Heroínas e outras estórias

* Julie O’yang


[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]a sequência do meu trabalho como romancista e argumentista, nestes últimos tempos tenho lido bastante sobre a temática das “heroínas”. Um estudo recente revela que de 1989 a 1999 – a década do “renascimento” da Disney – os filmes de princesas são estranhamente dominados pelas personagens masculinas. Para além da heroína, não existem praticamente mais personagens femininas poderosas, respeitadas, úteis, ou com sentido de humor. Passo a citar: “Na Pequena Sereia os homens falam durante 68% do filme; na Bela e o Monstro 71% ; no Aladino 90% ; na Pocahontas 76% e, finalmente, em Mulan, 77% do “tempo de antena” vai para as personagens masculinas. Na versão da Disney de Mulan, que conta a história de uma jovem chinesa, os homens dominam mais de três quartos dos diálogos, mesmo quando ela está disfarçada de homem. Por isso, todos os “tipos” passam a perna à heroína, o que não devia ser permitido. E será que estes filmes são mesmo recomendados para meninas?
A Balada de Mulan (木兰辞) circulou na China durante o período das dinastias do Norte e do Sul (420–589 AD). Nesta popular balada yuefu em14 cantos, , Mulan é descrita como uma rapariga comum que, em circunstâncias extraordinárias, se subleva para poupar o pai às agruras da guerra contra os bárbaros, que habitavam territórios para lá da Muralha da China. Qualquer rapariguinha chinesa conhece as famosas palavras de Mulan: “As patas da lebre macho levantam-se e saltam, O olhar da lebre fêmea é sombrio e esquivo. / Duas lebres saltam lado a lado, perto do chão, / Quem pode dizer qual é ela ou qual é ele?” Em Mulan existe, provavelmente, o primeiro registo conhecido de uma jovem travestida de rapaz a salvar toda uma nação. A China antiga deveria ser um local fantástico para se viver, com espaço para a diferença !
Não sei se Mulan foi ou não baseada em factos reais, mas pessoalmente acredito que a imaginação é a única arma capaz de proteger a liberdade. Já agora, gostava de vos convidar a subir para o dorso do cavalo de Mulan e, num galope, virem comigo a Taiwan, conhecer a tímida Tsai Ing-Wen que, recentemente, chamou a atenção do mundo ao tornar-se a primeira mulher Presidente de Taiwan. Passamos a dar a palavra a uma mulher que subiu a pulso na primeira democracia do universo cultural chinês. Dêem um passo atrás e observem!

Tsai Ing-Wen, 蔡英文nascida em 1956 é uma política de Taiwan e a primeira mulher a ser eleita Presidente da República da China < https://www.youtube.com/watch?v=BGKX9cVUUsA>. É também o primeiro Presidente de origem Hakka e Aborígene, o primeiro Presidente solteiro e o primeiro que nunca tinha sido anteriormente eleito para nenhum cargo político. Tornou-se a primeira Chefe de Estado de um país do Este asiático, sem qualquer ligação a antigos Presidentes.

O que é Taiwan?

A primeira coisa que é necessário fazer, quando se trata de realçar a importância de um país, é preservar a sua identidade, quer do ponto de vista económico quer do ponto de vista cultural. Uma visão correcta implica ser cuidadoso com os meios que temos ao nosso alcance – sem nunca nos separarmos deles. A identidade cultural de Taiwan não é folclore para turistas. Também não passa por embarcarmos em ideologias erradas. Quero ver Taiwan como um presente que ofereço ao meu povo e a mim própria!
Criámos uma democracia com o nosso próprio esforço – a primeira nesta região – o que quer dizer que não existem outros exemplos para nos guiar, o que pode ser simultaneamente libertador e limitativo. Significa que o povo de Taiwan vai construindo uma democracia internamente, e não para satisfazer exigências e pressões externas. Crescer em Taiwan fez-me acreditar que todas as coisas partem de dentro de nós!

Como vê o equilíbrio entre a RPC e Taiwan?
Taiwan é independente, mas a ligação ao passado não pode ser ignorada. O povo deu-me, enquanto Chefe de Estado, o poder de “desenhar” o futuro, baseado em novos valores. Quero assumir até ao limite a responsabilidade pelas nossas acções e afirmar a democracia que criámos como uma ideia única e coerente. Enquanto mulher e profissional, a independência é tudo o que me interessa. Como advogada e cidadã, assisti a muita injustiça e vi muita corrupção. A ficção é uma forma de endireitar o mundo, mas eu não quero que a democracia em Taiwan seja fictícia. Taiwan está confiante porque é real.

Como quer que os Taiwaneses se sintam quando falam de Taiwan ?
Para mim a simples sonoridade de “Taiwan” é a expressão de nós próprios. Sendo a Democracia um organismo vivo, iremos enfrentar inevitavelmente problemas complicados e dores de crescimento. Quero que as pessoas sintam e reflictam sobre quem são. Não podemos ser verdadeiramente livres se não pensarmos quem somos. Por vezes é necessário que nos sintamos desconfortáveis e estranhos. Torna-nos conscientes da nossa existência e reafirma o nosso relacionamento com a sociedade em que nos inserimos. A liberdade é assustadora, mas de facto trata-se de qualquer coisa mais profunda, um pavor solidamente enraizado na cultura chinesa e no seu povo.

E quanto ao tabu da mulher auto-suficiente no universo chinês ?
Na medida em que estou a fazer algo que nunca tinha sido feito, estou à vontade.

O que é a democracia?

Eu penso que, à semelhança da beleza, a democracia deve criar entusiasmo!

Termino a minha primeira “Ordem do Dia” com uma chamada de atenção para o trabalho da artista Fan Xiaoyan e as suas esculturas provocadoras. As esculturas representam humanóides femininos e estiveram em exposição num Festival de Arte na Coreia há alguns anos atrás, causando grande impacto.
Desta vez Fan Xiaoyan apresenta “Sou Yugong”, baseado numa antiga fábula chinesa sobre um velho louco chamado Yugong que removeu duas grandes montanhas da frente da sua porta de sua casa. É uma história sobre fé e força de vontade. Tenho orgulho em ti, Taiwan! Vamos fazer-lhe uma entrevista a sério em breve!

Fan Xiaoyan art photo
Em: Fan Xiaoyan, I’m Yugong

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