Lin Zexu visita Macau

No anterior artigo procuramos a data do início da Guerra do Ópio pelos episódios que ocorreram durante o ano de 1839. Se até 18 de Março, os chineses tentaram por palavras convencer os ingleses a deixarem de trazer ópio para a China, ilegalizado já há muito tempo, por Édito dessa data o Comissário Imperial Lin ordenou que lhe fosse todo entregue. Assim fez o capitão Elliot, ao ópio armazenado nos cascos dos navios ao largo de Lintin. No dia seguinte, o exército chinês cercou as feitorias e proibiu todos os residentes estrangeiros de daí saírem e só a 24 de Maio os negociantes ingleses, com promessa escrita de nunca mais voltarem à China, partiram de Cantão para Macau, acompanhados pelo superintendente do comércio britânico na China, Charles Elliot.
Outro momento referido para o início da Guerra do Ópio ocorreu entre 3 e 25 de Junho de 1839, quando Lin Zexu, como Qin Chai Da Chen, mandou queimar as caixas de ópio em Humen, província de Guangdong. Sendo ainda outra das datas, a relacionada com a recusa dos ingleses de entregar um dos seus marinheiros que, nos distúrbios entre marinheiros ingleses e americanos e alguns chineses, assassinara em Kowloon o nativo Lin-uei-hi. Como represália, no Edital de 15 de Agosto de 1839 o Vice-Rei de Cantão proibiu qualquer espécie de alimentos aos ingleses residentes na China. No dia seguinte, Lin Zexu e o Vice-Rei Deng Tingzhen, entraram no distrito de Xiangshan e imediatamente foi declarado o bloqueio a Macau para forçar os ingleses a deixarem esta cidade.
O Comissário Imperial Lin prevenia os portugueses dos perigos que corriam ao abrigar na cidade ladrões ingleses e proibiu o fornecimento de provisões, assim como de mão-de-obra chinesa, aos residentes ingleses em Macau. Já as autoridades chinesas contavam com a lista da população aí residente e o Comissário Lin ordenou ao Procurador de Macau para investigar onde se encontravam os traficantes, dizendo que viria para deles tratar quando terminasse de colectar o ópio em Humen. E por isso, a 26 de Agosto, após uma reunião dos súbditos ingleses residentes em Macau, por conselho do superintendente do comércio inglês na China Charles Elliot, decidiram retirar-se para Hong Kong. Segundo Montalto de Jesus, “Silveira Pinto declarou que, apesar da provação, nunca pressionaria os ingleses a deixar a colónia e, embora consciente das poucas forças à sua disposição para repelir um esmagador ataque chinês, prometeu defendê-los até ao fim no caso de eles ficarem. Mas eles preferiram partir para o ancoradouro de Hong-Kong, e enquanto embarcavam, a guarnição, com Silveira Pinto no seu uniforme militar, esteve presente para impedir um receado ataque chinês”.
Em Cantão, no último dia de Agosto as autoridades da cidade fizeram uma proclamação ao povo, chamando-o às armas contra os ingleses. Assim 31 de Agosto poderá também ser outra data para o início da I Guerra do Ópio.
“Mal tinha terminado a provação de Macau quando, num despacho datado de 1 de Setembro de 1839, Elliot informou Silveira Pinto de que o barco Volage tinha ordens para cooperar na defesa da colónia contra a agressão chinesa. Foi também oferecida a assistência de oficiais e civis ingleses em Hong-Kong e a protecção portuguesa foi mais uma vez solicitada. Ao propor o regresso dos ingleses a Macau, Elliot contradisse formalmente um rumor chinês, segundo o qual a sua retirada tinha sido devido à pressão dos mandarins. A razão, declarou, era porque tinha querido comprometer a colónia sem nenhuma força à mão. Já não era esse o caso: oitocentos mil homens podiam ser imediatamente colocados à disposição do governador.
Mas a situação era delicada; e embora desconhecedor da pretensão de anexação de Macau, Silveira Pinto reiterou que, na ausência de ordens expressas e definitivas do seu governo em sentido contrário, não podia deixar de manter uma estrita neutralidade”, Montalto.
Continuaremos aqui a usar sobre este assunto o que Marques Pereira escreveu nas Ephemérides e Luís Gonzaga Gomes na sua Cronologia, acompanhando com o que Montalto de Jesus apresentou no Macau Histórico.

No Templo de Lin-Fong

Em viagem de inspecção a Macau, o Comissário Imperial Lin Zexu acompanhado por Deng Tingzhen, Vice-Rei de Guangdong e Guangxi, vieram de Qianshan no vigésimo sexto dia da sétima Lua do 21º ano do reinado de Daoguang (1839) e, acompanhados por centenas de soldados, chegaram a Guanzha. Essa barreira conhecida pelos portugueses por Porta do Cerco, foi construída como uma delimitação de fronteira pelos chineses em 1573, ano do começo do pagar foro, que se estendeu até 1849. Montalto de Jesus ao referir-se às Portas do Cerco construídas pelos chineses diz: “No istmo, entre a península da Macau e o continente, os chineses construíram então um muro-barreira com um portão, onde um mandarim e uma esquadra de soldados impediam aos estrangeiros a passagem para o continente, exceptuando aqueles a quem o mandarim fornecera um passaporte. A barreira foi construída, em 1573, claramente como uma delimitação de fronteira, mas servia também para controlar o aprovisionamento da colónia, embora o objectivo declarado fosse apenas o de evitar a incursão dos negros fugitivos de Macau. O portão-barreira, conhecido pelos portugueses como Porta do Cerco, era aberto periodicamente para abastecer a colónia de provisões, numa feira, celebrada num espaço cercado para além da barreira, após a qual esse portão era fechado e selado com seis papéis carimbados. Sobre o portão havia uma inscrição chinesa: “.
Ainda antes do amanhecer do dia 3 de Setembro de 1839, nessa Porta, de Guanzha, do lado da península de Macau, à espera do Comissário Imperial Lin Zexu estavam o Procurador [e não o então Governador português, Adrião Acácio da Silveira Pinto (1837-1843)], o sub-Prefeito e o Magistrado da cidade, assim como um oficial chinês. Com estes representantes de Macau encontrava-se uma guarnição de cem soldados alinhados ao longo dos dois lados da rua e três bandas de música.
Às oito horas da manhã, a comitiva chinesa passou por Guanzha, a porta que fazia de fronteira, e após as boas vindas e uma salva de dezanove tiros de canhões proveniente das fortalezas de Macau, seguiram em cortejo ao som de música para o Templo de Lianfeng. Conhecido por Pagode Novo, o agora Lin-Fong Miu, era o lugar de hospedagem dos mandarins superiores que vinham a Macau.
Estava um dia límpido e o percurso foi feito rapidamente, pois era curta a distância da Guanzha ao Pagode da Porta do Cerco, como também era chamado este templo devido à proximidade com a fronteira.
Batendo nos gongos e transportando bandeiras, uma divisão das tropas chinesas antecedia o Comissário Imperial transportado na cadeirinha por oito chineses e um português como guarda de honra para o servir. A seguir, uma pequena divisão de tropas nativas, que antecedia o Vice-Rei de Liangguang (Guangdong e Guangxi) acompanhado por outros oficiais e mais tropa. Se ao longo do trajecto muitos eram os espectadores, habitantes nas aldeias da península de Macau existentes fora dos muros da cidade cristã, uma multidão aglomerava-se, sobretudo em redor do pátio do templo, tanto na parte exterior como no interior, onde estacionou o cortejo.
Recebidos por oficiais a aguardá-los à entrada do edifício do templo, foram logo as entidades chinesas conduzidas ao interior para se refrescarem. Aí se efectuou a reunião entre o Comissário Imperial e o Procurador.
O Procurador era a pessoa mais importante de Macau e representava a cidade perante as autoridades chinesas e sendo ele Superintendente dos Estrangeiros, tinha o grau de mandarim outorgado pelo Imperador Wan-Li (1573-1620).
Era então Procurador de Macau José Baptista de Miranda e Lima, poeta e professor régio, que estava sentado de frente para o Comissário Imperial Lin Zexu e entre eles, um intérprete português. No interior do templo, pequenos destacamentos com cerca de vinte soldados chineses armados e usando diferentes uniformes e bandeiras.
Lin Zexu declarou a Miranda e Lima a proibição do armazenamento e comércio de ópio dentro da cidade e se fosse encontrado algum estrangeiro com essa substância, deveriam reportar às autoridades chinesas e prenderem-no. Em nome de Macau, o Procurador concordou e prometeu cooperar com o Governo do Império Celeste, aceitando ficarem os portugueses neutrais no conflito sino-britânico e não permitir às forças invasoras inglesas usarem como base Macau durante o conflito. Por fim, Lin Zexu lembrou que os portugueses estavam em território chinês, pois tinham alugado Macau aos governos imperiais Ming e Qing.
Após esta reunião de meia hora, o Comissário Lin ofereceu, aos oficiais, seda, leques, chá e açúcar-cande e aos soldados, quatrocentos yuan de prata, vacas, ovelhas, farinha e vinho, após o que foi fazer sacrifícios no altar de Tian Hou (a deusa dos mareantes e conhecida localmente por A-Má) e Guan Di (Deus da Guerra e da Riqueza, representado por Guan Yu, um guerreiro do Período dos Três Reinos e conhecido em cantonense por Kwan Tai).

Às voltas em Macau

Eram nove horas da manhã quando saindo do Templo de Lin Fong, foi o Comissário dar uma volta pela cidade a inteirar-se da cultura portuguesa e a maneira de viver da cidade, assim como para inspeccionar alguns locais e ver se as suas ordens estavam a ser cumpridas.
Passando pela aldeia do Patane e junto à praia com esse nome, subiu até Baige Cao (hoje Jardim de Camões) e pela Porta de S. António entrou na cidade cristã, sendo saudado com uma salva de tiros pelos canhões da Fortaleza de Nossa Senhora do Monte de S. Paulo. Continuando pela longa rua até ao porto interior, passou pela Alfândega chinesa e depois junto das igrejas de S. José e S. Lourenço, chegando ao templo próximo da Fortaleza de S. Tiago da Barra. Daí retornou e seguindo pela Calçada do Bom Jesus (Gaolou) e Fonte do Lilau (o poço Yapo) de novo cruzou S. Lourenço e desceu por uma viela para a Praia Grande. Percorrendo-a, ao chegar à Rua do Campo foi até à Porta de S. Lázaro, de onde voltou pela Rua do Hospital, hoje Rua Pedro Nolasco da Silva (conhecida também por Rua das Mariazinhas). Contornando a Colina da Nossa Senhora do Monte, passou por Yingdi (S. Domingos), seguiu por Yingdi (Rua dos Mercadores) e Guanqian (Rua dos Ervanários) e saiu da cidade pela Porta de S. António, onde foi saudado com 21 tiros de canhão, segundo referencia o Chinese Repository, de onde retiramos algumas destas informações, refeitas pelo que se pode encontrar no Museu de Lin Zexu, situado ao lado do Templo de Lin Fong e de fontes chinesas. De lembrar que estas duas Portas da cidade davam para as várzeas, cultivadas pelos chineses das aldeias fora da muralha, mas ainda na península de Macau.
Neste passeio pela cidade cristã e seus limites, algumas casas foram vistoriadas. Os habitantes chineses ergueram em muitos locais do percurso uma série de arcos do triunfo, assim como, fora das suas residências e lojas colocaram mesas com vasos de flores, demonstrando gratidão pela visita do Comissário Imperial.
Lin Zexu e o Vice-Rei de Liangguang Deng Tingzhen apenas ficaram três ou quatro horas em Macau, pois, segundo o que lemos no Museu de Lin Zexu (que não refere a hora de entrada na península de Macau), ao meio-dia desse dia o Comissário retornou para Qianshan, sendo acompanhado pelos portugueses até Guanzha.

Subscrever
Notifique-me de
guest
1 Comentário
Mais Antigo
Mais Recente Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários
trackback
3 Set 2021 21:37

[…] Sobre este assunto aconselho leitura de José Simões Morais em: https://hojemacau.com.mo/2016/05/02/lin-zexu-visita-macau/ […]