Inquérito | Mais de 60% das famílias ricas chinesas querem emigrar

São ricos e sonham emigrar para Portugal, Estados Unidos ou Canadá. As restrições à fuga de capitais contornam-se muitas vezes recorrendo ao mundo offshore

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma pesquisa recente do Banco da China revelou que 60% dos chineses com uma fortuna superior a 1,3 milhões de euros (quase 12 milhões de patacas) estão no processo de emigrar ou a considerar fazê-lo. Estados Unidos da América e Canadá são os destinos de eleição, mas desde o início da crise na zona euro vários países europeus criaram programas destinados a atrair esta imigração “dourada”. Portugal não é excepção. Os cidadãos chineses compõem 87% dos estrangeiros que investem no âmbito da Autorização de Residência para Investimento (ARI) – os chamados vistos ‘Gold’ – instituída em 2012.
“Querem levar os filhos para fora daqui”, explicou à Lusa o advogado português Tiago Mateus, que presta em Pequim serviços de consultoria para investidores chineses. “Acima de tudo, procuram países sem poluição e com mais liberdades”, disse. No caso de Portugal, são ainda atraídos pela “hospitalidade dos portugueses”, o “livre acesso ao Espaço Schengen” e a “segurança”.
O abrandamento económico, a actual volatilidade no mercado financeiro e a campanha anti-corrupção actualmente em curso no país estimularam ainda mais o desejo de adquirir activos além-fronteiras. “Sentem-se agora mais seguros com o dinheiro na Europa”, disse Mateus.
No último ano e meio, o país asiático registou uma fuga de capitais privados recorde, estimada pela agência de ‘rating’ Fitch em um bilião de dólares. Pequim limita a quantia que pode ser transferida além-fronteiras, anualmente, por pessoa, a 50.000 dólares, mas existem formas (legais ou não) de contornar as restrições.
Segundo vários empresários ouvidos pela Lusa, pedir a familiares ou amigos para transferirem parte do dinheiro será a via mais utilizada. Um outro esquema recorre ao sistema financeiro Hong Kong, mais aberto e desregulado do que o da China continental. Através da subfacturação de bens exportados a partir do território ou da subvalorização das importações, é possível obter dinheiro extra em moedas estrangeiras junto dos bancos chineses. O capital é depois depositado em contas “offshore” registadas localmente, e a partir daí movimentado para qualquer parte do mundo.
Junto segue, mais tarde, a família, na procura por uma qualidade de vida que, na China, nem o dinheiro pode comprar.

Problemas de Terceiro Mundo

Na China, o êxodo de famílias abastadas para o ocidente é um fenómeno em crescimento, expondo as contradições de um país onde, apesar do sucesso económico ímpar, persistem problemas ‘terceiro-mundistas’ e um Estado autoritário. Durante as últimas três décadas, a economia chinesa avançou, em média, quase 10% ao ano, tornando-se a segunda maior do mundo.
No entanto, a corrupção, níveis de poluição, e escândalos de saúde pública terão aumentado ainda mais. As principais cidades do país, repletas de arranha-céus e equipadas com modernas infra-estruturas, são regularmente cobertas por um espesso manto de poluição. Fragilidades internas, como a recente descoberta de uma rede de venda ilegal de vacinas, parecem também obscurecer a rápida ascensão internacional do país.
Em 2008, ano em que Pequim acolheu uma memorável edição dos Jogos Olímpicos, por exemplo, a adulteração de leite infantil com melanina por 22 marcas locais resultou na morte de seis bebés e em 300 mil intoxicações. Perante estes paradoxos, a estagnação económica que afecta o ocidente parecerá um mal menor para as classes abastadas do país.

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