Quem são as novas gerações das associações de Operários e Moradores?

Duas das associações mais antigas de Macau continuam a ter jovens para prosseguir o caminho que começou a ser traçado há décadas. Não é o dinheiro que os faz entrar na União Geral das Associações dos Moradores ou na Federação das Associações dos Operários: é o trabalho junto das comunidades ou a possibilidade de chegar mais facilmente a um lugar na Função Pública. Mas também há quem tenha ambições políticas

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]oncorrem a uma vaga assim que acabam de sair da universidade e apenas ambicionam ganhar experiência até chegar ao almejado lugar na Função Pública. Outros querem de facto ajudar os residentes com maiores necessidades, esses que diariamente recorrem às associações para terem a ajuda que não conseguem junto do Governo. Também há aqueles que querem um dia chegar à Assembleia Legislativa (AL) e ter algum tipo de poder político e social, por isso a ambição acompanha-os a partir do momento em que começam a trabalhar.
Estes são alguns dos perfis que podem ser traçados das novas gerações de jovens que decidem aderir à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) e União Geral das Associações de Moradores de Macau (UGAMM, também conhecidos como Kaifong). Três jovens com quem o HM falou garantem que o salário não é o principal chamariz para se trabalhar neste tipo de associações, já que é pouco maior do que as 15 mil patacas mensais. Os atractivos são outros.

Os jovens, cara da FAOM
Os jovens, cara da FAOM

Associações como estas funcionam como polvos cheios de tentáculos há mais de 30 anos e continuam a ter forte influência social e política. Não faltam interessados na casa dos 20 e 30 anos para continuar um trabalho de associativismo iniciado há décadas. A FAOM e a UGAMM estão representadas no hemiciclo, possuem escolas, creches, centros e associações mais pequenas, recebem queixas dos residentes, têm centros de acompanhamento de idosos e lideram a lista das entidades que recebem subsídios do Governo.
“A primeira razão pela qual os jovens entram nestas associações é para terem algum tipo de poder, esse é o primeiro objectivo”, contou ao HM Isabel Cheong, secretária-geral do Centro da Política da Sabedoria Colectiva, ligado aos Kaifong. “Nas associações não se ganha muito dinheiro, porque o salário pago é semelhante ao de um recém-licenciado. Quem entra aqui tem algum ambição e vontade de ter poder e ser conhecido, mas também de aprender mais e trabalhar junto da sociedade”, referiu.
Isabel Cheong estudou Jornalismo na China continental e chegou a trabalhar no jornal Ou Mun, mas depressa se fartou do ritmo frenético da profissão e do facto de ter de se deslocar diariamente a trabalhos de agenda. Um dia candidatou-se a uma vaga de trabalho nos Kaifong.
“Trabalhei em vários escritórios do deputado Ho Ion Sang e também no escritório central. Sempre trabalhei junto da comunidade. Até que em 2010 o deputado Ho Ion Sang e outros membros pensaram em criar este centro para discutirmos políticas e medidas, para termos um trabalho mais político. Então fui recomendada para trabalhar aqui”, explica Isabel Cheong.
Tal como todos os jovens da sua idade, Isabel começou do zero e fez todo o tipo de trabalhos. “Faço trabalho administrativo aqui e também estou na área de promoção de políticas para serem discutidas. Antes não tínhamos muitas pessoas e eu fui uma das primeiras a chegar. Agora a equipa é maior, temos cinco departamentos e um deles é só para pensar em temas a debater junto da sociedade e políticas para serem propostas ao Governo”, adiantou.
A jovem dos Kaifong
A jovem dos Kaifong

Já Ian Man Chit entrou na FAOM em 2008 através de um estágio. Estudou Política numa universidade chinesa e hoje estuda Direito na Universidade de Macau. “Há pessoas que entram na FAOM ou noutras associações porque querem de facto ajudar a melhorar a sociedade, mas muitos também querem concretizar os seus próprios interesses. Muitos querem desenvolver as suas capacidades aqui e não se importam muito com o facto do salário ser baixo. Há pessoas que querem entrar para depois terem mais oportunidades noutros sítios. Aqui podem ter uma formação para depois facilitar a entrada na Função Pública”, referiu.
A colega, Ng Nga Teng – que se licenciou na área das Relações Laborais em Taiwan – assegura: “Há várias situações. Há pessoas que entram porque há muitos cargos aqui e podem ter trabalho. Outros querem mesmo participar nas questões da sociedade e ajudar as pessoas. Muitos têm mesmo o sonho de ser políticos. Esse sonho existe, mas a maioria só quer um emprego.”

Formação para ser político

Na área política a máquina está bem oleada para formar jovens que poderão um dia ser potenciais candidatos à AL e integrar as listas, conforme os dirigentes assim decidirem. Do lado da FAOM, Kwan Tsui Hang já deu mostras de querer sair do hemiciclo e já estão a ser pensados nomes para lhe suceder. Os membros mais novos participam com frequência em acções de formação sobre política, com a participação de académicos convidados.
“Não sei quem é que se vai candidatar (nas eleições legislativas de 2017) mas os Kaifong estão sempre a formar novas pessoas para serem deputados. Quando Ho Ion Sang decidir sair já vão existir pessoas que podem avançar para uma candidatura. Há sempre cursos de formação com convites de especialistas em política para formar essas pessoas para a vida política”, explicou Isabel Cheong ao HM.
Ela própria já foi uma das formandas. “Em 2009 o deputado Ho Ion Sang foi eleito mas na altura as pessoas achavam que ele era novo e não confiavam muito no seu trabalho. Reconhecemos esse problema e apostámos no trabalho de formar as pessoas cada vez mais cedo, para que também comecem a aparecer mais cedo, para que a sociedade também os conheça.”
Isabel Cheong até põe a hipótese de um dia se candidatar, mas afirma ter de pensar, porque é uma decisão que não parte só dela. “No futuro gostava de experimentar esta área”, garante. Também Ian Man Chit gostava de chegar ao hemiciclo, mas diz que não se importa de continuar a fazer o que faz actualmente, em prol dos outros.
“Primeiro tem de se respeitar a vontade da própria pessoa, mas o mais importante é o que a pessoa em causa pensa sobre os residentes. Deve ser alguém com muita experiência a lidar directamente com as pessoas e ver os seus problemas. Essas são as condições básicas para uma pessoa ser escolhida. Somos um grupo dos operários e temos de ter a capacidade de fazer tudo, não podemos trabalhar apenas pelos direitos dos trabalhadores mas em todas as áreas. Para ser deputado temos de deixar a família para trás, sem horários.” O pensamento é transversal.
“Penso ser candidato à AL, mas é um processo complicado, porque a Ella Lei começou por ser assistente dos deputados e teve de adquirir muita experiência até lá chegar. Isso depende da própria associação, não é uma escolha pessoal. Não me importo qual será o meu cargo, pode não ser a AL, desde que possa ajudar as pessoas”, acrescentou Ian Man Chit.

Mais deputados directos

Apesar de estarem ainda muito longe de chegarem ao topo, estes jovens já têm as suas ideias políticas bem definidas. O aumento de deputados directos no hemiciclo é um objectivo defendido por Isabel Cheong e Ian Man Chit.
“Há muitos deputados na AL que só fazem coisas para os seus interesses pessoais e não quero que essa situação continue. Para mim um deputado tem muita responsabilidade e trabalhos e não é uma escolha fácil. Actualmente há falta de igualdade social. Há muitos empresários na AL, o que faz com que Coloane continue a não ser protegida”, defendeu o jovem da FAOM.
Ng Nga Teng, que decidiu entrar na Federação depois de assistir a um seminário sobre sindicalismo em Taiwan, pede que seja implementada a Lei Sindical em Macau. “A FAOM está a desempenhar o papel de sindicato, temos 70 associações e há sempre esse objectivo de ajudar os trabalhadores. Macau precisa mesmo de uma Lei Sindical, porque sem ela não há uma plataforma de negociação”, remata a jovem.

Os caminhos paralelos de Ella Lei e Wong Kit Cheng

Ella Lei foi eleita em 2013 pela FAOM pelo sufrágio indirecto, já que a FAOM continuou a ter os deputados Kwan Tsui Hang e Lam Heong Sang nos assentos directos. Wong Kit Cheng, que é vice-presidente da Associação Geral das Mulheres de Macau, foi a número dois da lista de Ho Ion Sang, dos Kaifong. O percurso das deputadas até chegarem à AL foi semelhante ao de Isabel Cheong, Ian Man Chit e Ng Nga Teng.
“Comecei por participar na União Geral dos Estudantes durante a universidade e foi aí que comecei a ter mais contacto com os problemas da sociedade. Depois fui para a Associação das Mulheres porque queria discutir mais políticas e defender os direitos destas”, referiu Wong Kit Cheng ao HM. A deputada ainda chegou a trabalhar como enfermeira no Hospital Conde de São Januário.
“A minha entrada para a AL foi uma decisão de todos, porque a associação tem formado jovens para participar nas políticas, temos tentado encontrar pessoas para continuar esse trabalho. Conheci enfermeiras que também estavam ligadas a estes assuntos e incentivaram a minha candidatura, foi uma oportunidade”, assegura a número dois de Ho Ion Sang. ella lei
No caso de Ella Lei, a deputada indirecta entrou para a FAOM através de um simples estágio, quando ainda estudava na universidade, no curso de Administração e Gestão Pública. “Na altura não sabia nada, mas comecei a perceber melhor o trabalho de um deputado e achei que era significativo e desafiante”, contou. Foi recepcionista num dos centros da associação, tratou dos casos mais fáceis, lidou com muitas queixas de residentes. Ella Lei estagiou nos anos de 2002 e 2003, quando a economia atravessava uma fase má e quando houve o fecho de muitas fábricas.
“Falei com pessoas analfabetas que precisavam de ajuda para assinar contratos, submeti queixas ao Governo. Chegou a um ponto em que queria contribuir para a sociedade de uma forma mais activa e queria ter mais responsabilidades. No processo de candidatura ganhei o apoio dos meus colegas, porque claro que não foi apenas uma decisão pessoal”, rematou a deputada.

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