi concedido sem interrupção aos membros da família Pessanha até ao reinado de D. Afonso V, apesar de como refere Maria Fernanda Espinosa Gomes da Silva se saber “que pelo menos desde o reinado de D. João I, os almirantes não mantinham os vinte genoveses estabelecidos, pelo que o rei se declarava desobrigado da tença de 300 000 libras que então lhe era reclamada”. Início dos Descobrimentos Segundo uma carta de 1341 ao Papa Clemente VI, o Rei D. Afonso IV diz ter enviado uma esquadra (capitaneada por Nicolau de Recco) a explorar as Ilhas Canárias em 1336, marcando essa data o início das descobertas portuguesas. Tal iniciou um longo diferendo com Castela. Refere Vitorino Nemésio, “O incremento da vida marítima acentua-se com as pretensões de D. Afonso IV às Canárias”. A 30 de Outubro de 1340, ocorreu a Batalha do Salado onde os merinidas de Marrocos e de Granada são derrotados pelo Rei de Castela e Leão, Afonso XI e o de Portugal, Afonso IV, que uniram esforços, tendo sido a última tentativa de os mouros reconquistarem a Península Ibérica. No ano seguinte, o Papa Bento XII elogiava “a gente portuguesa . É tão competente que em Julho desse mesmo ano (1341) uma armada florentina, genovesa, castelhana e portuguesa partia de Lisboa em direcção às Canárias aprisionando alguns habitantes e apropriando-se de peles de cabra, cebo, óleo de peixe e pau vermelho para tingir”, como refere António Borges Coelho. O Rei D. Pedro I (1357-1367), o Justiceiro, em 1363 investiu o seu filho bastardo D. João, futuro D. João I, como Mestre da Ordem de Avis, criada por bula papal em 1319. Com as providências oficiais de D. Fernando, houve o incremento da vida marítima, “de uma maneira economicamente orgânica” como refere Vitorino Nemésio. “É ele que destina gratuitamente as madeiras reais para os navios de certo bojo, ele que isenta de impostos a entrada de material, as encomendas de navios no estrangeiro, as cargas da primeira viagem e metade das da volta; ele enfim que, com pequenas ressalvas, dá ao serviço náutico o mesmo valor do serviço militar e favorece as parcerias de investimento naval.” A importância dos homens do mar para o Rei D. Fernando (1367-1383) está bem explícita na lei de 6 de Junho de 1377 pois, “outorga aos mercadores de Lisboa que quiserem fazer naus de 100 tonéis para cima, importantíssimos privilégios que estenderá depois aos armadores de Lisboa e Porto que construam navios com mais de 50 tonéis. Podiam talhar madeira nas matas reais de graça e sem embargo. A madeira, ferro e fulame importado ou os navios comprados não pagam dízima. Concede-lhes os direitos da primeira carregação para o estrangeiro e metade da dízima de todos os panos e mercadoria que tragam de Flandres ou França na primeira viagem de retorno”, segundo António Borges Coelho. A burguesia mercantil “A bolsa de mercadores protegida por D. Dinis é por D. Fernando alargada ao seguro marítimo na Companhia das Naus, com peritos da régia confiança propostos ao seu bom funcionamento e uma bolsa em Lisboa e outra no Porto para arrecadarem as percentagens devidas sobre os fretes. Assim se reparavam naufrágios e avarias, tanto de temporais como de corso. Os segurados ficavam inclusivamente protegidos contra execuções iníquas, sujeitando-se os próprios navios da Coroa ao pacto comum. Do acréscimo desta actividade resultou uma burguesia mercantil progressivamente poderosa. É ela que aconselha D. Afonso IV na legislação tributária; é dela que saem alguns enviados a Inglaterra no tempo de D. Dinis e depois, para concertarem partes comerciais desavindas e esboçarem convénios de trocas, como o tripeiro Afonso Martins Alho, que prepara o primeiro tratado com a Inglaterra, firmado a 20 de Outubro de 1353. Enfim, a revolução de 1383, triunfante com o Mestre de Avis, consolida o papel da burguesia mercante nos negócios do Estado”, Vitorino Nemésio. Segundo refere Artur Teodoro de Matos, o prejuízo que a conquista de Ceuta trouxe para o grupo mercantil foi grande. “Aliás, tal asserção é também reforçada por Zurara quando diz que o rei, para financiar a empresa, se apropriara de navios e mercadorias disponíveis e explorara, por dois anos, o comércio com a Inglaterra e a Flandres”. Nos dez anos de regência de D. Pedro II (1439-1449), voltou-se a investir na navegação, atingindo-se o Cabo Branco e o Golfo de Arguim, onde os portugueses fizeram uma feitoria.